É a primeira vez que o polêmico tema é pauta na Câmara e no Senado desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência da República. Ministro da Cidadania discursou contra a regulamentação do uso do canabidiol
Enquanto no plenário da Câmara dos Deputados os holofotes estavam voltados para a votação da reforma da Previdência, outra discussão importante aconteceu nesta terça-feira (9/7) no Congresso Nacional: a regulamentação da maconha medicinal no Brasil foi pauta de mais uma polêmica discussão. À tarde, o tema foi discutido em audiência pública na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. Mais cedo, em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, fez um discurso contra a regulamentação. O argumento foi de que a liberação do plantio de cannabis para pesquisa e produção de medicamentos “vai abrir as portas para o consumo generalizado”.
As discussões sobre o tema são as primeiras que acontecem após a eleição de Jair Bolsonaro. Osmar Terra, representante do governo no debate, reforçou a política proibicionista à regulamentação do canabidiol (CBD) e o plantio da planta no Brasil. “Se abrir as portas do plantio, vai ter consumo generalizado. Se não se controla com a proibição, imagina controlar no detalhe? É o começo da legalização da maconha no Brasil”, protestou. Além do ministro e de outras autoridades do governo, mães de pacientes e associações que defendem o uso da substância estavam presentes na audiência pública.
Terra chegou a comparar o número de mães que lutam para aliviar o sofrimento dos filhos que utilizam o canabidiol a mães que perderam seus filhos para as drogas. “Eu sei que aqui tem mães carinhosas e preocupadas, que vão até o fim do mundo para salvar seus filhos e para aliviar o sofrimento deles. Elas têm que ter um apoio necessário, mas eu poderia fazer uma reunião aqui com as mães que perderam os filhos para a droga, que são muito mais numerosas”, disse o ministro.
Ainda para defender o próprio argumento, o ministro afirmou que não é preciso plantar maconha para ter os remédios. ‘Tem laboratório produzindo sinteticamente o canabidiol, sem o THC. E o governo tem obrigação de fornecer isso para crianças e pacientes”, disse. No entanto, de acordo com Caroline Heinz, vice-presidente da HempMeds Brasil, primeira empresa autorizada a importar CBD para o país, o canabidiol sintético não chegou a ser testado em humanos ainda.
“É muito delicado ver pessoas em cargos de grande hierarquia no país falando coisas erradas. Esse canabidiol sintético nunca foi testado em seres humanos”, afirmou Caroline. A vice-presidente da empresa especializada na exportação da substância participou das duas discussões em Brasília e avaliou como positiva a primeira conversa sobre o tema. “Acho que no âmbito geral é um primeiro passo, mas temos que continuar a debater o tema para que ele não fique engavetado”, disse.
Para Caroline, a luta da indústria é a mesma dos pacientes. “Nós falamos como indústria, mas exportamos um medicamento que traz qualidade de vida, então, independentemente de ser indústria, nos importamos com os pacientes do Brasil”, frisou. Jenyffer Galvão, de 32 anos, é mãe de um paciente. Lucas Galvão, 3 anos, é autista e faz uso do canabidiol desde março. O filho de Jennyfer nasceu prematuro, mas se desenvolveu como uma criança normal. Engatinhou, andou e falou no tempo normal, mas, aos dois anos, parou de falar, fazer contato visual e comer alimentos sólidos.
O diagnóstico veio rápido, e o autismo de Lucas já estava avançado. O uso do canabidiol foi receitado por uma psiquiatra depois de diversos tratamentos serem testados pelo paciente. “Com a terapia e a fonoaudióloga, vimos uma melhora, mas muito limitada. Com uma semana do uso do canabidiol, Lucas fez contato visual comigo e sorriu. Fizemos uma festa. Com um mês, ele voltou a comer. E, atualmente, após três meses, ele já consegue falar e cantar uma música inteira”, celebrou Jenyffer.
A mãe do pequeno Lucas enfrentou preconceito dentro da própria família ao falar da utilização do remédio. “O grande problema é a preguiça de se informar. As pessoas preferem ficar no achismo do que se colocar à disposição para entender o que realmente está acontecendo”, avaliou.
Preconceito
Para a psiquiatra Murielle Urzeda Moura, que há um ano e meio prescreve o uso de canabidiol para alguns pacientes, mudar a visão das pessoas vai demandar tempo. Para ela, primeiro é preciso entender o perfil do paciente que busca esse medicamento. “É preciso entender que o paciente que usa canabidiol não tem o perfil de alguém que faz uso recreativo da maconha. É um paciente que já passou por vários médicos, diversos medicamentos, que já sofreu outros efeitos colaterais e chega cansado ao consultório”, explicou.
Atualmente, a médica atende 20 pacientes que usam a substância para tratar diversas doenças, como autismo, fibromialgia, parkinson e alzheimer. A maioria é formada por crianças de 3 a 5 anos com autismo. “Não faz sentido encher crianças de remédios cheios de efeitos colaterais, sem dar uma chance para essa substância que tem tantos benefícios no tratamento”, defendeu.
Fonte: Correio Braziliense