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Reforma do orçamento é urgente, dizem especialistas na área fiscal

Acadêmicos, economistas, líderes políticos e advogados especializados em contas públicas ouvidos afirmam, em uníssono, que é preciso uma reforma concreta do orçamento

(Agência Câmara/Agência Câmara)

Especialistas da área fiscal dizem ser urgente uma reforma do orçamento, diante de casos recentes, como o da compra de centenas de caminhões de lixo com preços inflados pelo governo federal. Recursos que deveriam financiar políticas públicas para quem mais precisa são direcionados a redutos eleitorais do Centrão e distribuídos sem qualquer critério técnico, o que abre brechas a esquemas de corrupção.

Acadêmicos, economistas, líderes políticos e advogados especializados em contas públicas ouvidos pelo Estadão afirmam, em uníssono, que é preciso uma reforma concreta do orçamento. As mudanças para facilitar a aplicação dos recursos federais no que é mais importante, contudo, enfrentam obstáculos como os interesses “paroquiais” de “curtíssimo prazo” e os dribles eleitoreiros do Legislativo e do Executivo nos mecanismos de controle do dinheiro público.

A distribuição sem critérios técnicos de caminhões de lixo, tratores, ônibus escolares e a autorização para construção de novas escolas enquanto há 3 mil obras paradas no País – casos revelados pelo Estadão -, foram fortalecidas com o orçamento secreto. A revisão dessa modalidade de alocação de recursos sem transparência, também revelada em reportagens do jornal, é um dos principais desafios do País no âmbito orçamentário, ressaltam analistas.

O diretor-executivo interino do Instituto Fiscal Independente do Senado do Senado (IFI), Daniel Couri, chama a atenção para o excesso de dispositivos. Cada parlamentar pode apresentar 25 emendas individuais, instrumento que pode ser definido sob critério eleitoral. “Isso que ocorre no Brasil não tem nenhum paralelo em outro país”, afirmou. “Você tem milhares de emendas sendo apresentadas sem direcionamento estratégico, sem seguir prioridade específica ou orientação temática.”

Ele ressalta que a “fragmentação decisória” e a falta de “orientação estratégica” atingem em cheio os investimentos, que já são pequenos. “Além da redução no investimento, você tem perda de qualidade”, disse. “Um exemplo claro é esse das obras paralisadas e novas escolas sendo feitas onde se poderiam se concluir outras.”

O advogado Romero Arruda, assessor de orçamento com atuação na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso (CMO), defende que o Legislativo leve em conta os apontamentos técnicos de diversos órgãos que indicam prioridades para alocação de recursos. “O Brasil precisa admitir que é carente de análise de políticas públicas e, quando consegue analisar, com técnicos de diversos órgãos do governo ou apoio do TCU, por exemplo, a conclusão quase sempre conta uma história de resultados parcos, seja por falta de sustentação da política no longo prazo, seja por planejamento equivocado”, disse.

Na avaliação de Élida Graziane, procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo e professora da FGV, uma reformulação normativa das finanças públicas é urgente para que o planejamento do gasto público reflita as prioridades nacionais. “Infelizmente, voltamos a viver sob a égide de mais um ciclo de coronelismo, enxada e voto: cofre das graças no orçamento secreto e poder da desgraça contra os entes subnacionais e contra o custeio racionalmente planejado dos direitos fundamentais”, afirmou.

O mau uso do orçamento atinge a estrutura do tecido social do Brasil. Doutor em Direito pela Uerj, Irapuã Santana alerta que o orçamento deveria aplicar recursos no combate à desigualdade racial. “A política fiscal adotada pelo Estado brasileiro é responsável pelo quadro de desigualdade racial, ao passo que a omissão estatal na adoção de políticas públicas de enfrentamento a essas desigualdades constituem violações ao pacto constitucional”, pontuou.

Em dezembro, os consultores de Orçamento da Câmara Hélio Tolini e Paulo Bijos formularam um projeto para racionalizar o uso das emendas parlamentares, restringindo-as às comissões permanentes da Câmara e do Senado.

No modelo proposto, uma sugestão para a construção de uma escola por exemplo, seria apresentada e debatida na Comissão de Educação. E o limite para as emendas seria atrelado ao total disponível para o gasto não obrigatório (discricionário). “Com a importância maior das comissões e um novo modelo poderíamos qualificar a destinação de emendas e definir prioridades”, disse.

A reforma proposta por ambos é baseada em um tripé: regra de despesa, planejamento de médio prazo e revisão de prioridades de um ano a outro. O estudo dos consultores deu origem a um Projeto de Lei Complementar, o PLP nº 25 de 2022, apresentado pelo deputado federal Felipe Rigoni (União Brasil-ES). Os consultores também formularam uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

A cientista política Beatriz Rey, estudiosa do funcionamento do Legislativo norte-americano, explica que nos Estados Unidos cada deputado poderá apresentar 15 emendas neste ano, com valor variável e dentro de especificações. “Cada deputado abre uma espécie de processo seletivo, no qual várias entidades daquele distrito eleitoral se inscrevem, e aí são selecionadas as propostas com maior impacto socioeconômico”, afirmou. “Nas propostas, os congressistas precisam anexar documentos provando que nem eles nem suas famílias têm interesse econômico no projeto.”

 

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