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‘Teremos inflação alta por um par de anos a mais’, diz Torós

Ex-diretor de Política Monetária do Banco Central acredita que alta dos preços pode continuar surpreendendo

Torós avalia que o cenário que existia desde 2016 mudou, com a política fiscal andando junto com a política de juros (Getty Images/Brenda Rocha Blossom)

Ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, Mário Torós diz que a inflação alta pode continuar surpreendendo e que o processo de desinflação será mais difícil e longo do que se imaginava. “Podemos falar em pelo menos um par de anos a mais”, prevê.

Ele avalia que mudou o cenário que existia desde 2016, com a política fiscal andando junto com a política de juros. Enquanto a primeira pisa no acelerador, a outra tem de pisar no freio. Sócio da Ibiuna Investimentos, com R$ 27 bilhões de recursos sob sua gestão, Torós diz que a mensagem dos investidores, hoje, é de grande incerteza e de vontade de ter o dinheiro mais protegido.

A economia vive um momento de inflação alta e persistente. O que esperar daqui para frente?

Não dá para pensar no Brasil sem ver o que está acontecendo no resto do mundo. O mundo está assim: crescendo muito e com inflação. Os bancos centrais, tanto do Brasil quanto dos mercados lá fora, falavam que era meio transitório. Mas estamos vendo que a inflação tem um caráter mais persistente no mundo todo e vai ficar por mais tempo. O processo de desinflação, que todo mundo achava que ia ser muito rápido, será mais lento.

No seu horizonte, mais tempo para o processo de desinflação é quanto?

Numa hipótese relativamente boa, podemos falar em pelo menos um par de anos a mais. O ano de 2022 e 2023. Os próprios BCs já estão convencidos de que é um processo longo. A inflação cheia dos Estados Unidos saiu a 8,5%. A despeito disso, as reações dos BCs de modo geral têm sido muito mais paulatinas.

Como fica o Brasil nesse cenário internacional?

O BC iniciou esse ciclo (de alta dos juros) mais rápido, botando a política monetária num nível bastante restritivo. Com o nível de juros que temos, os efeitos da política vão fazer com que o crescimento desacelere no segundo semestre, além das incertezas eleitorais. O que difere mais o Brasil dos outros não é nem a questão da inflação, mas o crescimento, que de fato é muito mais baixo tanto em relação aos países emergentes quanto aos desenvolvidos. Essa é uma questão que tem de ser discutida mais profundamente.

Quais as razões para o baixo crescimento brasileiro?

Não há um único fator, mas uma combinação. Temos uma produtividade bastante baixa. O Brasil tem problemas estruturais que impedem o País de crescer de forma sustentável. Os primeiros passos são persistir nas reformas. Não é uma panaceia. Cada reforma é um tijolo numa construção.

Não se está depositando muita fé nas reformas para o Brasil crescer mais?

Repito que não há atalho para o crescimento sustentado. Não é que haja muita fé nas reformas. Elas são condições necessárias, mas não necessariamente suficientes para garantir o crescimento. Tem de persistir nesse negócio.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, se disse surpreso com a inflação. Há poucas semanas, ele dizia que o pico da inflação seria em abril e depois cairia.

Ele fala do pico da inflação ‘logo na frente’ desde o início de 2021 e, de fato, não tem sido isso. Não é só com o Brasil. Os BCs têm sido surpreendidos pelo processo inflacionário. O Brasil tem um processo inflacionário forte e tem um processo de desinflação a fazer longo e difícil. Grosso modo, pode-se dizer que a inflação no Brasil está 10%, 11%, e tem talvez um processo por fazer para cair a 6%, 7%. Depois, o mais difícil é trazê-la para 3%, que é o patamar que os países emergentes em geral almejam.

O BC e o mercado podem se surpreender de novo nos próximos meses com a inflação?

Minha visão é que existe uma incerteza com a política fiscal, independentemente de qual será o candidato (à Presidência) que vai ganhar. O mercado está dizendo para a gente (nos preços) que a política econômica que está vendo daqui para frente é de volta um pouco da política do passado, em que a política fiscal pisa no acelerador e a monetária tem de pisar no freio. Desde 2016, as políticas monetária e fiscal passaram a andar juntas. Isso permitiu que a taxa de juros real de longo prazo começasse a cair com a perspectiva de que o País estava começando a endereçar a questão fiscal de forma mais estrutural, e não conjuntural.

Esse cenário mudou?

Hoje, mudou. Se olharmos a taxa de juros real de longo prazo do Brasil, ela voltou para um patamar acima de 5%, e rondando em 6% há algum tempo. É muito alta e difícil de sustentar tendo uma dívida em relação ao PIB na ordem de 80%.

Qual a mensagem que os investidores estão passando nesse momento?

É uma mensagem de grande incerteza, de vontade de ter o dinheiro mais protegido. O que vemos, quando olhamos a indústria dos fundos, é que temos um fluxo de investidores domésticos muito grande de novo voltando para a renda fixa.

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