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Governo de SP e Prefeitura não abrem dados de mortos no trânsito na capital

Administrações dão balanços diferentes e não informam números dos BOs. Contagem estadual indica 127 mortes a mais em 2015 que a da Prefeitura.

Acidente na Marginal Tietê deixou três mortos em 2015; estado e prefeitura negam detalhar mortes no trânsito (Foto: Arquivo/Mario Ângelo/Sigmapress/Estadão Conteúdo)
Acidente na Marginal Tietê deixou três mortos em 2015; estado e prefeitura negam detalhar mortes no trânsito (Foto: Arquivo/Mario Ângelo/Sigmapress/Estadão Conteúdo)

As gestões do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e do prefeito da capital, Fernando Haddad (PT), apresentam números diferentes para as mortes no trânsito em São Paulo e não disponibilizam informações mais detalhadas sobre os casos. Apenas em 2015, a diferença entre os dois balanços foi de 127 mortos.

Apesar de vários pedidos  via assessoria de imprensa e por Lei de Acesso à Informação, os dois governos não informam os números dos boletins de ocorrência (BOs) onde as mortes foram registradas, os nomes das vítimas e o número do RG. Sem qualquer indicação da identificação das vítimas e do registro, não é viável comparar os balanços e checar possíveis erros no registro das mortes e se há casos de notificações acima ou abaixo da realidade. Para especialistas, há prejuízo à transparência na negativa da divulgação dos dados.

O governo de São Paulo não forneceu os dados solicitados  e não explicou por que, contrariando a Lei de Acesso à Informação, de 2011. Já a Prefeitura alegou se tratarem de informações pessoais das vítimas que não podem ser divulgadas. Nenhum dos dois forneceu dados quando a equipe de reportagem solicitou o levantamento não pelo nome das vítimas, mas sim pelos números iniciais e finais do CPF, de modo a não identificá-las.

As divergências entre os balanços do estado e da prefeitura ficaram mais claras a partir de fevereiro, quando a gestão Geraldo Alckmin (PSDB) lançou o Infosiga SP, com dados de mortes no trânsito nas cidades paulistas. O levantamento mostra que foram 1.119 óbitos no trânsito da capital em 2015, o que representa 13% mais que os 992 contados pela Prefeitura.

A divulgação dos números da criminalidade pelo governo de São Paulo é polêmica. A gestão Alckmin chegou a determinar em fevereiro o sigilo dos BOs por 50 anos, mas voltou atrásapós críticas e lançou um portal da transparência com 64 mil boletins. O site, porém, não inclui todas as mortes e omite os relatos de como elas ocorreram.

Pouco tempo depois, o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para apurar como são feitos os registros e também se existe uma suposta maquiagem para realçar a queda de homicídios. A redução foi de 22% entre 2012 e 2015, quando aumentaram 51% os casos de “morte suspeita” segundo reportagem do jornal “Folha de S. Paulo” – são casos em que não se sabe como ocorreu a morte, o que impede o registro como homicídio.

Um caso notório de classificação errada envolveu dois policiais militares em 2015, presos acusados de matar a tiros um homem em Sapopemba após registrar o caso como atropelamento.

A gestão Haddad também realiza e divulga balanços envolvendo o número de mortes e costuma apresentá-los ressaltando a redução de mortes no trânsito da capital. Segundo a Prefeitura, isso é uma consequência da gestão do transporte e do trânsito na cidade. Algumas das medidas adotadas foram a redução da velocidade máxima para 50 km/h nas principais avenidas da cidade e o crescimento do número de radares em 98% na atual gestão.

Seguindo os números da Prefeitura, as 992 mortes no trânsito em 2015 representam uma redução de 20,6% em relação a 2014. Pelos dados do Estado, que conta 1.119 mortes, a redução seria de apenas 10,4%.

Pedidos negados
A Secretaria de Governo de Alckmin, a cargo de Saulo de Castro Abreu Filho, não forneceu os dados sobre as 1.119 mortes em pedido feito pelo G1 via assessoria de imprensa. O pedido via Lei de Acesso à Informação tampouco foi atendido, já que a secretaria encaminhou o pedido para a Secretaria da Segurança Pública (SSP), responsável pelos BOs. Esta, por sua vez, respondeu que a Secretaria de Governo é a gestora do Infosiga e deveria fornecer as informações. A Secretaria de Governo se limitou a repetir a resposta da SSP e não forneceu os dados e nem uma explicação concreta sobre a não divulgação dos dados solicitados.

A assessoria de imprensa da Secretaria de Governo não detalhou porque não abre os dados e diz que a diferença de números para a Prefeitura ocorre porque a metodologia é diferente. Segundo a secretaria, o Infosiga totaliza os óbitos descritos nos BOs e contabiliza a morte na data de falecimento da vítima, não do acidente. Além disso, registra mortes ocorridas ainda em rodovias estaduais e federais.

A Prefeitura diz, no entanto, também ir atrás de casos de mortes que ocorrem após os acidentes, colhendo informações no Instituto Médico Legal (IML). O restante do levantamento também é feito com base nos BOs disponíveis em outro sistema da Secretaria da Segurança Pública, o Infocrim.

