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Como está a saúde mental do brasileiro durante a pandemia

90% dos psiquiatras notaram o agravamento de quadros em seus pacientes devido à pandemia, segundo uma pesquisa. E isso pode ser só a ponta do iceberg

Brasileiros aguardam em fila para receber segunda parcela do auxilio emergencial do governo durante a pandemia do novo coronavírus. (Bruna Prado/Getty Images)

Quando todo mundo está passando por momentos de angústia e ansiedade, as doenças mentais reais podem desaparecer, escreveu Andrew Solomon em coluna recente no The New York Times.

O professor da Universidade de Columbia e autor de best sellers como “O Demônio do Meio Dia”, sobre depressão, alerta para que não se perca de vista a crise secundária que se desenrola de forma paralela à pandemia. A falta de dados é o primeiro obstáculo para mapear o fenômeno, que é largamente invisível, sobretudo no Brasil. Mas algumas iniciativas lançam luz sobre a ponta do iceberg.

Uma pesquisa feita pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) entre os dias 6 e 9 de maio mostra que quase metade dos profissionais tiveram aumento nos atendimentos após o início da pandemia. Essa variação foi de até 25% para cerca de um terço dos entrevistados.

Nesse grupo, dois em cada três psiquiatras responderam que ganharam pacientes que nunca haviam apresentado sintomas psiquiátricos antes.

O levantamento, com médicos de 23 estados e do Distrito Federal, aponta ainda que quase 70% desse grupo dos que tiveram aumento das consultas atenderam pacientes que já haviam recebido alta, mas que voltaram a ter sintomas de depressão, ansiedade, transtorno de pânico ou alterações significativas no sono.

Além disso, do total de entrevistados, quase 90% dos médicos notaram o agravamento de quadros psiquiátricos em seus pacientes.

Já entre os médicos do grupo que não percebeu aumento nos atendimentos durante a pandemia, a pesquisa aponta um movimento contrário, de redução na procura. Entre os principais motivos listados para o movimento, está a interrupção do tratamento por parte do paciente devido ao medo de contaminação.

“Situações anteriores de epidemias já nos levaram a observar que há um aumento durante ou depois nas doenças mentais, justamente por serem períodos longos de incerteza, visto que o período da curva da doença pode ir até 14 semanas”, diz Antônio Geraldo da Silva, o presidente da ABP. “É um período longo de estresse que pode ser gatilho para uma doença que estava adormecida”, diz.

O Ministério da Saúde chegou a realizar um levantamento para avaliar a saúde mental da população durante a pandemia. O questionário ficou disponível para que as pessoas participassem até o dia 15 de maio. A pasta, no entanto, não pretende divulgar o resultado da pesquisa.

O tema é uma das prioridades da Organização Mundial da Saúde (OMS) que na última quinta-feira (14) alertou que a pandemia já estaria causando um “sério impacto na saúde mental das pessoas”. A OMS também pede para que os governos aumentem urgentemente o investimento em atendimento na área.

Só o a depressão no Brasil atinge 5,8% da população, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A taxa está acima da média global, de 4,4%. Há 11 milhões de pessoas diagnosticadas com a doença no país. Em todo o mundo, são mais de 300 milhões, mas apenas metade está em tratamento.

Raízes

Segundo Silva, os casos novos de pessoas diagnosticadas com doenças mentais podem estar relacionados com vários fatores.

As doenças mentais têm um componente hereditário, e podem ou não se manifestar em uma pessoa que tem casos na família. De qualquer forma, é mais comum que apareçam após eventos de estresse – como a pandemia.

Após recessão global de 2008, por exemplo, vários estudos relacionaram a crise financeira a um aumento nos suicídios na Europa e Estados Unidos. Um deles calculou que, para cada ponto percentual a mais na taxa de desemprego americana, havia um aumento de cerca de 1,6% na taxa de suicídio.

“A situação atual dessa pandemia mexe muito com estrutura social, familiar, financeira, do país e das pessoas. Hoje, isso tudo está muito mais volátil, o que faz com que as perdas estejam mais presentes”, explica Silva. O segundo elemento que ele destaca é a quebra da própria rotina:

“O ritmo circadiano (ritmo de cerca de um dia) é importante para a saúde mental. Manter rituais é uma forma de ser preservar. Durante a quarentena, muitas pessoas podem ter adquirido costumes prejudiciais, como acordar tarde, passar a madrugada vendo séries com frequência, por exemplo, param de se exercitar etc”, diz.

Isso sem falar no abuso de substâncias como álcool e outras drogas, que também afetam a saúde mental, e na alta dos casos de violência doméstica, verificados internacionalmente com o isolamento.

Não temos no Brasil, nota o psiquiatra, um sistema público adequado para a área de psiquiatria ou uma política de Estado voltada para o tema. “Há dois meses, nós alertamos sobre a necessidade de o Estado absorver essa demanda que surgiria com a pandemia, mas o esforço foi zero”.

A ABP está desenvolvendo uma pesquisa para avaliar como a população está lidando com a pandemia. Participe respondendo ao questionário aqui.

Para o especialista, falta hoje no país também uma base de dados adequada sobre o tema. Isso ocorre principalmente pela falta de informação, que aumenta o estigma em torno do tema, segundo Silva.

O tabu é mais frequente entre jovens adultos, como mostra pesquisa Ibope aplicada em agosto do ano passado. Pelo levantamento, 23% dos adolescentes entre 13 e 17 anos consideram transtornos mentais como um “momento de tristeza” e não uma doença grave.

“Ter ansiedade é normal, é fator de proteção, mas não inabilita as pessoas. Na doença depressiva e na doença ansiosa, as pessoas perdem a capacidade produtiva”, explica Silva.

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