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A religião está em desuso’, afirma cético Michael Shermer

Para autor de divulgação científica, ciência tem sido mais satisfatória ao responder de onde viemos, por que estamos aqui, do que a religião

Michael Shermer construiu seu trabalho em diálogo com outros autores – mais exatamente, questionando as descobertas de cientistas diversos. O americano, famoso por seu ceticismo, conquistou seguidores mundo afora ao colocar em xeque fatos aceitos como verdade, para prová-los ou refutá-los com base na psicologia experimental, que explora amplamente nos best-sellers O Outro Lado da Moeda: A Influência do Fator Emocional na Sua Relação com o Dinheiro(2008) e Por que as Pessoas Acreditam em Coisas Estranhas (2011). Em passagem pelo Brasil para um seminário de divulgação científica, na última semana, Shermer falou a VEJA sobre teorias de conspiração, religião, xenofobia e outros temas.

Em um artigo, você escreveu que os “escritores geralmente oferecem insights da psique humana que a psicologia demora anos para confirmar”. Como a literatura consegue se antecipar? Os escritores extraem aspectos da emoção, psicologia e relacionamento humano da vivência, a chamada “sabedoria popular”, e sabem traduzi-los no papel muito bem. Meu ponto neste artigo foi questionar a veracidade destes conhecimentos a partir de hipóteses e conhecimentos científicos. Por exemplo, qual tipo de relacionamento os fãs de Jane Austen preferem ou se os fãs de Shakespeare tendem a disputas de poder. Por muito tempo, ciência e literatura percorreram caminhos diferentes, que agora estão se encontrando, o que é ótimo.

Como a ciência explica a recente ascensão de ideias de direita, racismo e xenofobia? A imigração sempre foi uma questão em todos os países, tanto que todos têm leis que regulam a entrada de pessoas. Em minha opinião, os Estados Unidos chegam a ser liberais quanto à imigração, se comparados a lugares como Alemanha e Austrália. Agora, quanto a progresso moral, o ideal seria não termos nenhuma fronteira ou Estados, mas só chegaremos lá daqui a alguns séculos.

As teorias da conspiração satisfazem as chamadas ‘dissonâncias cognitivas’ — quando um fato parece extraordinário demais para ser explicado por algo corriqueiro. A morte da Princesa Diana, por exemplo: princesas não morrem vítimas de direção perigosa, excesso de velocidade combinada à falta de cinto de segurança, claro que não, na verdade ela forjou a morte e está vivendo na América do Sul com Elvis. Nós tratamos nossas celebridades como deuses, eles não podem morrer de causas naturais

À luz dos acontecimentos em Charlotteville, você acredita que o homem sempre será racista? É inerente ao ser humano dividir os outros em grupos, desde o primitivo “meu povo versus seu povo”, a casos extremos de xenofobia. A tribo indígena Yanomami, por exemplo, define como “humanos” apenas a eles mesmos, todo o resto recebe outra classificação. No último século, porém, a sociedade trabalhou para desconstruir esses grupos e ser mais inclusiva, por meio de leis que condenam o preconceito, por meio do turismo, do intercâmbio de filmes e músicas e tudo o mais entre os países. Basicamente, estamos tentando reeducar nosso cérebro para entender que o “estranho” também faz parte de nós. Eu acredito que temos feito um bom trabalho, apesar de episódios como o de Charlottesville gritarem o contrário.

Como a evolução enxerga o plebiscito de independência da Catalunha, na Espanha? Acredito que este é um sinal do futuro. Os grandes Estados tendem a se fragmentar em nações menores, como aconteceu com a União Soviética em 1991. Aos poucos, deverá se tornar ilegal estender as barreiras nacionais, pois isso reafirma esta propensão humana de se dividir em grupos.

Por que as teorias da conspiração são tão populares? Elas tendem a dar uma explicação “satisfatória” para fatos muito extraordinários. O funcionamento da economia, por exemplo, é muito complicado. Uma série de fatores e algoritmos que influenciam o valor do dinheiro é muito mais difícil de absorver do que doze homens em Londres, os Illuminati, que controlam todo o dinheiro do mundo. É mais simples, limpo e promove a sensação de “agora eu entendo”. As teorias da conspiração também satisfazem as chamadas “dissonâncias cognitivas” — quando um fato parece extraordinário demais para ser explicado por algo corriqueiro. Por exemplo, o assassinato do presidente John F. Kennedy por Lee Harvey Oswald só não soa bem aos ouvidos do público: ele era o presidente dos Estados Unidos e o foi morto por um homem qualquer. Daí, surgiram várias teorias envolvendo o FBI, a CIA, a KGB, Cuba, a Máfia Russa, foi como se tivesse que ter algo maior envolvido. A morte da Princesa Diana é outro caso, princesas não morrem vítimas de direção perigosa, excesso de velocidade combinada à falta de cinto de segurança, claro que não, na verdade ela forjou a morte e está vivendo na América do Sul com Elvis. Nós tratamos nossas celebridades como deuses, eles não podem morrer de causas naturais.

