De acordo com Tesouro, dívida pública alta atrapalha a oferta de títulos com vencimentos mais longos no mercado
Na guerra política que se transformou a disputa sobre o socorro do governo federal a Estados e municípios, o Tesouro Nacional endureceu o tom e alertou na quarta-feira, 15, para o risco de financiamento de títulos no mercado para bancar a dívida pública.
Em mensagem pouco habitual, o Tesouro abriu o jogo e reconheceu que está encontrando dificuldade para vender seus títulos no mercado. A equipe comandada pelo secretário Mansueto Almeida advertiu que nenhum governo tem capacidade de se endividar infinitamente e controlar a inflação simultaneamente.
É a primeira vez que, após o agravamento da pandemia do novo coronavírus, o Tesouro fala mais claramente sobre o problema que já vinha sendo discutido internamente na área técnica do órgão e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e seus principais assessores.
A nota técnica divulgada não fala, mas entre os técnicos do órgão há preocupação também com os riscos de o Banco Central poder passar a comprar títulos do Tesouro no mercado com a aprovação da PEC do “orçamento de guerra”, cujo texto passou pelo primeiro teste na quarta-feira no Senado.
Técnicos experientes veem risco de o BC “competir” com o Tesouro na venda dos títulos públicos. Um problema a mais num cenário já muito adverso.
“Em casos extremos, a demanda por títulos públicos pode tender a zero”, diz a nota do time de Mansueto. O alerta foi feito em meio ao embate entre o governo Jair Bolsonaro e o Congresso em torno do projeto de socorro emergencial a Estados e municípios.
A nota diz que é consenso entre os economistas que há um limite para o endividamento público não inflacionário de um País, mesmo que o seu valor exato seja de difícil projeção.
“Ainda que, em tese, um governo possa ofertar quantos títulos quiser, ele só poderá emitir se tiver alguém que os compre”, diz a nota.
O Tesouro lembra que a dívida pública brasileira é muito alta – pode fechar em 90,8% do PIB, segundo projeções oficiais – e que tem enfrentado dificuldades de colocar títulos com vencimentos mais longos no mercado – mesmo antes de o Brasil ter sido atingido pela pandemia, ainda em janeiro passado. Nesse cenário, o Tesouro foi obrigado a cancelar diversos leilões.
Risco
Procurado após a divulgação da nota técnica, Mansueto disse ao jornal O Estado de S. Paulo que é preciso mostrar que a trajetória de alta do endividamento será revertida e que os gastos para a crise não serão permanentes. “O recado é: se exagerar, tem risco. Não é bom sairmos de uma crise com uma dívida tão alta”, afirmou. Segundo ele, a última vez que o Tesouro teve problemas de financiamento foi em 2002, quando o governo teve problemas para vender os seus títulos.
Mansueto ressaltou que o endividamento brasileiro já é elevado em relação aos emergentes e que pelo critério do Fundo Monetário Internacional (FMI) – mais amplo do que o utilizado pelo Brasil – já vai a 100% do PIB. “Ainda bem que estamos num cenário de juros muito baixos”, disse.
Segundo ele, o Tesouro está usando parte do seu colchão de liquidez na crise para ficar alguns meses sem vender os títulos, mas ponderou que depois terá que fazer leilões mais agressivos para compensar.
A estratégia de Guedes é tentar reverter com números e dados a aprovação do projeto de auxílio a governadores e prefeitos da forma como passou na Câmara.
Para isso, o Ministério da Economia foi para o contra-ataque com dados e uma proposta alternativa ao projeto que recebeu o aval dos deputados, cujo impacto é de R$ 93 bilhões, caso a União seja obrigada a recompor uma perda de 30% na arrecadação do ICMS (estadual) e ISS (municipal).
FMI
A recessão mundial, e os esforços fiscais adotados pelos países para conter a pandemia desencadeada pelo coronavírus e seus impactos na economia farão com que a dívida bruta cresça ao redor do mundo, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).
No Brasil, a previsão é de que saia do patamar de 89,5% do PIB estimado em 2019 para 98,2% do PIB neste ano, segundo o último Monitor Fiscal do Fundo, divulgado na quarta-feira, 15.
Em outubro, a previsão do Fundo era de que a dívida bruta do País chegasse a 93,9% do PIB em 2020, e só passasse a cair a partir de 2023.
O FMI estima que o Brasil gastou até agora 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB) com as respostas à pandemia de coronavírus, com “expansão de programa de transferência de renda e alívio temporário de impostos”. O valor é mais baixo que o estímulo do G-20 como grupo, do qual o País faz parte e inclui economias avançadas e emergentes.
Os países do G-7, em comparação, formado pelas potências mais industrializadas, como Estados Unidos e Alemanha, anunciaram pacotes fiscais de resposta aos efeitos do vírus que correspondem a 5,9% de suas economias. O países do G-20 gastaram 3,5% do PIB.
“O governo brasileiro corretamente declarou calamidade pública. No caso do Brasil, houve expansão de programas de transferência de renda e alívio tributário. O agregado é de cerca de 3% do PIB”, afirmou o diretor do Departamento Fiscal do FMI, Victor Gaspar.