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UnB: morte de aluno reacende debate sobre saúde mental e segurança

O aluno Jiwago Henrique de Jesus Miranda, assassinado a pedradas no sábado, foi atacado na quinta-feira. Ele pediu proteção a uma colega de curso, e uma professora procurou a assistência social da universidade, que sabia do caso

O aluno era conhecido nos cursos de humanas e exatas da UnB: inteligência
(foto: Arquivo Pessoal)

O aluno da Universidade de Brasília (UnB) Jiwago Henrique de Jesus Miranda, 33 anos, sofreu agressões dois dias antes de ser assassinado, no sábado. Na quinta-feira, ele apareceu na aula de estética, do Departamento de Filosofia, com um olho roxo. Sem entrar em detalhes da história, ele pediu proteção à amiga e colega Ludmila dos Reis Sales, 20 anos. “Eu desenhei um jenipapo (com tinta, na altura das costelas de Jiwago), uma representação indígena utilizada para batalha e rituais. A proposta é simbólica para proteção”, contou a aluna do 4º semestre de filosofia, que ontem acompanhou o sepultamento do estudante no Cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul.

Jiwago foi encontrado morto em um matagal próximo à Colina, região de imóveis funcionais onde moram professores e servidores da UnB. A suspeita é de que ele tenha sido assassinado a pedradas, devido às marcas encontradas na cabeça. A universidade decretou luto oficial por três dias. A 2ª Dealegacia de Polícia (Asa Norte) investiga o caso como homicídio. O Correio esteve na unidade policial, mas recebeu a instrução de procurar a Divisão de Comunicação (Divicom) da Polícia Civil. Por e-mail, a corporação limitou-se a informar que “não é momento oportuno para pronunciamento.”

“Eu desenhei um jenipapo (nas costelas de Jiwago), uma representação indígena utilizada para batalha e rituais”, Ludmila dos Reis Sales , amiga e colega de curso(foto: Luis Nova/Esp. CB/D.A Press)

O aluno era uma figura folclórica na UnB. Conhecido nos cursos de humanas e exatas, ele transitava nos mais diversos centros acadêmicos. Não apenas no curso de filosofia, onde estava prestes a se formar, mas também nos de história, geografia, geociência e economia. Jiwago vivia em situação de rua, tinha esquizofrenia e sofria de bipolaridade. A capacidade intelectual dele, no entanto, foi ressaltada por colegas e professores. “Ele tinha um talento forte para a linguagem. Quando estava exaltado, criava melodias, rimas, poesias. Tinha muita ironia com a vida. Contou-me, uma vez, que o nome dele era uma homenagem ao livro Doutor Jivago, do escritor russo Boris Pasternak. A mãe assistiu à adaptação da obra para o cinema, gostou e deu o nome ao filho”, afirmou a professora Priscila Rufinoni, do Departamento de Filosofia.

Na aula de quinta-feira, a educadora também notou o olho roxo no rosto do estudante. “Eu perguntei o que tinha acontecido, e ele disse que tinha brigado, mas não entrou em detalhes nem disse com quem. Era visível o que havia ocorrido. Eu liguei para a assistência social da UnB, mas eles estavam sabendo”, contou.

Além de ajuda financeira, Jiwago recebia acompanhamento do Instituto de Psicologia da UnB desde o ingresso à instituição, em 2004. Há dois anos, ele era atendido por Eduardo Lemgruber, 47 anos. O psicólogo conta que o estudante sofreu com o preconceito e com a marginalização. “Há fobia em relação à saúde mental, não sei se a palavra é essa, mas Jiwago sofreu com a psicofobia. As pessoas tinham receio, mas ele nunca foi agressivo, nunca ameaçou ninguém”, disse o servidor da Diretoria de Desenvolvimento Social (DDS) da universidade.

“Ele passava por ciclos, ora de surto, ora de depressão, mas era inteligentíssimo. Até as conversas delirantes eram muito agradáveis. Ele era doce, gostava de cantarolar pelos corredores”, acrescentou. Eduardo reforçou que o aluno não representava risco a ninguém. “Ele tinha momentos de surto. Posso afirmar que ele tinha prontuários nos Caps (Centro de Atenção Psicossocial) de transtorno mental, da Asa Norte, no de tratamento contra drogas, da Asa Sul; no HPAP (Hospital de Pronto Atendimento Psiquiátrico) e, ainda, no HUB (Hospital Universitário de Brasília). Mas ele era muito inteligente, quando era internado, logo se mostrava bem para ser liberado. Porém, nunca foi internado por agressão e violência”, concluiu. De Bom Jesus da Lapa, na Bahia, Jiwago veio para Brasília com a ex-mulher Vanice Silva Dantas, 47. O casal teve gêmeos, hoje com 6 anos.

“Há fobia em relação à saúde mental, não sei se a palavra é essa, mas Jiwago sofreu com a psicofobia”, Eduardo Lemgruber, psicólogo da vítima

“Homem morto”

Nessa segunda-feira (26/6), o Departamento de Filosofia e o CA do curso ficaram fechados em sinal de luto. Chefe de gabinete da reitora Márcia Abrahão, o professor Paulo César Marques explicou que os medicamentos controlados de Jiwago eram obtidos no HUB e ministrado na DDS. “Na última fase, embora orientado, ele não foi renovar a prescrição médica. Pelas informações, o aluno tomou a medicação até maio. Inclusive havia uma orientação dos psicólogos, que, se ele fosse localizado, acionassem o próprio centro ou o Samu no sentido de conduzi-lo até o local, mas, por ele não ter residência física, não era encontrado”, explicou.

