Líderes relatam incômodo com a situação e cobram a instalação dos colegiados, onde pauta não tem interferência dos presidentes
Com a paralisação do funcionamento das comissões temáticas do Congresso, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), concentraram um poder inédito desde que assumiram o comando das duas Casas.
Há quatro meses, cabe exclusivamente a eles decidir tudo o que vai ou não ser votado. Líderes relatam incômodo com a situação e cobram a instalação dos colegiados, onde os debates são mais aprofundados e a pauta não tem interferência de Maia e Alcolumbre.
Ao todo, existem 19,5 mil projetos parados nas 25 comissões permanentes da Câmara. Destes, 1.092 estão prontos para serem votados, ou seja, já foram debatidos e os relatores já deram seus pareceres.
No Senado, são outras 2.814 propostas – 628 aguardando a fase de votação. Até pela composição – os colegiados têm, no máximo, 66 parlamentares – os debates são mais detalhados e, muitas vezes, envolvem audiências públicas com pessoas de fora do parlamento chamadas a opinar sobre os mais diversos temas. A votação diretamente no plenário das duas Casas Legislativas pula essa etapa do debate.
Dos 87 requerimentos de convocação de autoridades do governo, apenas um foi aprovado pelo Senado neste ano – o do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub. Na Câmara, são 66 pedidos para ouvir autoridades na gaveta.
No Senado, os presidentes das comissões têm mandato de dois anos. Na Câmara é de apenas um ano e, pela primeira vez, a Casa está há cinco meses sem sequer escolher quem vai comandar os colegiados. A eleição deveria ter ocorrido em fevereiro, antes mesmo da suspensão das sessões presenciais.
Limitação
O sistema virtual criado para votações à distância durante a pandemia tem sido usado apenas no plenário, tanto na Câmara quanto no Senado, e virou referência para outros parlamentos no mundo. Os comandos das duas Casas dizem, porém, que não há condições técnicas para expandir seu funcionamento também para as comissões – sem dar detalhes sobre o motivo de o sistema funcionar bem para o plenário, que reúne os 513 deputados e 81 senadores, e não funcionaria para os colegiados, onde os grupos são menores.
O poder maior nas mãos de Maia e Alcolumbre também os favorece na sucessão no comando do Congresso. Enquanto o presidente da Câmara tenta fazer seu sucessor, seu colega no Senado ainda busca uma manobra que lhe permita disputar a reeleição. Para isso, precisará de apoio dos colegas para aprovar uma mudança na lei. Um controle maior da pauta é um instrumento importante de barganha na busca de votos.
Para o deputado Paulo Ganime (RJ), líder do Novo, a ausência dos colegiados gera uma concentração de poder excessivo nas mãos dos presidentes das Casas.
“Não há espaço para as pautas que são terminativas em comissões (alguns projetos não precisam ser votados no plenário pelos 513 deputados e 81 senadores; basta deliberação nas comissões). A pauta do plenário sempre dependeu do presidente da Casa”, afirmou. “Precisamos avançar em alguns temas importantes, que estão em comissões especiais, como segunda instância, reforma tributária, código brasileiro de energia elétrica, código de processo penal.”
“Além dos projetos já aptos para serem pautados, muitos relatores já estão com seus pareceres prontos e, como as comissões não estão funcionando, eles não podem protocolar no sistema”, afirmou o deputado Felipe Francischini (PSL-PR), que até o ano passado presidiu a Comissão de Constituição e Justiça.
O apagão das comissões gera no Senado uma fila de 28 indicações de autoridades, entre embaixadores e dirigentes de agências reguladoras. Só de embaixadores, há 22 indicações na gaveta da Comissão de Relações Exteriores, responsável por sabatinar os candidatos. No caso das agências reguladoras, várias estão com diretores provisórios à espera da votação no Senado. Na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por exemplo, dos cinco diretores, três são substitutos.
Procurados, Maia e Alcolumbre não quiseram comentar sobre quando os trabalhos das comissões serão retomados. Tanto a Mesa Diretora da Câmara quanto a do Senado foram questionadas sobre a paralisia dos colegiados e a possibilidade de adotar o sistema remoto para a retomada das deliberações, mas também não responderam à reportagem.
Orçamento
O apagão das comissões do Congresso afeta não apenas a tramitações de projetos e propostas de emenda à Constituição, mas também pode impactar o Orçamento da União. A exemplo dos outros colegiados, a Comissão de Orçamento do Congresso (CMO) não foi sequer instalada e não há previsão de quando isso será feito nem de como será seu funcionamento.
O governo tem até o fim de agosto para enviar sua proposta ao Congresso, que precisa votá-la até dezembro. Caso contrário, o País entra em 2021 sem uma previsão de como poderá distribuir os recursos ao longo do ano.
Com a paralisação, alguns prazos poderão ser descumpridos. A apresentação das emendas parlamentares, por exemplo, deve ocorrer no máximo até outubro.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que define as regras de como o dinheiro público poderá ser gasto, já estourou o cronograma. O projeto foi encaminhado pelo governo em maio e o prazo para sua votação era até o início do mês. Agora, deve ser analisado só quando os trabalhos voltarem.
Diante deste cenário, parlamentares e técnicos da Câmara e do Senado já discutem uma forma de viabilizar as sessões remotas ao menos para a CMO.
Mas nem quem é cotado para encabeçar a discussão sabe dizer ao certo quando isso pode ocorrer. “Está tudo paralisado ainda, nada está sendo discutido. Com a volta das sessões presenciais, as coisas vão se restabelecer aos poucos”, afirmou o senador Irajá Abreu (PSD-TO), indicado pelo PSD para relatar a LDO