O ex-delegado-geral da Polícia Civil, Marcos Carneiro Lima, afirma que nesse sistema também é possível mapear os BOs relativos a mortes nas estradas ocorridos no município de São Paulo, já que esse tipo de registro obedece circunscrição municipal.

A Prefeitura não fez comentários sobre a diferença de seu balanço em relação aos registros estaduais. Ao negar a divulgação das informações solicitadas pelo G1, a gestão Haddad alegou que informações como nome completo das vítimas e RGs são informações pessoas que não podem ser divulgadas. A gestão Haddad ressaltou ainda o fato de os dados serem produzidos por outro órgão, a SSP.

A chefe de gabinete da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), Luciana Berardi, citou o Decreto 53.623/2012, que regulamenta a Lei de Acesso à Informação na cidade e prevê que “o agente público que tiver acesso a documentos, dados ou informações sigilosos ou pessoais é responsável pela preservação de seu sigilo”. A administração também cita o artigo 4º da lei, que considera informação pessoal aquela “relativa à intimidade, vida privada, honra e imagem”.

O G1, porém, fez novo pedido à CET via Lei de Acesso à Informação solicitando os números iniciais e finais do CPF das vítimas e não mais os nomes. O pedido foi negado pelo secretário de Transportes e presidente da CET, Jilmar Tatto, que manteve os argumentos apresentados pela chefe de gabinete.

A Secretaria de Governo do estado tampouco forneceu as informações quando a solicitação foi pelos dígitos iniciais e finais dos CPFs das vítimas e não pelos nomes.

Transparência
Especialistas  chamam a atenção para a falta de transparência. Para Manoel Galdino, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, o fato de o governo de São Paulo não ter apresentado uma justificativa para não divulgar os dados é um “desrespeito flagrante” à Lei de Acesso à Informação, sancioada em 2012 pelo governo federal. “Se eles negam por alguma justificativa é uma coisa. Agora ser ignorado é um descumprimento claro”, diz.

“Acho que faz sentido preservar a intimidade das pessoas, está previsto na lei, mas isso não pode servir de desculpa para que o cidadão não possa auditar ou monitorar os dados primários”, disse.

Segundo Galdino, em relação aos balanços de mortes no trânsito, o governo do estado (que é quem coleta a informação primária nesse caso) poderia criar um número para cada vítima que funcionaria como uma espécie de identidade, e que permitiria a divulgação de outros dados sem identificar as pessoas envolvidas. A Prefeitura poderia então checar essas “identidades” em seu balanço e divulgar números de identificação de casos que não batem com o balanço estadual.

Para Fabiano Angélico, autor do livro “Lei de Acesso à Informação: Reforço ao Controle Democrático, a lei diz em seu artigo 7º que engloba dados produzidos ou “acumulados” pelo ente governamental. Dessa forma, opina que “não procede” a alegação da CET de que não é sua atribuição informar dados sobre as mortes já que os boletins de ocorrência são produzidos por outro órgão, a SSP.  Segundo ele, a obrigação é mútua quando se trata de dado compartilhado por motivos diversos, como a realização de uma mesma política pública ou a atuação em uma mesma área.

Angélico criticou a postura do governo estadual de não apresentar os dados ou uma justificação plausível no prazo de 20 dias da solicitação. “A lei está aí em vigor há quatro anos, é preciso ter responsabildiades. Há coisas que podem ser discutidas, como por exemplo se o dado solicitado é de interesse público, se fere a privacidade. Mas fazer jogo de empurra é muito ruim”, disse em relação a falta de respostas claras das secretarias de Governo e da Segurança Pública.

Galdino e Angélico são unânimes em relação à Lei de Acesso à Informação ser vaga em relação ao que é dado pessoal que fere a “honra” e a “intimidade” e que isso ainda poderá sofrer um maior detalhamento em futuras legislações.

O presidente da Comissão de Direito Administrativo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Adib Kassouf Sad, afirma só há exceções à Lei de Acesso à Informação em casos específicos. Ele afirma não haver motivo para não divulgar dados de mortes no trânsito. “Não há nenhuma razão de estado para isso seja feito. A não ser que você tenha uma investigação sigilosa, que a polícia esteja atrás de um determinado criminoso, uma determinada quadrilha. Mas é uma situação atípica”, afirma.

O ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Marcos Carneiro Lima, também defendeu a divulgação de todos os dados para o aumento da transparência e para que a população possa saber, por exemplo, onde os crimes ocorrem. Ele afirma que o resguardo de informações pessoais poderia ser feito dando as iniciais dos nomes envolvidos no boletim de ocorrência, mas não omitindo o histórico do caso, o que ocorre no site da Transparência da Secretaria da Segurança Pública.

Ele explica que mortes ocorridas no trânsito podem ter diversos tipos de classificação e frequentemente dependem da interpretação. Se não for comprovado que o motorista estava alcoolizado ou em velocidade acima da permitida, por exemplo, o caso pode ser classificado como homicídio culposo, já saindo da lista dos homicídios dolosos.

Carneiro dá exemplos de outros casos ainda que podem ser classificados como “morte suspeita” envolvendo acidentes de trânsito. Isso pode ocorrer quando há dúvida sobre uma morte quando uma pessoa se joga na frente de um carro e não há testemunhas. Em casos em que a morte ocorre dias depois de uma batida ou atropelamento, pode-se ainda registrar o caso como lesão seguida de morte, explica.

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