Falecimento do reivindicante do trono brasileiro, Dom Luiz, reacende debate sobre o movimento monarquista brasileiro e sua compatibilidade com a democracia. A Sputnik Brasil ouviu especialistas e militantes para conhecer quem tem saudades do Império brasileiro.
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No dia 15 de julho, o Brasil recebeu a notícia do falecimento, aos 84 anos, do herdeiro da família imperial brasileira, Dom Luiz de Orleans e Bragança, na cidade de São Paulo.
A Secretaria da Casa Imperial brasileira informou que Sua Alteza Imperial e Real o Augusto Senhor Dom Luiz Gastão Maria José Pio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Orleans e Bragança, Chefe da Casa Imperial do Brasil, Príncipe do Brasil, Príncipe de Orleans e Bragança, havia sido diagnosticado com Alzheimer.
Apesar de muitos brasileiros não conhecerem Dom Luiz, ou tampouco saberem que havia um postulante ao suposto título de príncipe do Brasil, o herdeiro da Casa de Bragança teve papel fundamental durante a Constituinte para a legalização do movimento monarquista do Brasil.
Segundo a Casa Imperial, Dom Luiz “concorreu com sua célebre ‘Carta aos Srs. Membros da Assembleia Nacional Constituinte’, de 1987, para a queda da cláusula pétrea, dispositivo constitucional que punha os monarquistas fora da lei”.
De acordo com historiador e professor Roberto Biluczyk, Dom Luiz de Orleans e Bragança contribuiu para a aliança dos movimentos monarquistas aos grupos mais conservadores do catolicismo brasileiro.
“Dom Luiz era um fervoroso membro da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), fundada e liderada por Plínio Corrêa de Oliveira, um grupo demasiadamente conservador que pregava ideias associadas à fé católica”, disse Biluczyk à Sputnik Brasil.
Com o falecimento de Dom Luiz, seu irmão, Dom Bertrand Maria José Pio Januário Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Orleans e Bragança – ou somente Dom Bertrand – assumiu a chefia da Casa Imperial brasileira.
“Dom Bertrand, também tefepista, tinha uma postura mais ativa naquela sociedade, sendo percebido pela imprensa como influente sobre a vida do irmão”, notou Biluczyk.
© Folhapress / Marcus Leoni
De fato, o novo príncipe do Brasil tem participação pronunciada na vida política nacional: associado ao movimento Paz no Campo, que se opõe fervorosamente ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), Bertrand chegou a discursar em 2016, durante manifestação da Avenida Paulista, a favor do impeachment de Dilma Rousseff.
Os irmãos Dom Luiz e Dom Bertrand, representantes do chamado “Ramo de Vassouras” da família real brasileira, se mobilizaram para viabilizar a realização do plebiscito de 1993, no qual os brasileiros puderam optar entre a República ou a Monarquia.
O plebiscito e a causa monarquista contavam com um aliado de peso na Constituinte, o deputado Antônio Henrique Bittencourt Cunha Bueno (PDS).
“Cunha Bueno condenava a República como forma de governo instalada de maneira autoritária, sem chance de contestação, e exaltava a figura e a governança de Dom Pedro II (1840-1889), esforçando-se para ressaltar uma pretensa prosperidade nacional durante o período imperial”, disse Biluczyk.
Segundo Biluczyk, o deputado federal constituinte defendia que monarquia havia logrado “a libertação dos escravos [de forma] pacífica, sem prejuízo moral a parte alguma, sem conflitos” e a ideia de que “o rei era uma figura exaltada no imaginário popular, por ‘emprestar seu nome’ a comércios e títulos de celebridades, como Rei do Baião, Rainha dos Baixinhos e Rei do Futebol”.
Os argumentos de Cunha Bueno, no entanto, não encontraram eco na sociedade brasileira. No plebiscito de 1993, 66,28% dos eleitores optaram pela República e somente 10,26% – o equivalente a 6.790.751 de brasileiros – votaram pela Monarquia.
O mau desempenho no plebiscito de 1993 não desanima os monarquistas contemporâneos, que defendem uma reedição da consulta popular.
“A intenção é conseguir um novo plebiscito, no qual o povo escolherá entre monarquia parlamentarista e parlamentarismo republicano”, disse o membro da Embaixada Monarquista de São Bernardo do Campo William Santos do Nascimento à Sputnik Brasil. “A própria família imperial já expressou a vontade de voltar à Monarquia apenas por vontade popular, de forma democrática.”
O movimento monarquista brasileiro atual se organiza sobretudo pela Internet. Grupos como Instituto Brasil Imperial, Círculo Monárquico Brasileiro, Causa Imperial e Instituto Brasileiro de Estudos Monárquicos aglutinam células menores, organizadas municipalmente.
“[O movimento monarquista] está crescendo bastante, principalmente pela insatisfação do povo com a política atual”, disse Nascimento. “Graças à Internet, mais e mais pessoas estão tendo acesso a informações que antes eram impossíveis.”
PL lança oficialmente Bolsonaro candidato à reeleição à Presidência em convenção no Maracanãzinho
© Sputnik / João Werneck
Durante a convenção do Partido Liberal (PL) no último dia 24, no Rio de Janeiro, que oficializou a candidatura do presidente Jair Bolsonaro à reeleição, bandeiras do Brasil Império, empunhadas por monarquistas, foram vistas ao lado de bandeiras de campanha do ex-presidente americano Donald Trump, camisetas da seleção nacional, dentre outros símbolos associados à direita radical brasileira.
“Há membros do clã Orleans e Bragança bastante próximos do presidente – sendo que, no passado, diziam não ter interesse na política partidária”, notou Biluczyk. “Essa é uma mudança relevantemente marcante no pensamento.”
