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Ineficiência de políticas públicas coloca futuro de adolescentes em risco

Acesso à educação e amparo de egressos do Sistema Socioeducativo podem evitar que adolescentes sigam o caminho do crime. Enquanto isso, as unidades de internação correm risco de colapso, devido à falta de pessoal e de investimento

Unidade de Internação de Santa Maria é dos locais onde jovens infratores permanecem para cumprir medidas socioeducativas
(foto: Antonio Cunha/CB/D.A Press)
À sombra da criminalidade, jovens quase sem perspectiva buscam a violência para conduzir a própria vida. A ausência de políticas públicas, principalmente o acesso à educação, e do amparo de egressos infratores, coloca em risco o futuro de muitos adolescentes da capital do país e do Entorno. Hoje,  800 das 868 vagas das unidades de internação provisória do Distrito Federal estão ocupadas. Paralelo à quase lotação, o Sistema Socioeducativo encontra-se defasado e pouco apresenta alternativa para aqueles que sucumbiram ao mundo do crime.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que jovens infratores podem cumprir medidas socioeducativas sem restrição de liberdade, com advertência e prestação de serviço à comunidade, ou nos regimes de internação e de semiliberdade. Levantamento da Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus) mostra que até 18 de outubro quatro das sete unidades de internação do DF estavam lotadas. Dessas, três extrapolavam a capacidade máxima.
Pesquisa de 2016, realizada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), por meio do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), indica que 47% do total de atos infracionais cometidos no país foram classificados como análogos a roubo. Em segundo lugar com cerca de 22% do total, vem o ato similar ao tráfico de drogas. O ato infracional análogo ao homicídio simboliza cerca de 10% dos atos cometidos naquele ano.Por dia, cerca de 18 adolescentes são apreendidos no Distrito Federal. Levantamento da Secretaria de Segurança Pública (SSP) mostra que 4.873 jovens passaram pelas delegacias da capital entre janeiro e setembro de 2019. Em comparação a igual período do ano passado, quando ocorreram 5.560 registros, houve redução de 12,4%. Além disso, há dezenas de ocorrências envolvendo menores de 18 anos. Entre elas está o assassinato do motorista de transporte por aplicativo Henrique Fabiano Dias, 25 anos, cometido por seis adolescentes de 14 a 17 anos em 13 de outubro.
(foto: Breno Fortes/CB/D.A Press)

Sistema frágil

Desde o fim do Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje), em 2014, o Sistema Socioeducativo passou a ser uma esperança para os jovens internos. Entretanto, trabalhadores da unidade exigem mais efetivo e melhor estrutura. Em 4 de agosto, funcionários da categoria cruzaram os braços por dois dias em busca de melhorias. Entre as reivindicações estava a instalação de postos policiais fixos 24 horas, identidade funcional e fim dos contratos temporários.
Desde a paralisação, o Governo do Distrito Federal (GDF) se mobilizou para sanar alguns desses problemas e encaminhou à Câmara Legislativa projeto de lei que prevê a criação do serviço voluntário para os agentes para, com isso, amenizar o problema de falta de efetivo. De acordo com o presidente do Sindicato dos Servidores da Carreira Socioeducativa do DF (Sindsee-DF), Alexandre Rodrigues, as negociações entre as partes estão “caminhando”. Ele ressalta que as unidades são negligenciadas desde gestões anteriores. “Os prédios são sucateados, temos quadro baixo de servidores e falta investimento e formação”, diz.
Para Alexandre, o trabalho é perigoso e ocorrências de ameaças e agressões são comuns. “Somos cerca de 1.450 agentes para 800 jovens. Entretanto, trabalhamos em esquema de plantões e escalas”, ressalta. “Tudo funciona pela metade. As escolas, as atividades, as oficinas. Precisamos de políticas que incentivem o interno a não voltar à realidade (do crime) em que ele estava, que era sem perspectiva”, destaca.
Quem precisou passar por internação aponta dificuldades no processo de ressocialização. Aos 16 anos, Marcos (nome fictício) conta que permaneceu 20 dias internado no antigo Caje. “Hoje, tenho 40 anos e lembro que o lugar em que fiquei era como se fosse uma carceragem. Os agentes nos tratavam como detentos e vi muitas agressões”, lembra. Apesar do extenso intervalo de tempo, ele ressalta que acompanha até hoje a situação do sistema.
“Faço um serviço nas unidades de internação de levar uma mensagem de recuperação a esses jovens. Cometi vários delitos durante a adolescência, como tráfico de drogas, furtos e roubos. Hoje, consegui sair dessa vida e espero ajudar outras pessoas”, afirma. De acordo com ele, os locais onde os jovens ficam são diferentes do antigo Caje, porém a ressocialização ainda é um processo difícil. “Acredito que a maioria das pessoas caem no crime por curiosidade e quando fazem más amizades. O ideal é investir no cuidado desses adolescentes e, assim, mudar a vida deles”, diz.

