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Líbia cria “polícia da moralidade” para impor uso do véu

Governo em Trípoli pretende impor regras de vestimenta estritas a meninas já a partir dos nove anos de idade e impedir que mulheres viajem “desacompanhas”. “A Líbia não é um local para liberdades pessoais”, diz ministro.

Foto: Alexandre Meneghini/AP/picture alliance

O governo líbio em Trípoli está intensificando suas medidas para rechaçar a influência europeia e proteger o que chama de “valores sociais islâmicos”. A partir de dezembro entrará em ação uma nova “polícia da moralidade”, com o fim de impor regras estritas de vestimenta feminina nos locais públicos, assim como ocorre no Irã e na Arábia Saudita.

A partir dos nove anos de idade, as meninas deverão usar um véu ou hijab, mulheres só poderão viajar com um guardião masculino, e fica proibido comportamento “inapropriado” em público entre os dois sexos.

“A Líbia não é um local para liberdades pessoais”, resumiu no início de novembro o ministro do Interior líbio, Emad Al-Trabelsi, “quem procura liberdade, deve ir para a Europa.” O Governo de Unidade Nacional sediado em Trípoli conta com o respaldo da Organização das Nações Unidas.

“Quem procura liberdade, deve ir para a Europa”, pontificou premiê líbio Emad Al-Trabelsi (falando ao microfone)
Foto: MAHMUD TURKIA/AFP

Essas palavras desencadearam revolta entre a população majoritariamente jovem, especialmente entre as mulheres. “Enquanto cidadão líbio, o ministro não tem direito de me dizer para ir para a Europa se eu discordo das decisões dele”, critica a ativista de direitos civis Ahlam Bin Taboun. “A Líbia é um país que deveria ser governado por leis que se aplicam a todo mundo, não pelas opiniões pessoais de alguém.”

Diversas líbias relatam que, mesmo antes da entrada em ação da nova “força moral”, o anúncio das medidas já encoraja certos cidadãos a cobrarem um código de vestimenta mais restritivo.

“Um homem veio para mim e a minha amiga e perguntou se a gente estava respeitando as regras de modéstia”, conta Yasmin, de 26 anos, pedindo sigilo sobre seu sobrenome por medo de represálias. “Eu estava de saia longa, de qualquer modo, mas quando eu o ignorei ele começou a me ameaçar, e desde então tenho medo de estar em público.”

Zainab Tarbah, uma conhecida jornalista e apresentadora de TV, viveu uma situação semelhante ao volante: “Um motorista me cortou e apontou para a minha cabeça, se referindo ao meu cabelo. Eu tive medo, esse homem achava que tinha autoridade para me fazer essa cobrança.”

“Profundamente alarmantes”
Segundo organizações como a Human Rights Watch e a Anistia Internacional, tais medidas refletem “uma perigosa escalada dos já sufocantes níveis de repressão” no país norte-africano.

“Propostas de impor véu obrigatório a mulheres e meninas de até nove anos, restringir as interações entre os sexos e policiar as escolhas pessoais das jovens quanto a seus penteados não são apenas profundamente alarmantes, mas também violam os compromissos da Líbia perante o direito internacional”, comentou Bassam Al Kantar, especialista no país na Anistia Internacional, em 8 de novembro.

Por sua vez, propostas como exigir a permissão de guardiães para que as mulheres possam viajar, ou invadir a privacidade individual através de vigilância, constituiriam violação gritante dos direitos humanos.

Essa é também a opinião de Ahmed Hamza, presidente da Comissão Nacional Líbia de Direitos Humanos, a qual já apresentou queixa contra Al-Trabelsi ao procurador-geral: “As declarações do ministro insultam a sociedade líbia e constituem delito perante a lei”, reforça, invocando o Artigo 195 do Código Penal, que proíbe violações dos direitos civis.

“Tais políticas não passam de um meio para reforçar o controle governamental. Em meio à severa fragmentação política e econômica, parece que o governo está usando essas iniciativas para desviar a atenção de questões essenciais.”

Homens também não estão a salvo
Falando ao jornal britânico The Telegraph, o especialista em segurança do Norte-da África Jalel Harchaoui afirmou que instituir uma polícia da moralidade confere ao governo poderes “malignos” para “simplificar detenções” sem a “formalidade dos procedimentos legais”.

Por outro lado, devido à divisão política interna, as novas restrições não se aplicarão a todo o território: rica em petróleo e com um longo litoral no Mediterrâneo, a Líbia está dividida entre dois governos rivais desde 2014.

O do oeste, sediado em Trípoli e sob o primeiro-ministro Abdul Hamid Dbeibah, é reconhecido pela ONU; enquanto o leste é encabeçado pelo general Khalifa Hiftar, instalado em Tobruk. Esse impasse político é exacerbado por agitações políticas e desmandos de milícias.

“O primeiro-ministro não tem como projetar poder em toda a capital, muito menos para mais além: no máximo por alguns bairros, no melhor dos casos”, afirmou Harchaoui. Ainda assim, para a população do oeste, o anúncio evoca as décadas do regime ditatorial de Muammar Kadafi, encerrado em 2011.

A população masculina tampouco está totalmente a salvo da arbitrariedade estatal: a nova polícia moral terá poderes para, por exemplo, fechar barbeiros e shisha bars (lounges de narguilé) que não respeitem as novas normas.

“Hoje, alguém critica meu estilo de penteado, amanhã eles podem impor o que eu devo vestir”, comenta o estudante Ahmed Qarqum, de 23 anos. “Essas políticas criam um ambiente sufocante, que faz a gente se sentir alienada no seu próprio país.”

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