Tecnologia garante o anonimato das informações e pode ser usada para controlar o avanço da doença sem colocar em risco a privacidade
Monitorar os infectados pelo novo coronavírus é uma das maneiras de controlar a disseminação da doença. A China, por exemplo, fez uso de todo tipo de tecnologia, incluindo reconhecimento facial, para controlar o fluxo de pessoas. A estratégia funcionou, mas, replicá-la em outros países, especialmente no Ocidente, esbarra em um dos pilares das democracias liberais: o direito à privacidade.
No Brasil, o tema entrou na pauta política após o governo de São Paulo, comandado por João Dória, anunciar que usaria dados das operadoras de celular para acompanhar a movimentação dos cidadãos. O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, vetou a iniciativa, alegando riscos à privacidade.
Disputas políticas à parte, uma startup de São Paulo desenvolveu uma solução que pode representar um meio termo entre a falta de controle sobre a disseminação da doença e a perda da privacidade. A ideia dos desenvolvedores é utilizar a tecnologia de blockchain para proteger a identidade dos cidadãos, mantendo a confiabilidade dos dados.
Segundo André Salem Alégo, idealizador da plataforma, o blockchain permite que qualquer pessoa compartilhe seus dados de localização e de saúde sem que a outra ponta, seja o governo ou outros cidadãos, tenha acesso à sua identidade ou ao seu número de telefone. “O anonimato é garantido”, afirma. “O que buscamos é criar uma base de dados imutável, que possa ser cruzada com outras informações e, dessa forma, gerar informações úteis para a gestão da crise”.
Salem é fundador da Blockforce, uma startup de impacto social que tem experiência no uso do blockchain para ferramentas de monitoramento. A empresa já desenvolveu, por exemplo, um sistema de rastreamento para a indústria de alimentos. “Esse tem sido nosso foco”, afirma o empreendedor.
Na plataforma desenvolvida por Salem, batizada de Desviralize, o usuário deve informar seu número de celular e, em seguida, responder a um questionário sobre sua condição de saúde — se apresenta sintoma, se foi testado para o vírus, se teve contato com pessoas infectadas etc. Ao inserir as informações, o sistema cria um registro único, que contém apenas os dados de saúde e a localização. O blockchain garante a integridade das informações, ao mesmo tempo em que protege a identidade do cidadão.
A opção dos desenvolvedores foi por fazer um sistema web, acessado pelo navegador, e não um aplicativo. Salem explica que, com essa abordagem, a plataforma pode ser acessada de qualquer celular ou computador, mesmo em equipamentos com menor poder de processamento. Além disso, o compartilhamento da localização acontece apenas quando a pessoa acessa o sistema. “Num aplicativo, os dados são compartilhados o tempo todo, mesmo quando se esta fora da aplicação”, afirma.
O Desviralize conta com apoio do programa de startups do Google, do Instituto de Tecnologia Social e das startups Twilio e Moeda Seeds. “A plataforma apresenta uma abordagem muito interessante em aspectos importantes, tanto de privacidade quanto de transparência.”, afirma Eduardo Diniz, professor da FGV EAESP, chefe do departamento de Tecnologia e Ciência dos Dados da instituição.
Salem, que gastou duas semanas para desenvolver o sistema, agora busca novas parcerias para agregar mais dados à plataforma. “O objetivo é oferecer uma ferramenta que empodere a tomada de decisão local sobre a crise”, afirma. A plataforma já está funcionando e pode ser acessada no endereço desviralize.org. Atualmente, ela conta com mais de 3 mil pessoas cadastradas.