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Visita de Nancy Pelosi a Taiwan pode levar a uma guerra?

A Casa Branca tem tentando convencer a China de que a visita de Nancy Pelosi a Taiwan não deve se tornar uma crise global

Chegada de Pelosi a Taiwan: presidente da Câmara dos EUA desembarcou nesta terça-feira (Taiwanese Foreign Ministry / Handout/Anadolu Agency/Getty Images)

A presidente da Câmara dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, aterrissou nesta terça-feira, 2, em Taiwan e abriu as feridas da relação conturbada entre chineses e americanos sobre o status da ilha.

Taiwan, um território separado da China continental desde 1949 e que hoje tem um governo autônomo, é um tema sensível em Pequim. A visita de Pelosi, que foi desencorajada por auxiliares de Defesa do próprio governo Joe Biden, fez da parlamentar a oficial de maior escalão dos EUA a visitar Taiwan em 25 anos, desde o ex-presidente da Câmara Newt Gingrich.

A Casa Branca tem tentando convencer a China de que a visita de Pelosi não deve se tornar uma crise global e que a presidente da Câmara tomou a própria decisão de visitar Taiwan. A China, por sua vez, afirma que a viagem é uma ameaça a sua soberania.

A chegada de Pelosi a Taiwan acontece ainda enquanto os governos tanto de Biden nos EUA quanto de Xi Jinping na China vivem fortes pressões internas – Biden enfrenta neste ano eleições legislativas, enquanto Xi terá o Congresso do Partido Comunista. Nenhum dos dois lados pode recuar sem uma estratégia, sob custo de serem questionados por sua audiência dentro de casa.

“Quando Gingrich era presidente da Câmara, ele foi e visitou Taiwan. Isso, claro, aconteceu há décadas. E era muito diferente”, disse em análise publicada nesta semana Ian Bremmer, da Eurasia. “O equilíbrio de poder entre EUA e China era então muito diferente, mas também o timing não era tão significativo em potencialmente envergonhar a liderança chinesa, fazendo parecer que ele estava perdendo a moral e teria que responder.”

Por que Taiwan pode ser um tema global

Os temores de que a China e Taiwan possam entrar em um choque militar nunca deixaram de existir nos últimos 70 anos.

Mas, atualmente, a situação é somada ainda à possibilidade de o conflito escalar para questões geopolíticas muito mais amplas, envolvendo a China, os EUA e outras potências ocidentais – aos moldes do que têm ocorrido na guerra na Ucrânia.

Taiwan tem um governo autônomo desde 1949, ano em que o Partido Comunista Chinês de Mao Tse-Tung venceu uma guerra civil que perdurava desde 1927 e chegou ao poder na China continental.

O então líder da China derrubado pela revolução, Chiang Kai-Shek, fugiu com aliados políticos e se refugiou em Taiwan, fundando um governo paralelo.

O caso virou uma disputa entre as “duas Chinas” desde então em organismos internacionais, mas a maioria dos países e as Nações Unidas (ONU) terminaram reconhecendo a China comunista como representante chinesa a partir dos anos 1970.

Atualmente, os EUA também não reconhecem mais a independência de Taiwan e embasam sua diplomacia no conceito de “China única”. Apesar disso, os americanos dizem defender o “status quo”, isto é, que Taiwan continue com governo autônomo frente à China, mesmo que não como um país.

No auge da Guerra Fria, Taiwan e os EUA chegaram a assinar em 1954 um acordo de defesa mútua, mas o tratado seria encerrado em 1979, quando os EUA passaram a reconhecer o governo comunista na China continental.

A partir daí, os americanos oferecem somente apoio técnico a Taiwan, mas não têm compromisso de defesa. Os EUA evitam mencionar atualmente que defenderão Taiwan no caso de um ataque chinês. Na outra ponta, o governo americano foi fonte de muitas mensagens ambíguas sobre o tema nos últimos anos, incluindo em declarações de Biden.

