Marinésio foi reconhecido por mais duas mulheres como autor de estupros. Elas também reconheceram o carro usado por ele nos ataques. Polícia busca mais evidências para acusar o assassino confesso de Letícia e Genir por outros crimes
Mesmo após o reconhecimento presencial de duas supostas vítimas que garantiram ter sido atacadas por Marinésio dos Santos Olinto, 41 anos, investigadores da Polícia Civil levantam mais provas que possam atribuir os crimes ao cozinheiro. Ontem uma adolescente de 17 anos e uma copeira, de 43, estiveram na 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá) e no Departamento de Polícia Especializada (DPE) onde reconheceram oficialmente o rosto dele. Logo após o encontro, policiais ouviram novamente Marinésio para confrontar o depoimento do acusado com a versão das vítimas.
Os investigadores avaliarão os depoimentos delas antes de aceitar ou descartar a participação do cozinheiro nesses novos estupros. Nenhum delegado à frente dos casos obteve autorização da direção-geral da Polícia Civil para comentar os próximos passos da investigação.
As novas denúncias contra Marinésio vieram à tona após ele confessar ter matado a advogada Letícia Sousa Curado, 26 anos, e a auxiliar de cozinha Genir Pereira Sousa, 47. Letícia foi encontrada em 26 de agosto, três dias após desaparecer. O corpo estava na beira da DF-250. A advogada foi morta por estrangulamento. Genir, vista pela última vez em 2 de junho, teve seu corpo identificado 10 dias depois em um matagal entre Planaltina e o Paranoá.
Com a divulgação dos crimes, mulheres procuraram a Polícia Civil para denunciá-lo. O laudo da morte de Letícia ainda não está pronto, mas a expectativa dos investigadores da 31ª Delegacia de Polícia (Planaltina) é concluir o inquérito até dia 18. Essa é a previsão para o caso ser remetido à Justiça. Os policiais aguardam apenas o exame de corpo de delito da vítima ficar pronto e o resultado dos testes laboratoriais, como coleta de vestígios no corpo da jovem. A partir desse retorno, haverá indiciamento de Marinésio pelos crimes cometidos contra a advogada.
As mulheres que estiveram no Departamento de Controle e Custódia de Presos (DCCP) estavam acompanhadas da delegada Jane Klébia, chefe da 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá), e do delegado-adjunto Luis Gustavo Neiva. Marinésio está preso desde 24 de agosto. Agentes levaram o cozinheiro a uma sala, para que elas analisassem o suspeito, mas eles não tiveram contato direto, separados por um vidro que permite visualização apenas de um lado.
Ambas afirmaram que Marinésio é o homem que as estuprou, de acordo com a mãe da adolescente. “Assim que elas o viram, começaram a chorar. Ficaram desesperadas. Minha filha saiu chorando, muito abalada com toda a situação”, contou. “Minha menina está em depressão desde o crime, ela não consegue estudar e largou o trabalho. Apesar do estresse de vê-lo novamente, minha filha se acalmou. Ela sabe que isso é necessário para que ele pague pelo crime. Saber que ele ficará preso por muito tempo é um alívio para todos nós”, finalizou.
Marinésio prestou esclarecimentos sobre os casos investigados pela 6ª DP. A Polícia Civil não divulgou detalhes do que foi dito pelo assassino confesso. O material será usado para a apuração dos crimes — que estavam em apuração na delegacia desde a época dos estupros, pois as mulheres registraram boletim de ocorrência.
Antes de ficar frente a frente novamente com o homem que as estuprou, as duas mulheres estiveram na 6ª DP para confirmar o carro vermelho apreendido como sendo o veículo que Marinésio dirigia no dia do crime. Nos casos de Letícia e Genir, o acusado conduzia uma Blazer Prata. Mesmo assim, as vítimas reconheceram o Fiat Pálio Vermelho, do irmão de Marinésio, que o utilizava eventualmente.
A adolescente, atacada em 1º de abril deste ano, narrou o ocorrido. Logo que desceu em um ponto de ônibus do Itapoã para seguir ao trabalho, foi abordada pelo agressor. Ela recusou por estar próxima à regional de ensino, onde atuava como aprendiz. Ele, então, teria a ameaçado com uma faca e a obrigado a entrar no carro. O cozinheiro a levou para uma região afastada, a estuprou e, depois, a expulsou.
