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O que a gordura tem a ver com o diabetes

Não é só o açúcar que importa na prevenção e no tratamento do diabetes. Também é preciso olhar com cautela para os alimentos gordurosos

Alimentos muito gordurosos tornam a digestão mais lenta e elevam a glicemia. (Foto: Tomás Arthuzzi/SAÚDE é Vital)

Ninguém precisa ter diabetes para saber que o problema guarda íntima relação com o açúcar. Esse é um elo que grudou na cabeça da população em geral. Mas, se é preciso lidar com a sobrecarga de glicose no sangue, vale a pena considerar outro ingrediente: as gorduras. Quem avisa são pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, que acabam de concluir uma pesquisa a respeito.

Antes de dar esse conselho, eles avaliaram nada menos que 11 264 indivíduos com diabetes. Durante mais de uma década, com alguns intervalos, essa turma respondeu a questionários sobre seus hábitos. Nesse meio-tempo, ocorreram 2 502 mortes, incluindo 646 por causas cardiovasculares.

Após esmiuçar os relatos dos participantes, os cientistas concluíram que um consumo maior de gorduras poli-insaturadas (presentes em pescados e em determinadas castanhas e sementes) estava ligado a uma menor mortalidade por doenças cardíacas em comparação com a ingestão abundante de gorduras saturadas (encontradas na carne vermelha, nos embutidos, nos salgadinhos…) e carboidratos.

O endocrinologista Rogério Friedman, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, nota que se trata de um estudo observacional — ou seja, ele não comprova causa e efeito.

“De todo modo, confirma o que outros trabalhos já apontavam e reforça a importância de certas gorduras e do equilíbrio entre elas na proteção cardiovascular”, analisa o médico. Afinal, não faltam evidências sobre o papel das monoinsaturadas no controle do colesterol e da ação anti-inflamatória das poli-insaturadas, com destaque para a mais famosa integrante da família, o ômega-3.

Estratégias que blindam as artérias são fundamentais a quem convive com o diabetes, especialmente o tipo 2. É que, nesses casos, a doença costuma vir acompanhada de excesso de peso, hipertensão, além de colesterol e triglicérides elevados, uma reunião de fatores perigosos ao coração e batizada de síndrome metabólica.

Nesse cenário, um dos maiores prejudicados é o endotélio, o tapete celular que recobre o interior dos vasos sanguíneos. Ele fica mais suscetível ao acúmulo de partículas gordurosas. “Esse mecanismo serve de estopim para a formação das placas que entopem as artérias”, observa o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, pesquisador da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

Para evitar o pior desfecho, um infarto ou AVC, é preciso rever atitudes — e uma delas é quanto e quais gorduras levamos ao prato.

Como pessoas com diabetes podem equilibrar a gordura no prato

No estudo de Harvard, os americanos mencionam a dieta do Mediterrâneo como um bom modelo para os diabéticos controlarem as taxas de açúcar, colesterol e triglicérides no sangue. Ela se destaca por contemplar peixes, grãos e azeite de oliva, fontes das queridinhas gorduras mono e poli-insaturadas.

Mas leite e queijos também são apreciados pelos povos que vivem naquelas bandas. Logo, a tal saturada dá as caras no menu. “E ela pode entrar mesmo. É só não exagerar”, aconselha a nutricionista Maristela Strufaldi, da Sociedade Brasileira de Diabetes.

Os experts pregam, aliás, que não é necessário excluir nenhum nutriente, mas modular as quantidades. Um alerta inclusive para quem segue a dieta low carb. Pesquisas apontam que ela até pode ajudar quem convive com diabetes tipo 2, desde que não seja tão radical. Quando esses planos alimentares ficam muito severos, abre-se espaço para o consumo abusivo de proteínas e gorduras.

Infelizmente, porém, equívocos à mesa não são raros. Veja o caso dos ômegas. “Notamos que a população consome pouco ômega-3 e muito ômega-6, fornecido pelos óleos vegetais”, exemplifica o médico Fernando Chueire, da Associação Brasileira de Nutrologia. Juntos, esses ácidos graxos atuam contra inflamações, mas o desequilíbrio pode provocar o efeito contrário, ameaçando as artérias.

O melhor é passar longe de extremismos e dos ditos milagres — caso do óleo de coco, que, segundo diretrizes médicas, deve ser consumido com muita, mas muita moderação.

E quem não gosta de linhaça não precisa tapar o nariz e engolir só para ter sua parcela de gorduras benéficas. “Não dá para transformar o gaúcho da fazenda em um esquimó”, brinca Friedman.