Por enquanto, uma série de exercícios militares dos dois lados foram feitos na região nos últimos anos, mas um embate direto nunca esteve perto de ocorrer de fato. Analistas, no entanto, são unânimes ao afirmar que um confronto armado na China seria má notícia para a estabilidade no mundo inteiro.

Panos quentes sobre a crise

A viagem de Pelosi foi colocada em dúvida até o último minuto, e Taiwan não estava no itinerário oficial do tour da parlamentar pela Ásia, iniciado no fim de semana.

Com a visita de Pelosi, a principal crítica chinesa vem do fato de que uma visita do alto escalão americano pode sinalizar apoio dos EUA à independência de Taiwan, em vez da política de “China única”.

Enquanto isso, nos últimos dias, a Casa Branca empregou esforços para afirmar que a viagem, “se ocorresse”, não significava um sinal de Washington contra Pequim ou uma mudança de postura.

“Eu acho que nós estabelecemos muito claramente que, se ela for – ‘se’ ela for -, não é algo sem precedente. Não é novo. Não muda nada”, disse o porta-voz de Segurança Nacional americano, John Kirby, a repórteres. “Nós não intensificamos a retórica. Nós não mudamos nosso comportamento”, disse.

A última vez que um oficial estadunidense de escalão equivalente ao de Pelosi havia visitado Taiwan foi nos anos 1990, quando as relações entre China e EUA eram muito mais amenas. Foi nessas circunstâncias que em 1997 foi a Taiwan o então presidente da Câmara, o republicano Newt Gingrich.

Agora, em um cenário em que a China se tornou uma potência mundial e está em guerra comercial aberta com os EUA, o governo chinês tem dito que a visita de Pelosi a Taiwan pode ter “consequências” e afirmou aos EUA que não “brinque com fogo”.

Guerra na Ucrânia é problema adicional

Como pano de fundo da agenda sobre Taiwan está o cenário já conturbado globalmente. Embora a situação entre Taiwan e China não seja ligada à guerra entre Rússia e Ucrânia, muitos analistas têm conectado as duas questões.

A guerra na Ucrânia termina tendo participação indireta (e muitas vezes, bastante direta) de chineses e americanos, com Pequim sendo linha auxiliar dos russos e a coalizão ocidental, liderada pelos EUA e europeus, enviando armas à Ucrânia.

A guerra já em curso com a Rússia tem sido um dos pontos levantados por parte da opinião pública americana que discordou da visita de Pelosi.

“Se vocês acham que nossos aliados europeus, que estão enfrentando uma guerra existencial com a Rússia a respeito da Ucrânia, se juntarão a nós se houver um conflito com a China acerca de Taiwan, provocado por essa visita desnecessária, vocês estão interpretando muito mal o mundo”, escreveu em artigo de opinião no jornal americano The New York Times o colunista Thomas L. Friedman.

Friedman argumentou, antes da viagem, que uma ida de Pelosi a Taiwan neste momento seria “descuidada” e que este não seria o momento ideal para os EUA “cutucarem” a China.

Eleições à vista nos EUA

O secretário de Estado americano, Antony Blinken, dizia até o fim de segunda-feira, 1º de agosto, que “não sabemos o que a presidente Pelosi planeja fazer”. O presidente Joe Biden lavou as mãos e disse que o Exército americano também se opôs à viagem de Pelosi.

Biden é criticado por não ter diretamente convencido Pelosi a não ir a Taiwan e por gafes recentes, como ao dar a entender que os EUA defenderiam Taiwan no caso de um ataque chinês.

Por outro lado, a situação interna dos democratas pode explicar parte do comportamento ambíguo do alto escalão do partido.

Os democratas enfrentam em novembro eleições de meio de mandato, e pesquisas até agora apontam que o partido do governo pode perder para os republicanos a pequena maioria que possuem hoje na Câmara e no Senado. A popularidade de Biden está em baixa em meio à inflação superando 9% no país.

