Falas do ministro, no entanto, foram mais amenas do que declarações do governo nos últimos dias. Haddad disse que ata veio com termos “mais condizentes”

Em tom mais ameno do que na semana passada, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta terça-feira, 28, que a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central trouxe sinais sobre a necessidade de política monetária e fiscal trabalharem em sintonia, ponto com o qual o ministro afirmou concordar.
Questionado sobre se o governo anunciará novas medidas para “ajudar” o BC, porém, Haddad afirmou que a autoridade monetária “também tem de nos ajudar”.
O BC divulgou nesta terça-feira ata completa da reunião do Copom, na qual o comitê decidiu na semana passada por manter a taxa Selic em 13,75% pela quinta reunião seguida.
“O Banco Central também tem de nos ajudar. É um organismo que tem dois braços, um ajudando o outro. Eu sempre insisto nessa tese porque dá a impressão de que um é espectador do outro, não é assim que a política econômica tem de funcionar”, disse o ministro, em fala a jornalistas no Ministério da Fazenda nesta tarde.
“São dois lados ativos, concorrendo para o mesmo propósito, mesmo objetivo, que é garantir o crescimento com baixa inflação. E isso só é possível pela harmonização da política fiscal com a monetária. E nós vamos atingir os nossos objetivos, que é fazer o país depois de dez anos voltar a crescer de maneira sustentável, esse é o desejo do presidente [Lula]”, completou Haddad, antes de encerrar a declaração sobre o BC
Na mesma entrevista, Haddad afirmou que o anúncio do novo arcabouço fiscal deve ser feito ainda nesta semana, outro tema que o Copom incluiu na ata divulgada nesta terça-feira. O comitê afirmou que a apresentação do arcabouço pode ajudar na desinflação via melhora das expectativas, embora esse resultado não seja garantido.
Ata tem termos “mais condizentes”
Haddad também avaliou nesta terça-feira que a ata do Copom, que tradicionalmente vem alguns dias depois do anúncio da Selic, veio com “termos mais condizentes” com as perspectivas de sintonia entre política monetária e fiscal.
“Da mesma forma que aconteceu com o Copom anterior, a ata, com mais tempo de preparação, veio com termos mais condizentes com as perspectivas futuras de harmonização da política fiscal com a política monetária. Que é o nosso desejo desde sempre”, disse.
Logo após o anúncio da Selic, o Copom divulga um comunicado, mais curto, e cujo tom membros do governo haviam criticado nos último dias.
Na semana passada, Haddad havia classificado o comunicado como “muito preocupante”, mencionando que foi divulgado no mesmo dia que as projeções de déficit primário do governo melhoraram e caíram para perto de 1% em 2023 devido ao plano fiscal que vinha sendo executado. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, também disse ontem que o comunicado veio “fora de tom”.
Já nesta terça-feira, Haddad disse que o governo tem feito “a parte que nos cabe”, com ajuste via receita.
“A gente fazer a parte que nos cabe, que é uma série de empresas que não pagam seus tributos, que evadem, que sonegam, então nós estamos fazendo um trabalho de combate forte à sonegação, revendo algumas desonerações que do nosso ponto de vista não se justificam”, disse o ministro. “Mas sem tirar o pobre do orçamento porque esse é o compromisso de campanha que nós tenhamos, um orçamento condizente com aquilo que o eleitorado aprovou nas eleições de 2022.”
“E que ao mesmo tempo nós venhamos a ter contas equilibradas, a partir de um conjunto de situações que não se justificam mais”, disse.
Os recados da ata do Copom
Na ata desta terça-feira, o Copom de fato pontuou que o pacote fiscal do governo ajudou a atenuar os riscos no curto prazo, em linha com o que disse Haddad, citando políticas como a reononeração dos combustíveis
“O Comitê avalia que o compromisso com a execução do pacote fiscal demonstrado pelo Ministério da Fazenda, e já identificado nas estatísticas fiscais e na reoneração dos combustíveis, atenua os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta sobre a inflação no curto prazo”, diz a ata do Copom.
O comitê falou ainda sobre o arcabouço fiscal, que, na visão dos membros, “pode levar a um processo desinflacionário mais benigno através de seu efeito no canal de expectativas”, embora tal efeito não seja garantido.
Na outra ponta, o comitê respondeu negativamente ao que chamou de “adoção de políticas parafiscais expansionistas”. O texto divulgado na ata não cita exemplos específicos, embora seja sabido que o governo discute frentes como juro menor no crédito consignado do INSS e expansão da atuação do BNDES, além de ampliação de programas sociais já debatidos no fim do ano passado, como o Bolsa Família de R$ 600 com adicional de R$ 150.
“Ao avaliar os fatores que poderiam levar à materialização de cenário alternativo caracterizado por uma taxa de juro neutra mais elevada, enfatizou-se a possível adoção de políticas parafiscais expansionistas, que têm o potencial de elevar a taxa neutra e diminuir a potência da política monetária.”
Nos mercados, a ata foi lida como reforço da sinalização de que o BC deve manter a Selic em 13,75% por mais alguns meses. O Copom afirmou que ainda há riscos pela inflação “inercial” em todo o mundo e justificou a manutenção da Selic no maior patamar desde 2016 devido às perspectivas de inflação desancoradas no médio prazo (hoje girando em torno de 4% para 2024, acima do centro da meta que o BC deve perseguir, de 3%)
O comitê reforçou que a desinflação vai requerer “paciência” e disse que a desaceleração econômica em curso no Brasil é importante para “garantir a convergência da inflação para suas metas”.
O governo vem criticando desde o começo do ano a manutenção da Selic em 13,75%, em meio aos efeitos negativos na geração de empregos e crescimento do PIB, que deve ser menor em 2023. Até a última sexta-feira, 24, a mediana da projeção dos mercados apontava para Selic em 12,75% até o final do ano, com redução de 1 ponto percentual. Muitas casas apostam, no entanto, que os cortes só devem começar no segundo semestre, a contragosto do governo.