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Câmara discute proposta que cria o Estatuto da Vítima

Esperança”, diz a ativista na luta contra a violência, Luiza Brunet

© Marcos Santos/USP

“Esperança!” assim a empresária, ex-modelo e ativista na luta contra a violência doméstica, Luiza Brunet, definiu a proposta que cria o Estatuto da Vítima, o Projeto de Lei (PL) 3890/20.

O estatuto assegura às vítimas de crimes e também de desastres naturais ou epidemias que resultem em danos físicos, emocionais ou econômicos, direitos como proteção, informação, comunicação, apoio, assistência, atenção e tratamento profissional individualizado e não discriminatório desde o primeiro contato delas com profissionais de saúde, resgate, segurança pública e que exerçam funções essenciais de acesso à Justiça.

“É de enorme importância humanitária criar condições para amparar uma vítima, de forma que ela se mantenha em pé e que tenha forças para seguir em frente”, afirmou empresária.

“A importância do Estatuto da Vítima é que atenderá as suas principais necessidades, como o apoio emocional, a proteção à sua integridade, reparação, restituição, responsabilização do ofensor, respeito e cuidado”, completou Luiza que emocionou os parlamentares, durante audiência pública na Câmara dos Deputados para debater o tema, ao relatar o histórico de violência física e psicológica sofrido desde criança.

Violência desde a infância

Aos deputados, Luiza relatou ter vivido casos de violência, ainda pequena, praticados pelo pai, que era alcoólatra. Na adolescência, sofreu abuso sexual em uma casa no subúrbio do Rio de Janeiro onde trabalhava. O episódio fez com que ela pedisse demissão do emprego, que era uma das principais fontes de renda para a família, formada pela mãe e irmãos. Já no final da adolescência, Luiza começou a fazer sucesso como modelo e passou a sofrer assédio sexual em razão do seu novo trabalho.

“Na carreira de modelo, nos anos 80, a mulher era muito mais objetificada e eu passei a sofrer muito mais violência por causa disso e eu tinha que tentar escapar dos assédios, que eu não sabia que era moral e sexual, e, muitas vezes, eu saia do trabalho e não continuava. Estou falando isso para dizer que a vítima sofre a vida inteira”, relatou.

O caso mais recente de violência e que gerou maior repercussão ocorreu em 2016, quando Luiza foi vítima de violência doméstica praticada pelo ex-companheiro o empresário Lírio Parisotto. As agressões resultaram em hematomas no rosto, corpo e quatro costelas quebradas.

Além da violência física, também houve violência verbal e psicológica que, segundo a modelo, já vinham de dois anos antes. Ao buscar reparação na Justiça, entretanto, Luiza teve a sua denúncia desacreditada, com acusações como “golpista” e “interesseira”.

“No meu meu segundo casamento sofri violência doméstica aos 54 anos e decidi romper com o ciclo da violência e, a partir de então, eu passei a me dedicar a falar para as mulheres sobre denunciar essas violências. E eu fico muito contente em fazer parte de uma mudança de comportamento por causa da minha fala que se tornou amplificada e do meu caso que se tornou notório no Brasil inteiro”, contou Luiza.

“Quando você denunciou a violência doméstica, em vez de você ser acolhida, você foi julgada. Algumas pessoas disseram que você deu razão para isso acontecer e eu disse que você é uma vítima”, afirmou a deputada Jaqueline Cassol (PP-RO).

Análise

Em análise em um grupo de trabalho na Câmara dos Deputados, o texto do Estatuto da Vítima é de autoria do deputado Rui Falcão (PT-SP) e subscrito por outros 33 parlamentares. Entre outros pontos, o estatuto prevê a obrigatoriedade da realização de perícia médica para constatação de danos psíquicos quando isso for requisitado e também explicita o direito da vítima de receber indenização por danos materiais, morais e psicológicos causados pelo agente do crime ou pela omissão do Poder Público.

Além disso, também prevê, em caso de calamidades públicas e catástrofes naturais, reparação de dano para custeio de tratamento e ressarcimento de despesas. Esse direitos também se aplicam aos familiares no caso de morte ou desaparecimento da vítima e desde que eles não sejam os responsáveis pelos fatos.

“Quando eu me debrucei para ler o Estatuto das Vítimas, me deu muita esperança de que a mudança chega e ela chegou completa. Eu imagino as famílias de Brumadinho, as de Petrópolis e como elas se viram perdendo toda a sua história, sua vida, seu legado”, afirmou Luiza.

O projeto diz ainda que que a vítima tem direito a receber orientação sobre seus direitos, desde a lavratura do boletim de ocorrência. Para tanto, caberá à autoridade policial providenciar a obtenção de provas dos danos materiais, morais ou psicológicos causados ao cidadão.

As autoridades judiciárias, por sua vez, deverão adotar todas as medidas necessárias à proteção da integridade física, psíquica e moral da vítima, que poderá acessar, a qualquer tempo, seu prontuário médico ou documentos públicos relacionados ao evento traumático.

Governo

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, defendeu a proposta e disse que é preciso mudar a forma como as vítimas são tratadas. Segundo ele, o ministério está acompanhando o debate com interesse e que vai fazer sugestões na proposta de texto.

“A gente pretende mudar o rumo do tratamento e da forma de se enxergar as vítimas em nosso país”, disse. “A pessoa que teve a sua vida dificultada em razão de um crime, muitas vezes, se sente discriminada e não tem o menor amparo do Estado brasileiro”, opinou Torres.

O estatuto diz que o apoio às vítimas de crimes e calamidades deverá ser prestado pelas entidades integrantes dos sistemas únicos da Saúde e da Assistência Social, podendo ser prestado por voluntários, organizações não governamentais ou religiosas. A vítima também terá direito a ser assistida por profissionais das áreas de saúde e de assistência social pelo tempo necessário e suficiente à superação do trauma a que se submeteu, bem como a oferta de serviços profissionalizantes e de reabilitação.

Mudança de percepção

Para o representante do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Marcelo Rabello de Souza, o estatuto promove uma transformação cultural na forma como a vítima é percebida pelas autoridades e pela sociedade.

“Se a dignidade do acusado, do preso, tem que ser respeitada, valorizada, a da vítima também. Nós temos hoje um sistema penal e processual penal que trata a vítima como um apêndice. Quando a gente olha a vítima é para qualificar um delito”, disse Rabello de Souza.

“O projeto trata a vítima não apenas na área criminal. Qualquer um pode ser vítima e estamos vendo isso agora, as vítimas de calamidade pública, em Petrópolis, e das enchentes no país. Essas pessoas têm direitos previdenciários, a um inventário, a uma indenização ou não, a um fundo de garantia. São vitimas de uma situação. É outro tipo de vítima e outro tipo de relação que deve ter”, argumentou.

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