“Só lembro dele ter me chamado de lixo”, lamentou a jovem em conversa com a reportagem. “É aquele carro. Eu reconheci pelo banco ser estampado”, afirmou a adolescente. Desde o ataque, a garota tem demonstrado comportamento depressivo, como relata a mãe. “A todo momento ela quer se matar. Quer se cortar. É muito difícil para uma mãe escutar tudo isso”, afirma. “É revoltante saber que um homem mais forte que uma menina frágil e pequena se aproveitou da situação. Eu quero justiça e que ele apodreça na cadeia.”
Quando o assassinato de uma mulher, fora do contexto familiar, é considerado feminicídio?
O feminicídio é qualificadora do crime de homicídio, é aplicado quando há crime de gênero, e é possível adotá-la em duas hipóteses. A primeira e mais conhecida, é na conjuntura íntima e familiar, quanto a vítima é morta por um companheiro, por exemplo. Em segundo, conforme a lei, quando o assassinato é praticado por menosprezo e discriminação pela vítima ser mulher. Geralmente, são casos de violência urbana, e podem se caracterizar pela investida sexual por parte do autor, como o estupro, por exemplo. Sobre os casos de Letícia Curado e Genir Sousa, dependendo do que se confirmar durante a investigação, pode se configurar feminicídio.
Por que o número de mulheres assassinadas continua subindo?
Primeiro, vale salientar que a objetificação feminina é uma questão cultural perpetuada ao longo dos séculos. Se fizermos um recorte histórico, no Brasil colônia (quando se adotava as leis de Portugal), a mulher podia ser até morta se estivesse em adultério. O Código Civil de 1916 definia que o marido precisava dar autorização para a companheira trabalhar, por exemplo. A mudança dessa lei só ocorreu em 1962. Portanto, são séculos de naturalização da violência e banalização da mulher. Todas as mudanças que alcançamos foram com muita luta. No Brasil, tivemos marcos legislativos importantes, como a Lei Maria da Penha (2006) e a Lei do Feminicídio (2015). Há a promoção pela mudança da cultura machista e de conscientização quanto à violência contra a mulher. Os dados são alarmantes, e mostram que a mulher não está segura em casa ou no espaço público.
Quem são essas mulheres vítimas de violência?
No Distrito Federal, mais de 70% dos feminicídios ocorreram em casa (dados do 1º semestre de 2019). Mas, em contrapartida, os números mostram que a mulher não está segura em nenhum local. Temos como exemplo, mulheres em paradas de ônibus, especialmente em locais periféricos, que sofrem ataques. Isso implica tanto na vulnerabilidade a qual a mulher está exposta, quanto em marcadores de classe e qualidade do transporte público. A mulher é vítima por ser mulher, independentemente da hora em que está na rua e a roupa que veste. Essa objetificação culpabiliza a vítima e demonstra a construção social do machismo. Pela insegurança nos espaços públicos, temos a liberdade limitada. Como mulheres, não conseguimos exercer a cidadania plena, para transitar livremente. Um homem, quando sai de casa, se preocupa em não ser assaltado. Já a mulher, pensa em não ser estuprada.
O que podemos fazer para mudar a situação atual no Distrito Federal?
Acredito que as políticas públicas de conscientização cultural são importantes. Os homens precisam tratar o que chamamos de “masculinidades tóxicas”: ver a mulher como um objeto e propriedade dele; de não poder demonstrar sentimentos por socialmente ser sinônimo de fraqueza; a necessidade de se mostrar como um ‘homem garanhão’; e, inclusive, a violência que é incentivada desde a infância, como recurso para solucionar um conflito. Precisamos pensar o eixo de prevenção e responsabilização. É também necessário trazer a discussão para o âmbito escolar, para mudar o pensamento dos mais jovens. Até porque, o menino de hoje é o homem de amanhã. Essa discussão deve englobar os homens, para que eles revejam as próprias visões machistas. Eles são parte do problema e, por isso, devem participar da solução. Quanto à responsabilização, entram leis eficazes para a punição ao agressor.