Não existe nenhuma base científica para afirmar que a Terra é plana, é só mais um meme da internet, como as Kardashians

Há quem acredite que o aquecimento global não passa de uma criação para frear o crescimento dos países subdesenvolvidos. Isso pode ser considerado uma teoria da conspiração? Com certeza. Primeiro, existem evidências científicas que comprovam o aquecimento global, e que ele é fruto da ação de humanos e precisamos fazer algo a respeito. Os céticos não aceitam os fatos porque eles abalam suas crenças no livre mercado e na isenção de barreiras industriais.

Existem exemplos mais “ousados” de teoria da conspiração. Recentemente, voltou à tona a tese de que a Terra é plana. Existe algum motivo científico para o assunto estar novamente em pauta? Eu nunca imaginei que alguém fosse voltar à este ponto (risos). Não tenho ideia, alguma celebridade deve ter comentado na internet e popularizou novamente. Também não existe nenhuma base científica para afirmar que a Terra é plana, é só mais um meme da internet, como as Kardashians. Até os que não acreditam em satélites e viagens no espaço podem ver a sombra redonda do planeta na Lua e no Sol durante os eclipses.

Na Europa, o berço do cristianismo, as grandes catedrais hoje funcionam mais como museus de obras magníficas do passado, do que, de fato, um lugar de culto religioso. O Vaticano, por exemplo, abriga uma das maiores coleções de arte do mundo — eles roubaram tanto, pelo menos deixam o povo ver.

Você acredita no diálogo entre ciência e religião? Sim, até porque nós buscamos responder às mesmas demandas. No entanto, desde a Revolução Científica a ciência tem sido mais satisfatória ao responder de onde viemos, por que estamos aqui, do que a religião. Mas, claro, ainda há espaço para uma crença em algo maior.

A religião vai deixar de existir? Acredito que sim, com o passar dos anos. Hoje, ao responder melhor às perguntas, a ciência também oferece certo conforto aos humanos quanto a pertencimento, missão, antes uma exclusividade da religião. O número de pessoas que não se identificam com nenhuma religião (Nons) apresentou o maior crescimento no Ocidente. Não necessariamente todos são ateus como eu, apenas não seguem as doutrinas de nenhum culto, e buscam seus valores em outros lugares, como família, amigos, cultura. A religião, em si, está caindo em desuso. Na Europa, o berço do cristianismo, as grandes catedrais hoje funcionam mais como museus de obras magníficas do passado, do que, de fato, um lugar de culto religioso. O Vaticano, por exemplo, abriga uma das maiores coleções de arte do mundo — eles roubaram tanto, pelo menos deixam o povo ver.

Então não crer em algo superior é um sinal de evolução? Evolução cultural, sim. Mas, especialmente, de disseminação da ciência, razão, filosofia, secularismo e outros valores que concordamos serem benéficos no geral, como os direitos civis, da mulher e os LGBT.

Quando estabelecemos que todos são livres e iguais perante a lei, não importa se a pessoa escolheu ou não seu gênero, opção sexual, todos devem ser tratados iguais e ter o mesmo direito.

Como aplicar o ceticismo no dia a dia? Questionando tudo e conversando com pessoas diferentes, principalmente aquelas que discordam de você. Hoje, temos muita informação falsa na internet, então devemos sempre questionar as fontes e buscar credibilidade de alguma maneira.

Você ouviu algo sobre a fosfoetanolamina, uma substância que pesquisadores brasileiros acreditam ter o poder de curar o câncer? Nós temos procurado a cura para o câncer nos últimos 25 anos, e a cada ano alguém surge com uma nova “solução”. Primeiro, sempre que a ciência moderna não consegue responder algo, abre-se uma porta para alheios entrarem e tentarem suprir este vazio com suas teorias. A grande questão do câncer é que não existe um único tipo, mas vários, então uma única cura não satisfaria a todos eles.

A transexualidade tem sido uma pauta bastante recorrente hoje em dia. E, apesar de todos os exemplos que temos, há quem acredite e pregue que escolher mudar de sexo é uma escolha. Você concorda com eles, ou a transexualidade tem a ver com a genética? Quando estabelecemos que todos são livres e iguais perante a lei, não importa se a pessoa escolheu ou não seu gênero, opção sexual, todos devem ser tratados iguais e ter o mesmo direito. Cientificamente, temos muitas evidências de que homossexualidade seja parte das características genéticas. Quanto aos trans, nós não temos informações o suficiente para afirmar, mas tudo indica que também seja um aspecto biológico. O único aspecto que ainda me preocupa é a cirurgia de mudança de sexo em adolescentes. O córtex pré-frontal, região do cérebro responsável por tomar decisões racionais, não está completamente desenvolvida até os vinte anos, então, para mim, antes disso não deveria ser permitido se submeter a uma cirurgia do gênero, nem aos tratamentos hormonais. Quero deixar claro, ninguém pode impor a você o que você tem que ser, mas apenas quando você chega à idade da maturidade física.

Fonte: VEJA

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