A coordenadora-geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE), Clarice Menin, defende que o assassinato de Jiwago abra discussões sobre saúde mental e segurança no Câmpus Darcy Ribeiro, na Asa Norte. “Todos o conheciam, mas, infelizmente, há uma deficiência acadêmica em lidar com transtorno mental”, disse. O amigo Robert Rezende, 25, denuncia perseguições. “Ele foi morto por um crime de ódio. Ele foi abandonado pela UnB, perseguido pelos seguranças e a situação é ampla e envolve a macropolítica sobre a falta de assistência a pessoas em situação de vulnerabilidade”, ressaltou. “Na última vez que eu o vi, na quinta-feira, ele me disse as seguintes palavras: ‘Você se preocupa muito comigo, eu já sou um homem morto’. Na verdade, não era ele que apresentava risco, ele sofria sempre o risco de persistir”, avaliou Robert.

 

Memória

 

» 2018

 

12 de junho

Um estudante teve o carro roubado no Instituto Central de Ciências (ICC) Sul, próximo à Faculdade de Biologia. O ladrão estava armado e usava capuz para cobrir o rosto. Ele rendeu a vítima, que estava dentro de um Wolksvagen Up branco. O aluno deixou a chave na ignição, e o assaltante fugiu.

 

3 de maio

O Centro Acadêmico de Agronomia (Cagro) amanheceu pichado. Entre as frases escritas estavam “Fascistas”, “Respeita as mina”, “Agronazi morre cedo” e “Resistência LGBT”. Os bancos e as mesas que ficam em frente ao espaço foram derrubados. O ato de vandalismo teria relação com o posicionamento dos estudantes do curso, contrários à ocupação da reitoria da UnB, entre 12 e 30 de abril. O movimento ocorreu em protesto ao corte de gastos e à demissão dos terceirizados.

 

2 de maio

Três alunos sofreram agressões no Centro Acadêmico de Geografia. Um homem de 44 anos entrou no local e começou a riscar o chão. Uma estudante pediu para que ele parasse de danificar o piso, levou um empurrão e um soco no queixo. Outros dois colegas partiram em defesa da vítima e também acabaram agredidos. O agressor não era estudante nem funcionário da universidade e apresentava sinais de embriaguez.

 

» 2016

 

10 de março

A estudante de biologia Louise Maria da Silva Ribeiro, 20 anos, foi assassinada pelo colega e ex-namorado Vinícius Neres Ribeiro, então com 21. Ele asfixiou a vítima com clorofórmio dentro de um laboratório. Depois de matá-la, Vinícius enrolou o corpo em um colchão inflável, colocou-o em um carrinho de laboratório e transportou-o para o carro dela. Foi a um local ermo e tentou atear fogo ao cadáver.

Assistência psicológica

Mesmo com 350 câmeras de segurança, adquiridas ao custo de R$ 1,6 milhão e que começaram a ser instaladas entre maio e junho no Câmpus Darcy Ribeiro, alunos relatam vulnerabilidade, com episódios de abusos, assédios, furtos, roubos e até assassinato (leia Memória). A aluna de relações internacionais Amanda Santiago, 20, relata que o medo é potencializado pelo fato de ser mulher. “Desde o 1º semestre, ouço sobre estupro no câmpus e assédio de todo tipo. Uma vez, uma menina foi ao banheiro e tinha um homem lá dentro. Desde então, entro lá com medo, desconfiada”, descreveu a estudante do 5º semestre.

 

Em nota, a Administração Superior da UnB detalhou a passagem acadêmica de Jiwago, iniciada em 2004. “Desde que entrou para a comunidade da UnB, passou a fazer parte do Programa de Assistência Estudantil, tendo recebido auxílio de diversas formas, em diferentes épocas: auxílio-moradia, auxílio-socioeconômico e refeições gratuitas no Restaurante Universitário. Os auxílios foram sendo cancelados ao longo do tempo, em razão de normativas relacionadas ao tempo de permanência no programa. Em fevereiro, Jiwago deixou de receber o auxílio socioeconômico, ficando com o acesso ao RU.”

 

Segundo a universidade, “em junho, contudo, passou a apresentar comportamento agressivo, tendo ofendido e ameaçado servidoras e funcionárias terceirizadas do restaurante. Uma delas chegou a registrar queixa na polícia. Por conta disso, estava suspenso do RU desde 14 de junho.” A UnB confirmou que ele recebia assistência psicológica. “Entre abril e maio, a equipe da DDS chegou a ministrar o medicamento que ele precisava tomar diariamente”, aponta. A UnB “lamenta profundamente a morte do estudante e reitera que tomou todas as medidas necessárias para que ele cumprisse sua jornada acadêmica e para que fosse acolhido pelo sistema de saúde”, finaliza a nota.

 

 

 

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