Mudanças

Especialista em sociologia da Universidade de Brasília (UnB), Vicente Faleiros ressalta que as unidades socioeducativas são melhores do que o antigo Caje, principalmente porque os internos têm acesso a educação. Entretanto, ele aponta que ainda falta garantir o direito à saúde, ao esporte, ao lazer e à cultura. “Os agentes estão mal preparados para atender a condição do infrator. Eles não conseguem manter diálogo. Além disso, faltam projetos culturais e mais informações disponíveis para que os adolescentes saibam da própria situação”, comenta.
O estudioso ainda acrescenta que é necessário estabelecer uma “ponte” entre adolescente com alguma atividade que fortaleça a decisão dele de integrar e se incluir na sociedade. “Enfrentamos o problema do desemprego. Por isso, é preciso incluir estágios especializados e adaptados para formação e integração deles. Geralmente, as famílias desses jovens são de baixa renda, e eles precisam de apoio para fortalecer os vínculos e os valores da cidadania”, aponta.
Vicente comenta que a criação de escolas de tempo integral é uma medida que tem dado certo em outros países e em alguns estados brasileiros. “Na Paraíba, em municípios onde essa modalidade de ensino foi implementada, a condição dos adolescentes mudou. Isso acontece porque eles têm um lugar para ficar, conviver e se educar”, reforça. De acordo com ele, muitas famílias não têm condição de ficar com esses jovens o tempo inteiro, o que abre espaço para que eles sejam atraídos para a criminalidade.
Por meio de nota oficial, a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) informou que, para evitar que jovens entrem na criminalidade, desenvolve atividades nos Centros de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (CCFV). De acordo com a pasta, a unidade presta assistência social para famílias e pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social. O órgão explica que o programa “estimula a integração e a troca de experiências entre os participantes, valorizando o sentido da vida coletiva, e promove o respeito às diferenças, a colaboração e o autoconhecimento, além de fortalecer o vínculo familiar”. Para participar do programa, o interessado precisa procurar o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) ou o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Crea) da região onde vive.

Morto asfixiado

Os adolescentes apreendidos confessaram o assassinato de Henrique. De acordo com os investigadores, eles pediram corrida na saída de uma igreja, em Águas Claras, com destino ao Guará. Durante o trajeto, anunciaram o assalto. Os acusados estavam com uma arma falsa e contaram aos policiais que o motorista reagiu ao assalto; por isso, o mataram enforcado. O corpo dele foi abandonado no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA).

MEMÓRIA

Passado de descaso
Desativado em 2014, o Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje) abrigava adolescentes no cumprimento de medidas socioeducativas. Localizada no Plano Piloto, a unidade sofria com superlotação e apresentava vários problemas estruturais, como falta de ventilação, pintura na parede e higienização. Desde a inauguração, em 1976, dois servidores e 30 adolescentes morreram no local. No ano em que os últimos internos deixaram a unidade, o governador à época, Agnelo Queiroz (PT), determinou a demolição da unidade. A derrubada do lugar gerou expectativa de que o processo de ressocialização de jovens infratores seria melhorado na capital.

Vagas no sistema

Unidade de Internação Provisória de São Sebastião (UIPSS)
» Capacidade 180
» Ocupação 111
Unidade de Internação de Santa Maria (UISM)
» Capacidade  160
» Ocupação 150
Unidade de Internação de São Sebastião (UISS)
» Capacidade  120
» Ocupação 126
Unidade de Internação de Planaltina (UIP)
» Capacidade 88
» Ocupação 88
Unidade de Internação do Recanto das Emas (Unire)
» Capacidade 180
» Ocupação 198
Unidade de Internação de Brazlândia (Uibra)
» Capacidade 60
» Ocupação 68
Unidade de Internação de Saída Sistemática (Uniss)
» Capacidade 80
» Ocupação 59
*Os dados são do efetivo do dia 18 de outubro
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