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Sem apoio do Brasil, proposta para suspender patente de vacinas trava na OMC

Índia e África do Sul buscam autorização para produzir imunizantes e remédios genéricos contra a covid-19. Países ricos são contra e apontam risco à inovação. Brasil é único país em desenvolvimento contrário à proposta.

A Organização Mundial do Comércio (OMC) não chegou a um acordo em reunião realizada nesta quarta e quinta-feira (10 e 11/03) sobre uma proposta de Índia e África do Sul para suspender as patentes de vacinas, medicamentos e insumos hospitalares para combater a covid-19 enquanto durar a pandemia.

A iniciativa de suspender as patentes foi apresentada em outubro de 2020 e tem hoje o apoio de cerca de 80 nações, mas é bloqueada por Estados Unidos, União Europeia e outras nações desenvolvidas. O Brasil é o único país contrário à ideia entre as nações de renda média e baixa.

O objetivo do texto é suspender temporariamente quatro seções do acordo TRIPs, que regula direitos de propriedade intelectudal no âmbito da OMC, sobre copyright, patentes, desenho industrial e proteção de informações confidenciais, até que a vacinação contra a covid-19 tenha se ampliado e a maioria da população mundial esteja imunizada.

O conselho da OMC que discute propostas relacionadas ao TRIPs já havia se reunido em outubro, dezembro e em janeiro para discutir o tema, mas segue longe de um acordo, que precisa do apoio de todos os membros. O órgão se reunirá novamente em abril e, se houver uma proposta de consenso, ela será levada ao Conselho Geral da OMC. Para ser aprovado, o texto precisa de consenso entre os 164 membros da organização, um cenário hoje muito improvável.

O Brasil, que foi reconhecido mundialmente na década de 1990 por seu programa de quebra de patentes de medicamentos para o tratamento da Aids, opinou contra a proposta da Índia e da África do Sul assim que ela foi apresentada, no ano passado.

Na reunião de janeiro, quando o governo Jair Bolsonaro negociava a compra de doses prontas de vacinas da Índia, os representantes do Brasil na OMC silenciaram sobre o tema. Neste último encontro, porém, o país voltou a bloquear o acordo, por entender que outros mecanismos no âmbito do TRIPs poderiam viabilizar a ampliação de acesso às vacinas e medicamentos.

Proposta tem apoio do diretor da OMS, Tedros Ghebreyesus

Aumento da produção

Os países que defendem a suspensão de patentes afirmam que há capacidade industrial ociosa em algumas nações e que a iniciativa abriria espaço para produzir vacinas e medicamentos genéricos, acelerando a imunização em âmbito mundial.

Projeções apontam que boa parte dos países do Hemisfério Sul só conseguirá concluir a imunização de sua população em 2022 ou 2023, enquanto nações ricas preveem fazer isso ainda neste ano.

A iniciativa é apoiada pelo diretor da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus. “Se uma suspensão temporária das patentes não pode ser implementada agora, durante este momento sem precedentes, quando será o momento certo?”, ele afirmou

A proposta também tem o apoio dos Médicos Sem Fronteiras. Antes da reunião da OMC, o presidente da organização, Christos Christou, afirmou em comunicado. “Mesmo depois de um ano de pandemia e 2,5 milhões de mortes, ainda vemos alguns governos negando-se a quebrar monopólios sobre insumos médicos, o que ajudaria a aumentar o acesso das pessoas a tratamentos e vacinas”. Segundo ele, esses países “precisam parar de obstruir e mostrar a liderança necessária para entregar a ‘solidariedade global’ com a qual eles se comprometeram tantas vezes durante a pandemia”.

Ao site Law360, Katie Gallogly-Swan, coordenadora de um projeto conjunto entre o Global Development Policy Center e a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), disse: “É decepcionante que, apesar de a maioria do mundo ser favorável à isenção do TRIPs, ela foi bloqueada novamente por alguns países. (…) É hora de aceitar que não estamos a caminho de vacinar o mundo”.

Defensores da suspensão das patentes lembram que farmacêuticas receberam volumes generosos de recursos públicos para desenvolverem as vacinas contra a covid-19. A Johnson & Johnson e a AstraZeneca receberam, cada uma, 1,5 bilhão de dólares de fundos públicos, enquanto a parceria entre Pfizer e BioNtech recebeu mais 500 milhões de dólares.

Nesta quarta-feira, o senador democrata Bernie Sanders afirmou no Twitter que é favorável que seu país apoie a suspensão temporária de patentes, para garantir que a tecnologia das vacinas esteja disponível a todos, “independente de sua riqueza”.

Ngozi Okonjo-Iweala, nova diretora-geral da OMC, diz que buscará “terceira via” para superar impasse

Investimentos em pesquisa e inovação

Os países que se opõem à suspensão das patentes argumentam que isso não resolveria a falta de vacinas, pois não haveria fábricas capacitadas disponíveis no momento, poderia levar à produção de imunizantes com baixo controle de qualidade e reduziria o incentivo para que as empresas continuem investindo em inovação e desenvolvimento de vacinas.

“Os pedidos pela quebra de patentes de vacinas não aumentariam o fornecimento em uma única dose no curto prazo, porque ignoram a complexidade da produção de vacinas e a extensão com a qual produtores, empresas farmacêuticas e nações em desenvolvimento já estão cooperando para aumentar a capacidade de vacinação”, afirmou Thomas Cueni, diretor da Federação Internacional de Produtores e Associações Farmacêuticas (IFPMA), à DW em fevereiro.

Também há forte pressão de grupos empresariais contra a suspensão das patentes. A Câmara de Comércio dos Estados Unidos afirmou à OMC que propostas de suspender direitos sobre propriedade intelectual são uma “distração do trabalho real de fortalecer as cadeias de fornecimento”.

Em artigo publicado na revista digital Barron’s, o político americano Howard Dean, médico e ex-governador democrata de Vermont, disse que o objetivo da Índia ao pressionar pela suspensão das patentes seria obter acesso a tecnologias inovadoras desenvolvidas na Europa e nos Estados Unidos, como as que usam mRNA, e integrá-las à indústria farmacêutica indiana. Ele afirma que, em vez de suspender as patentes, os países ricos deveriam doar mais doses ao consórcio internacional Covax Facility, liderado pela OMS e que distribui vacinas a países de renda média e baixa.

A nova diretora-geral da OMC, a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala, que assumiu o cargo em fevereiro, disse que os debates no conselho do TRIPs são importantes, mas indicou que tentará buscar o que ela definiu como uma “terceira via”: ampliar o licenciamento de patentes para outros países sem suspender a propriedade intelectual sobre elas. Sua proposta foi apoiada pela Câmara de Comércio dos Estados Unidos.

 

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