O preço do abuso

“Em geral, os alimentos fontes de gordura costumam apresentar uma mistura dos tipos”, aponta a nutricionista Maria Fernanda Cury Boaventura, professora da Universidade Cruzeiro do Sul, em São Paulo.

O azeite é rico em monoinsaturada, mas oferece um pouco das poli-insaturadas, por exemplo. O salmão também não é composto exclusivamente de ômega-3. Daí a sugestão de procurar conhecer a composição dos alimentos e observar os rótulos. A meta não é ficar paranoico, mas escapar dos abusos.

Quem convive com esse desbalanço dos ômegas e extrapola a cota das gorduras saturada e trans (comuns nos industrializados) bagunça mesmo o organismo. A começar pelo ganho de peso. Segundo Maria Fernanda, esse padrão também alimenta a resistência à insulina, situação que deixa a glicose sobrando na circulação.

E tem mais encrenca à vista: a hiperglicemia tardia. Ainda que o carboidrato seja o nutriente com maior impacto glicêmico — afinal, 100% dele é convertido rapidamente em glicose —, o excesso de comida gordurosa também pode contribuir para a escalada do açúcar no sangue.

Como se sabe, os lipídios (nome oficial das gorduras) desempenham inúmeras funções no organismo: auxiliam no transporte de vitaminas e na formação de hormônios, entre outras. Mas cerca de 10% deles se transformam em glicose. Assim, ao cair de boca em uma pratada gordurenta, a digestão tende a ser mais lenta e a elevação da glicemia pode ocorrer muito depois de comer.

Acontece que essa alteração tardia passa despercebida. É que a pessoa com diabetes é orientada a fazer a monitorização, na ponta do dedo, no período pós-refeição ou duas horas depois de se alimentar. Mas, quando há uma ingestão exagerada de gorduras, o pico de glicemia pode ocorrer após quatro ou cinco horas. Resultado: o sujeito nem toma conhecimento da hiperglicemia.

Se tais excessos forem corriqueiros, o corpo fica vulnerável a lesões nas artérias que irrigam os olhos, os rins, o coração… Portanto, priorizar as versões mono e poli-insaturadas, sem cair no consumo desmedido, é uma atitude que poupa os vasos e o organismo da cabeça aos pés. Viu só por que não adianta focar apenas no açúcar?

Alimentos para ficar de olho

Itens ricos em gordura saturada pedem parcimônia. Já os que têm trans devem ser evitados

Carnes gordas: cupim, picanha e bacon devem aparecer em situações bem pontuais. No geral, cortes magros (patinho, filé-mignon…) são melhores escolhas.

Embutidos: linguiça, mortadela e salame tendem a ser gordurosos e carregam boas porções de sódio, combo prejudicial aos vasos sanguíneos.

Queijos amarelos: outra turma que deve ser beliscada em ocasiões especiais. A sugestão é consumir lácteos menos engordurados no cotidiano, como cottage.

Guloseimas: biscoitos, salgadinhos, bolos e sorvetes muitas vezes levam gordura trans (hidrogenada) — a pior para a saúde. Examine o rótulo.

Itens para consumir

Abra espaço no cardápio para alimentos com um bom mix de gorduras benéficas, como os abaixo

Peixes: apostar em espécies como salmão, atum e sardinha é uma deliciosa maneira de garantir ômega-3. Só evite empanar e fritar.

Oleaginosas: nozes, avelãs, amêndoas e as brasileiríssimas castanhas-do-pará e de caju oferecem ácidos graxos protetores. Fora as vitaminas e minerais.

Sementes: as de abóbora e girassol, assim como a chia e a linhaça, incrementam o menu com as tais poli-insaturadas e outras substâncias bacanas.

Óleos vegetais: azeite de oliva é sempre festejado porque, além de gorduras boas, é rico em antioxidantes. Mas óleos de soja e canola caem bem no dia a dia.

Suplementos de ômega-3 ajudam?

Já notou que as prateleiras das farmácias estão tomadas por potes de DHA e EPA? Tais siglas se referem ao ômega-3. “Há evidências de que eles ajudem no controle dos triglicérides”, diz o nutrólogo Fernando Chueire.

Ainda assim, o médico não aconselha a ingestão sem a avaliação de um profissional, já que cada um tem necessidades específicas (às vezes supridas na alimentação).

Cuidados com o coração no diabetes

Uma pesquisa com 1 439 brasileiros realizada por SAÚDE, com a curadoria do médico Carlos Eduardo Barra Couri e o apoio do laboratório Novo Nordisk, revela que a ligação entre o diabetes e os problemas cardíacos ainda passa batida.

“Esse desconhecimento foi visto inclusive em uma parcela de pessoas de alto nível sociocultural. Imagine o que se passa com o restante da população”, conta Couri. “É preocupante!”.

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