Anistia tributária gera expectativas da próxima, incentivando a inadimplência. As muitas reedições do Refis se tornaram uma grande irracionalidade fiscal
Dentre as lições dos meus nove anos no Ministério da Fazenda, em cargos que variaram de assessor a ministro, aprendi que sempre se deve resistir à anistia geral de créditos tributários. Se for concedida primeira, a segunda se tornará irresistível. Em outros países, não existem anistias gerais, mas parcelamento caso a caso, em prazos relativamente curtos, de 12 a 24 meses.
No ano 2000, diante dos efeitos da forte depreciação cambial de 1999 nas finanças das empresas, incluindo o acúmulo de créditos tributários, o governo FHC cedeu aos apelos do empresariado e da classe política. Em abril daquele ano, foi aprovado o primeiro Refis. Não deu outra. Surgiu o incentivo para buscar o seguinte. O programa foi reinstituído várias vezes ao longo dos anos e se tornou corriqueiro nos governos do PT.
Entre 2000 e 2015, foram aprovados 30 Refis. Nas administrações petistas, suas seguidas reedições visavam mais ao aumento da arrecadação do que propriamente à regularização de pendências tributárias dos contribuintes, mediante descontos de juros, multas e outros encargos legais.
Como os parcelamentos resultavam em elevação momentânea da arrecadação, eles se tornaram comuns nos governos do PT. Era uma forma de financiar a crescente expansão das despesas e de cumprir metas fiscais. Na verdade, em vez de regularizar a situação fiscal dos devedores, os Refis desmoralizaram a gestão tributária.
O governo Temer imaginava resistir, mas terminou criando o seu Refis, o 31º. Visava-se essencialmente à recuperação fiscal do contribuinte, mas no final, aconteceu mais uma ampla anistia. O Congresso ampliou benefícios, incluindo um incrível perdão de compromissos com a Procuradoria da Fazenda Nacional, o que abrangeria multas decorrentes de casos de corrupção.
Anistias tributárias criam incentivos para a inadimplência. Os contribuintes deixam de cumprir suas obrigações na expectativa de um novo programa. No caso brasileiro, as expectativas viraram certeza. Como sempre haveria o próximo, compensava atrasar os pagamentos de tributos. Era uma forma relativamente barata de financiar as empresas, a custos mais baixos do que os cobrados pelas instituições financeiras.
De fato, recorrer ao Refis não era sinal de dificuldades financeiras, mas de “boa gestão”. Todos podiam buscar as vantagens. Houve programas destinados a setores específicos, um deles beneficiando clubes de futebol. Até bancos se valeram da anistia. Algo como 20% dos devedores são excluídos por inadimplência logo nos primeiros meses. Muitos aderem para obter certidões negativas de débito e depois abandonam o regime. Há os que migram de um programa para outro.
O ministro da Fazenda declarou que não haverá uma nova reedição do Refisneste governo. É preciso manter essa promessa. À próxima administração do país caberá a reafirmação desse compromisso, de modo a encerrar um dos piores episódios de irracionalidade fiscal do país.