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Após 3 semanas, Brasil ainda não tem número de vacinados oficialmente

A plataforma do Ministério da Saúde traz números diferentes do que a contagem estado a estado feita pela imprensa. Ministério diz que cabe às secretarias estaduais a inserção dos dados

Vacinação em São Paulo: não é possível ainda informar o número oficial dos vacinados só com dados do governo federal (Governo do Estado de São Paulo/Divulgação)

O Brasil chega no próximo domingo, 7 de fevereiro, a exatas três semanas de vacinação contra a covid-19 — desde que a enfermeira Mônica Calazans foi a escolhida para dar a largada ao programa de imunização brasileiro. Mesmo assim, o cidadão que queira se informar sobre o número de vacinados, locais e outros dados sobre a campanha, ainda encontra dificuldades e valores desencontrados.

A plataforma Localiza SUS — o “vacinômetro” — lançada pelo Ministério da Saúde tem mostrado desde a sua criação números abaixo da vacinação real, devido a problemas na integração entre as informações do governo federal e dos estados.

O que se sabe é que o Brasil ultrapassou na quarta-feira, 3, o número de 2,7 milhões de vacinados contra a covid-19, segundo apuração junto aos estados feita pelo consórcio de imprensa formado por G1, O GloboExtraO Estadão de S.PauloFolha de S.Paulo e UOL. O número é o equivalente a cerca de 1,3% da população brasileira. O valor, embora ainda aquém do desejado, coloca o Brasil entre um dos países que mais vacinaram no mundo até agora.

No entanto, o dado divulgado pelo governo federal no vacinômetro é ainda de pouco mais de 1 milhão de doses aplicadas até a manhã desta quinta-feira, 4.

Procurado, o Ministério da Saúde afirma que é de responsabilidade dos estados a inserção dos dados no sistema nacional.

Sobre a diferença nos dados há uma semana (quando as informações somadas dos estados chegavam a 1 milhão de vacinados, e a plataforma oficial apontava pouco mais de 300.000), o Ministério disse também que a variação ocorre porque a plataforma não contava ainda com os vacinados de São Paulo e Rio Grande do Norte, que “optaram por soluções próprias”. “Dessa forma, a pasta depende do envio desses dados para completar a divulgação nacional”, disse o Ministério em nota.

Ainda assim, na ocasião, os dois estados faltantes representavam pouco mais de 300.000 vacinas, não explicando, portanto, a diferença de 700.000 vacinas entre a plataforma do Ministério e a soma dos estados. O mesmo segue acontecendo nesta quinta-feira, embora com discrepância menor (com SP e RN somando 637.000 vacinados, abaixo da diferença de 756.000 entre o consórcio de imprensa e o Ministério).

São Paulo e Rio Grande do Norte negam que suas plataformas próprias sejam o único motivo da não integração e dizem que estão trabalhando para disponibilizar os dados no sistema nacional.

Questionado novamente sobre o porquê de a ausência dos dois estados não explicar totalmente a variação, o Ministério não respondeu. O espaço fica aberto para novas manifestações.

As falhas na comunicação dos números levaram a um cenário em que, por ao menos duas semanas, os dados mais compartilhados sobre vacinados no Brasil vinham de um painel feito de forma independente pelo grupo de colaboradores do @CoronavirusBra1. O painel foi disponibilizado online na plataforma de hospedagem de códigos Github — onde o grupo já vinha apresentando também número diário de casos de coronavírus, entre outras informações, com base em dados das secretarias estaduais divulgados diariamente.

A plataforma chegou a ser usada como fonte de informação sobre a vacinação brasileira pelo jornal britânico Financial Times. Foi também com base nos dados do painel que uma série de veículos noticiou que o Brasil já havia chegado à marca de 1 milhão de vacinados, em 27 de janeiro, informação que o Ministério da Saúde não confirmou à época.

Gargalos na integração

O caso também foi mencionado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que classificou a ausência dos dados estaduais no vacinômetro como “politização da pandemia”. O deputado criticou os governadores João Doria (PSDB-SP) e Fátima Bezerra (PT-RN), dizendo que “farão de tudo para apontar desorganizações nos dados do governo federal que eles próprios provocaram”.

A secretária de Saúde de São Paulo diz que a equipe de tecnologia “já solicitou acessos ao DataSUS para iniciar o processo de integração da plataforma Vacivida [plataforma própria do estado] ao sistema do Programa Nacional de Imunizações, e aguarda liberação”, segundo nota em 27 de janeiro. O Rio Grande do Norte, que também tem uma plataforma própria para consulta, disse na mesma data que houve uma reunião com o Ministério da Saúde na semana passada “e estamos a caminho de finalização da integração”.

Mesmo com exceção desses de São Paulo e Rio Grande do Norte, mais de 10 dias após o início da vacinação, outras secretarias ainda trabalhavam na integração com o sistema nacional devido ao atraso no lançamento da plataforma.

O Ministério da Saúde disponibilizou para contagem dos vacinados o Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização (Novo SI-PNI), e estados também podem inserir as informações ao integrarem seus sistemas próprios ao sistema federal, por meio da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), que já é usado tradicionalmente no SUS.

Essa integração entre sistemas estaduais e nacionais é de praxe em uma rede ampla e complexa como a brasileira. Por meio do compartilhamento de informações via RNDS, o Brasil tem, por exemplo, um amplo portal de transparência de dados do sistema de saúde (o DataSUS), em que é possível verificar o número de cirurgias no SUS, exames, atendimentos realizados, valores pagos no sistema e outras informações detalhadas.

Apesar da agilidade necessária (maior do que normalmente no DataSUS) e da complexidade da rede nacional, especialistas em transparência questionam que o sistema para as vacinas deveria ter ficado pronto antes do começo da vacinação para evitar eventuais falhas, uma vez que era sabido desde o ano passado que o Brasil começaria a vacinação nos próximos meses.

A divulgação de casos e óbitos de covid-19, por exemplo, já conseguiu ser equacionada pelo Ministério — com exceção da retirada dos números do ar em junho passado, neste caso por uma decisão política, e não por problemas no sistema.

Outra crítica entre pesquisadores da área da saúde tem sido a ausência dos dados abertos de vacinação, como já acontece no DataSUS ou no próprio painel de contagem de casos da covid-19. Por enquanto, na plataforma do Ministério para as vacinas, há gráficos de fácil visualização sobre as informações, mas não é possível baixar os dados.

O próprio sistema de acompanhamento da vacinação, ainda que incompleto, só entrou no ar em 21 de janeiro, quatro dias depois do começo da vacinação nacional (que começou em São Paulo no domingo, 17, e no resto do Brasil a partir de segunda-feira, 18). No mesmo dia, antes do lançamento, o Ministério respondeu em nota que o sistema estava “em fase de conclusão”.

Alguma diferença momentânea nos dados da vacina já era esperada, embora não nessa dimensão. As diferenças nos números durante alguns dias são de praxe na integração entre plataformas estaduais e nacionais e já acontecem com os casos de covid-19. Por isso, a existência do SNI já em plena capacidade era necessária antes do começo da vacinação, segundo uma fonte com conhecimento dos sistemas do SUS.

Para o bem da transparência, ao cidadão brasileiro resta esperar que estados e governo federal resolvam as pendências nos sistemas e facilitem a divulgação das informações — para que descobrir o número de vacinados no Brasil passe a ser uma tarefa simples, como deveria.

 

 

 

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