Estímulos governamentais podem ter inflado o preço das ações, avaliam especialistas. Seria o início de uma bolha?
A recente valorização das bolsas, mesmo com a economia global em frangalhos, levanta questionamentos sobre se as altas estão ou não descoladas da realidade. Na última semana, o índice composto de Nasdaq bateu os 10 mil pontos pela primeira vez na história, mesmo após o Federal Reserve (Fed) revisar a expectativa de crescimento do PIB americano deste ano para -6,5%. Somente desde a última semana de março, foram registrados mais de 40 milhões de pedidos de seguro desemprego nos Estados Unidos.
No Brasil, o Ibovespa, principal índice de ações da B3, já subiu 50% desde a menor pontuação do ano, apesar de os impactos do coronavírus na economia brasileira ainda serem incertos, devido à defasagem dos dados econômicos do país. No boletim Focus desta segunda-feira, 15, as projeções para o PIB deste ano foram novamente revisadas para baixo, agora para contração de 6,51%.
“O mercado está com parâmetros frágeis. Há fragilidade tanto naquilo que é indicado como razão para alta como no que é indicado como motivo para correção”, afirmou Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset.
O principal motivo, segundo ele, para o aumento de preços dos ativos foram os pacotes de estímulos de bancos centrais, que aumentaram a quantidade de dinheiro em circulação por meio de compras de títulos. Com dinheiro, mas sem investimentos em renda fixa com retornos atrativos, as bolsas de valores se tornam a principal escolha. “Não há outra alternativa. Esse é um dos piores jeitos de investir que tem. Nunca vi uma inflação de ativos da dimensão que estamos vendo agora”, disse Vieira.
“A inflação de ativos é uma preocupação quando o governo começa a emitir muita moeda, principalmente por quantitative easing”, afirmou Cláudia Yoshinaga, coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da FGV EAESP.
A agência de classificação de risco Fitch prevê que os bancos centrais gastem 6 trilhões de dólares em quantitative easing neste ano para para tentar atenuar os efeitos econômicos da pandemia. De acordo com a agência Bloomberg, em abril, o Fed chegou a gastar 41 bilhões de dólares por dia em compras de títulos.
Segundo Yoshinaga, outro fator que pode ajudar a “inflar” o preço das ações é o crescimento de pessoas físicas na bolsa, que quadruplicou desde 2017 e chegou a 1,885 milhão em maio deste ano. “Elas estão dispostas a comprar, mas não, necessariamente, tem a expertise para ver o preço das ações pode meio de fundamentos.”
“O processo para achar o preço correto de uma ação deveria considerar a projeção de fluxo de caixa e trazer a valor presente. Por outro lado, quando muito gente quer o mesmo produto, o preço pode subir simplesmente por oferta e demanda. A própria busca injustificável e sem fundamentos é um processo irracional e um princípio de processo de bolha”, explica Yoshinaga.
Yoshinaga, porém, acredita que ainda seja cedo demais para afirmar que há uma bolha nas bolsas de valores. “Quando se fala de bolha parte do princípio que se consegue ver qual é o preço certo. Hoje é muito difícil ver o preço certo das coisas. É difícil dizer que é bolha, mas ainda vai ter muita instabilidade”, disse.
Embora também não veja sinais claros de uma bolha se formando, Jason Viera recomenda cautela. “A onda pode ser feia, mas, se não surfar, perdeu. O mais importante é saber a hora de sair.”