Bolsonaro adia, mais uma vez, apresentação da proposta por ainda não haver uma fonte de financiamento para o novo programa social. Orçamento de 2021 não tem espaço para novos desembolsos sem que o teto de gastos seja descumprido
Ainda sem encontrar um acordo para o Renda Cidadã, o presidente Jair Bolsonaro adiou, mais uma vez, a apresentação da proposta e cogita discutir sobre a melhor fonte de financiamento para o novo programa social apenas depois das eleições municipais de novembro. O Orçamento de 2021 não tem espaço para novos desembolsos sem que o teto de gastos –– emenda constitucional que limita as despesas à inflação do ano anterior –– seja descumprido. Logo, o presidente vai ter que tomar medidas impopulares e escolher quais programas ou despesas cortar, alertam especialistas.
Bolsonaro, no entanto, tem evitado anunciar medidas polêmicas que desgastam a sua imagem e causem intrigas entre os subordinados antes das eleições. Não à toa, o relatório com os detalhes do financiamento programa que vai substituir o Bolsa Família, prometido para hoje pelo senador Marcio Bittar (MDB-AC), ficou para a semana que vem.
O parlamentar é relator do Orçamento de 2021 e da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo e da PEC Emergencial — que regulamenta os gatilhos que precisam ser acionados no caso de descumprimento do teto de gastos —, na qual será incluído o Renda Cidadã. Ele disse que vai precisar de, pelo menos, mais uma semana para fechar o texto das duas PECs. “É melhor gastar mais uns dias e apresentar algo que esteja consensual”, disse Bittar, ontem, após reunião com Bolsonaro no Palácio do Planalto.
O senador evitou especular sobre nova forma de financiamento, após a polêmica sugestão da semana passada, que previa o calote em precatórios –– dívidas judiciais do governo. A medida foi descartada em seguida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, devido à péssima repercussão nos mercados. Além do adiamento em precatórios, Bittar tinha sugerido também usar uma porcentagem do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para financiar o Renda Cidadã, o que provocou críticas de vários parlamentares. Ele afirmou que está sendo construído um consenso em torno da nova proposta.
Balões de ensaio
Analistas, no entanto, não veem saída para o governo financiar o novo programa sem que o teto de gastos seja descumprido. O aumento de impostos para cobrir as despesas que devem continuar crescendo no ano que vem –– pois a crise provocada pela covid-19 não dá sinais de trégua –– também não é descartado.
“Não tem como o governo criar o novo programa sem estourar o teto de gastos. Eles estão tentando mágicas e anunciam balões de ensaio para ver se há alguma aceitação das propostas. Mas, tudo o que era fácil no Orçamento já foi cortado no passado e, agora, para respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal, o governo precisará cortar despesa ou criar nova fonte de receita, ou seja, aumentar impostos. Os problemas estão aí e as decisões serão impopulares”, destacou o especialista em contas públicas Bruno Lavieri, da 4E Consultoria.
Conforme simulações feitas por economistas do BTG Pactual, dependendo do valor do benefício e do número de famílias beneficiadas, o custo desse programa poderá variar entre R$ 48,7 bilhões e R$ 78 bilhões, no caso de 15 milhões de famílias, a até entre R$ 81,2 bilhões e R$ 130 bilhões, no caso de 25 milhões de famílias. Por esses cálculos, o governo gasta R$ 265,4 bilhões com programas sociais anualmente. Propostas antes descartadas por Bolsonaro, como a desindexação de aposentadorias e do salário mínimo, começam a ser cogitadas por Bittar devido à falta de opções.
Matheus Rosa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), lembrou que as propostas de financiamento do programa foram descartadas pelo presidente porque tocam desagradam a opinião pública. “Existe uma dificuldade clara de encontrar espaço fiscal e parece que a proposta do Renda Cidadã não está madura ainda”, destacou.
Na avaliação do secretário-geral da Organização Contas Abertas, Gil Castello Branco, o governo não pode virar as costas para o teto de gastos, pois pode inflamar o mercado. “Os agentes econômicos mostram uma certa dúvida em relação a qual caminho o governo vai tomar, se o da responsabilidade fiscal ou de medidas populistas com pensamentos eleitorais”, alertou.
Jantar pavimenta avanços na Câmara
O jantar que marcou a reconciliação entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro da Economia, Paulo Guedes, na segunda-feira, rendeu mais do que pedidos de desculpas e elogios. A maior expectativa em relação ao encontro é que, agora, seja possível avançar em temas pendentes no Congresso, sem que o foco seja desviado para desentendimentos e falta de articulação. Não por acaso, o mercado reagiu positivamente e o Parlamento, em geral, acredita em um clima de mais tranquilidade entre os dois Poderes.
Se mantida, a boa relação entre Guedes e Maia será importante, principalmente para o governo, caso o objetivo seja destravar a pauta econômica. A conversa na casa do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas, onde os dois fizeram as pazes, girou em torno de temas como reformas administrativa e tributária e o programa Renda Cidadã, que substituirá o Bolsa Família, além de um reforço geral no compromisso com o teto de gastos.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), que atuou para que o encontro acontecesse, apresentou propostas. Para ele, o governo deve acabar com todas as isenções fiscais por seis meses, período que seria usado para avaliar cada uma delas. Depois, só seriam inseridas de volta à lei as que valerem a pena. A medida não resolveria o problema do teto de gastos, mas solucionaria o problema da falta de fonte de financiamento para novas despesas, como o Renda Cidadã.
A expectativa do primeiro vice-líder do Republicanos, Silvio Costa Filho (PE), é que o encontro, de fato, resulte em uma relação mais pacífica entre o Legislativo e o Executivo. “O importante é que a gente possa se despir de todas as vaidades e das posições, muitas vezes, de tensionamento, para ajudar a decantar e a baixar os ânimos a fim de construir soluções de forma coletiva”, acredita.
“Retomar o diálogo é um bom sinal, pode facilitar o andamento de propostas, mas isso precisa ser mantido nos próximos meses”, disse um deputado do centrão, próximo a Maia, que preferiu não ser identificado.