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O Senado aumenta sua produtividade, mas a pauta não é das melhores

Os senadores deveriam aproveitar o embalo e pensar duas vezes antes de ter ideias estapafúrdias, como o projeto de tabelar os juros do cartão

Senado: de 20 de março até a 7 de agosto, foram 155 textos apreciados. Quatro anos atrás, porém, foram 79 matérias deliberadas no plenário (Waldemir Barreto/Agência Senado)

Esperar aumento de produtividade do setor público é como torcer por um milagre. Mas, acredite se quiser, foi ocorreu no Senado durante a pandemia. O número de propostas analisadas em 2020 foi significativamente maior quando comparamos o resultado atual com o volume de 2016, ano da última eleição municipal.

De 20 de março até a 7 de agosto, tivemos 155 textos apreciados pela Câmara Alta. Quatro anos atrás, porém, foram 79 matérias deliberadas no plenário, o que significa um crescimento de 96,2%. O quórum também aumentou. Neste mesmo período, em 2016, tínhamos uma média de 71 senadores por sessão, contra 76,5 de hoje.

A facilidade proporcionada pelas sessões remotas cria um efeito semelhante ao observado em várias empresas que optaram pelo chamado Home Office. Enquanto se temia pela queda drástica na eficácia dos colaboradores, observou-se em inúmeros casos um aumento brutal da capacidade de trabalho. Embora essa constatação não atinja a todos os trabalhadores, há uma praticidade que se percebe logo de cara: não se gasta tempo com deslocamentos até o escritório. Em cidades como São Paulo, há pessoas que desperdiçam 3 horas diárias de trânsito, somando-se os trajetos de ida e de volta.

Com isso, imagine a disposição de alguém que tinha de acordar muito cedo e se desgastar no trânsito até chegar ao local de trabalho. Para essas pessoas, o dia já se iniciava com sinais de cansaço físico e mental. Nos dias de hoje, contudo, as reuniões podem começar às 8:00 e todos percebem uma disposição diferente por parte da equipe.

É só fazer as contas. Se esse colaborador gastava uma hora e meia para chegar ao trabalho é porque acordou, fez sua higiene pessoal e se arrumou em, digamos, 45 minutos. Assim sendo, entre a cama e a cadeira de trabalho, na melhor das hipóteses, gastou-se duas horas e quinze minutos – o suficiente para que a labuta já começasse com alguma fadiga.

No mundo privado, no entanto, é difícil criar situações diversionistas ou explicar parcos resultados. Mas, num poder da República, no qual todos representantes são considerados autoridades, quem é que puxa a orelha de quem está trabalhando pouco? É quase impossível. De qualquer forma, os representantes do povo acabaram se esforçando mais do que o fazem normalmente. E por que ocorreu isso?

Neste momento pandêmico, contou-se com dois fatores importantes no caso do Senado – ambos bastante singelos. Um deles diz respeito ao cafezinho. Como os senadores estão sempre negociando votos, o cafezinho é o lugar ideal para convencer qualquer colega a apoiar um projeto. A pandemia, entretanto, introduziu as reuniões virtuais e esvaziou o prédio do Congresso, transformando o local onde os senadores tomavam café em uma sala fantasma. Sem perder muito tempo com as conversas paralelas que acompanhavam qualquer negociação, o foco dos congressistas aumentou e seus resultados idem.

Outro ponto foi a dificuldade – para não dizer a quase impossibilidade – de se realizar obstruções no ambiente online. Quando um partido (ou do bloco) decide obstruir uma votação, seus parlamentares deixam o Plenário, ficando presente apenas o líder da sigla. Pelas regras, atuais, no entanto, o quórum eletrônico no início da sessão é o que vale. Dessa forma, o recurso de obstruir votações dificilmente é utilizado no Parlamento virtual. Sem interrupções, o fluxo de deliberações corre mais solto e, assim, ganha-se uma produtividade maior.

Quando se eleva este índice, o senso comum é o de que as pessoas passaram a trabalhar mais. Não necessariamente. Uma frase famosa de Henry Ford diz o seguinte: “Aumentar a produtividade significa menos suor humano, não mais”. O que se observa no Senado é exatamente o espírito da frase proferida por Ford. Não se passou a trabalhar mais – somente se dirigiu as energias de maneira mais efetiva e, com isso, quase se dobrou o número de matérias analisadas pelos senadores.

O sistema deu tão certo que deveria ser utilizado após o final da pandemia. Não dizem que as empresas devem adotar soluções híbridas, misturando trabalho presencial e remoto? A julgar pelos resultados obtidos pelos senadores, esse caminho parece ser o ideal – especialmente porque ainda estamos no início deste processo e as melhores soluções tecnológicas para aprimorar o fluxo de trabalho ainda serão criadas.

Peter Drucker disse que “eficiência é fazer as coisas de maneira correta. Já eficácia tem a ver com fazer as coisas certas”. O que o Senado fez foi juntar as duas coisas e fazer um golaço raro em campos públicos – quase que dobrar sua performance em poucos dias.

Os senadores deveriam aproveitar o embalo e pensar duas vezes antes de ter ideias estapafúrdias, como o projeto que resolveu falar em tabelar os juros do cartão de crédito e do cheque especial durante a pandemia. Concorda-se que as taxas estejam muito altas nessas modalidades financeiras. Mas até uma criança sabe que tabelamentos de preços ou de taxas simplesmente não funcionam. A mão invisível do mercado sempre arruma um jeito de inviabilizar aqueles que querem engessar tarifas ou juros na base do decreto. O país já passou por dois congelamentos desastrosos, que nos ensinaram lições que pareciam ser eternas. Pelo jeito, o Senado decidiu jogar para a torcida e queimar qualquer manual com as teorias econômicas mais básicas.

De nada adiantará ser mais produtivo se as matérias em votação forem insensatas, imprudentes e desmioladas. Através da demagogia, pode-se conquistar rapidamente a simpatia do eleitorado. Mas esse é o tipo de situação insustentável, cuja fatura será cobrada rapidamente. Chega de tentar reinventar algo que nunca deu certo em nenhum lugar do mundo.

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