Pelosi, por sua vez, já tinha historicamente posições duras contra a China, o que está na raiz de seu desejo de viajar a Taiwan. Mas, sobretudo, nos bastidores da política interna americana, também discute-se que a viagem pode ter sido lida como uma forma de sinalizar para eleitores mais conservadores e anti-China que a bancada democrata no Congresso, liderada por Pelosi, será dura em suas posições e “independente” de Biden quando necessário.

Opositores republicanos frequentemente criticam o governo Biden por uma postura que seria vista como fraca em relação à China – a oposição aos chineses, vale lembrar, foi uma das principais plataformas de campanha do ex-presidente Donald Trump.

Nesta terça-feira, um grupo de mais de 20 senadores republicanos, incluindo o líder da minoria na Casa, Mitch McConnell, assinaram uma carta em apoio a Pelosi, afirmando que a viagem é “consistente com a política de ‘Uma China’ dos EUA’.

O 2022 conturbado de Xi Jinping

Já o presidente chinês, Xi Jinping, tem colocado Taiwan como prioridade na pauta desde que assumiu em 2012 – ampliando exercícios militares na região e retórica ofensiva contra a ilha.

Oficialmente, Pequim não reconhece Taiwan como um governo autônomo e um “cessar fogo” entre as duas partes nunca foi assinado desde o fim da guerra civil.

Assim, Xi tenta mostrar que não tolerará influência americana em territórios estratégicos para o país.

Além disso, a visita de Pelosi acontece em um momento conturbado. A China teve redução em seu crescimento nos últimos trimestres em meio aos lockdowns para manter a política de “covid zero”.

Tudo isso ocorre meses antes do Congresso do Partido Comunista, que acontece a cada cinco anos e deve oficializar a permanência de Xi no cargo de chefe do partido e presidente da China.

Embora Xi não tenha oposição forte dentro do partido e seja dado como certo que será reconduzido à liderança do PC chinês, o ano complexo de 2022 para Pequim faz com que o mandatário chegue ao Congresso pressionado em uma série de temas.

Próximas movimentações são aguardadas

Uma certeza é que, para Biden e Xi, parecerem “fracos” diante do rival neste momento é uma imagem pouco bem-vinda. Uma preocupação é que a ida de Pelosi possa abrir caminho para que haja um pretexto para um conflito na região.

A China tem alavancado seus investimentos militares nos últimos anos, à medida em que se tornou também potência econômica (sua economia é a segunda maior do mundo e deve ultrapassar a dos EUA na próxima década).

Ao todo, o Exército chinês é composto por mais de 2 milhões de integrantes, ante cerca de 1,4 milhão nos EUA. Estima-se que a China tenha mais de 300 ogivas nucleares, perto de mais de 5 mil dos EUA e mais de 6 mil da Rússia.

Não é esperado que o caso saia da retórica por enquanto: um embate direto entre China e Taiwan, que poderia levar a um embate entre China e EUA, causaria transtornos por ora inimagináveis.

Mas o mundo assiste as movimentações com cautela. A visita de Pelosi dada como quase certa já na segunda-feira fez as bolsas asiáticas despencarem mais de 2% nesta madrugada, mesmo antes de sua chegada.

Além disso, houve preocupação momentos antes do desembarque da parlamentar, em meio a tropas chinesas posicionadas próximas a Taiwan. Por fim, o desembarque da aeronave sem maiores transtornos foi visto como sinal positivo e as bolsas nos EUA, na Europa e no Brasil operavam em alta logo após a chegada de Pelosi.

Analistas ainda não classificam a disputa entre China e EUA como uma “nova Guerra Fria”, mas o cenário global faz com que Taiwan seja, na prática, mais um dos elementos de discórdia entre as duas potências. O caso envolvendo Taiwan é antigo, mas ganhou novos contornos nas últimas horas.

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