De acordo com Nascimento, no entanto, o movimento monarquista é plural e não necessariamente associado ao bolsonarismo.
“Temos muitos bolsonaristas no movimento, que acabam participando de manifestações pró-Bolsonaro, levando bandeiras imperiais e demonstrando apoio explícito em suas redes sociais, ocasionando essa associação equivocada [entre bolsonarismo e monarquia]”, explicou Nascimento.
Dentre os grupos monarquistas, existe uma diferença entre os círculos considerados conservadores e os progressistas. Segundo Nascimento, “ambos defendem o mesmo ideal monárquico, entretanto divergem na parte ideológica”.
“A instituição monárquica é conservadora tradicionalista, porém, os governos monárquicos possuem pluralidade ideológica”, defendeu Nascimento.
A princesa Letizia Ortiz, o príncipe Felipe da Espanha, o rei Juan Carlos da Espanha, a princesa Elena, a rainha Sofia, a princesa Cristina e seu marido Inaki Urdangarin, a partir da esquerda, assistem a um desfile militar em Madri
© AP Photo / Arturo Rodriguez
Os monarquistas também divergem sobre como restaurar o regime monárquico no país. Para o vereador de segundo mandato da cidade fluminense de Barra Mansa e pré-candidato a deputado estadual pelo Rio de Janeiro Marcell Castro, que se diz simpatizante do movimento monarquista, o reconhecimento da Família Real brasileira seria um passo relevante.
“Com relação à volta do regime, vejo com reticências”, disse Castro à Sputnik Brasil. “O que defendo com certeza é que a Família Imperial seja incluída no protocolo de Estado, e que a proclamação da República seja revista como um golpe de Estado, que Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto sejam considerados aquilo que foram – vilões.”
Castro também questiona algumas propostas defendidas por Dom Luiz e Dom Bertrand, como a revogação do Estado Laico no Brasil.
“Eles são radicais católicos que querem fazer novamente do Catolicismo romano a religião oficial do Estado”, notou o vereador. “Eu sou evangélico e defendo o Estado laico, e Estado laico é muito diferente de Estado ateu. Estado laico respeita as diferentes religiões sem colocar alguma como oficial.”
Visões como a de Castro procuram aliar a monarquia ao sistema democrático vigente no Brasil desde o fim da ditadura militar. A proposta de restauração monárquica colocada pela Casa Imperial brasileira em seu site oficial defende a volta do Poder moderador, a supremacia da família Orleans e Bragança e a restauração da Constituição de 1824.
O texto disponível no site sugere que o Brasil se constitua como uma “civilização cristã”, o que configuraria um Estado Confessional no qual todos os brasileiros deveriam professar a mesma fé.
Além disso, a supremacia da Família Real, através da implantação de uma Monarquia hereditária, poderia violar a ideia de igualdade de direitos defendida na Constituição de 1988, portanto ser contrária a princípios democráticos como o da isonomia.
Congresso Nacional na Inauguração da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura, 3 de fevereiro de 2021
© Jefferson Rudy
Mas talvez o ponto mais polêmico da proposta da Casa Imperial para o Brasil seja o retorno do Poder Moderador. Vigente durante o Império brasileiro, o Poder Moderador propunha-se o “fiel da balança”, que mediaria contendas entre o Legislativo, Executivo e Judiciário.
Através do Poder Moderador, o imperador brasileiro gozaria de prerrogativas como nomear e demitir livremente os ministros de Estado, dissolver a Câmara dos Deputados e sancionar ou vetar projetos de lei.
Historiadores apontam que o Poder Moderador permitia a interferência desmedida do monarca na política nacional, baseando suas decisões somente em suas opiniões e vontades pessoais.
A adoção de um Poder Moderador com capacidade de interferir nos demais poderes, destituindo líderes eleitos pelo povo, poderia ser considerada uma violação do sufrágio universal democrático.
© Folhapress / Pedro Ladeira
Por outro lado, os monarquistas ouvidos pela Sputnik Brasil foram unânimes acerca da necessidade de implementar o regime através de plebiscito democrático, e não através da força ou de eventual golpe de Estado.
O falecimento do chefe da Casa Imperial, Dom Luiz de Orleans e Bragança, veio justamente em um ano eleitoral, no qual círculos monárquicos buscam ampliar a sua participação na política nacional.
“Nosso foco principal é cada vez mais fazermos parte do jogo político através de ocupação de cargos, principalmente no Legislativo, e cada vez mais ativismo, principalmente de rua”, revelou Nascimento.
Atualmente, o Legislativo já conta com monarquistas, como o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-RJ), sobrinho de Dom Bertrand. O deputado se destaca pela defesa de pautas como o ensino domiciliar e por solicitar a inserção do ideólogo Olavo de Carvalho no livro dos heróis e heroínas da Pátria.
Outros deputados associados ao movimento monarquista são Carla Zambelli (PL-SP), Paulo Eduardo Martins (PL-PR), Delegado Waldir (PSL-GO) e Enrico Misasi (PV-SP).
© Folhapress / Bruno Santos
Nascimento acredita ser possível que o movimento monarquista eleja uma “bancada monárquica” mais extensa no Congresso Nacional em 2022.
“Temos grandes chances de eleger uma bancada maior de monarquistas, pelo grande crescimento do movimento”, concluiu Nascimento.
No dia 15 de julho, faleceu o reivindicante da chefia da Casa Imperial brasileira, Dom Luiz de Orleans e Bragança, no hospital Santa Catarina, em São Paulo. O sucessor de Dom Luiz e atual chefe da família é seu irmão, Dom Bertrand.