Em retorno à pintura, o artista plástico cria narrativas fragmentadas nas quais combina esculturas e telas
É um universo bem estranho o frequentado pelo artista Antônio Carlos Elias. Ao colorido intenso das pinturas em acrílico se junta uma coleção de esculturas variadas que podem ir de um coelhinho a uma mandíbula. Combinadas, as pinturas e as esculturas constituem o que ele chama de nichos narrativos. Não há uma história clara, mas uma narrativa abstrata cheia de alusões. São associações feitas pelo artista a partir de todos os estímulos que o cercam. Pode ser uma cena em um filme, uma imagem, uma situação real na rua. Basta se sentir tocado para dar forma às observações. E ultimamente, essa forma tem adquirido novos contornos. Elias estava afastado da pintura há um tempo, por isso a curadora Renata Azambuja ficou tão surpresa quando se deparou, ainda no ateliê, com o conjunto de obras de Urômelos, coelhinhos e quimeras: trabalhos recentes de Antônio Carlos Elias.
Em cartaz no Museu dos Correios até 16 de setembro, a exposição traz obras de uma nova fase na qual as cores estão vivas e intensas e as associações com a esculturas brancas causam estranhamento. “As esculturas são meio fantasmas”, brinca o artista. “A tela é a ilusão. O que quero é inserir as pinturas no mundo e é como se as esculturas saltassem da tela.” Quando a pintura invade o espaço tridimensional, as narrativas propostas por Elias começam a tomar uma forma mais concreta.
Confeccionadas com o mesmo gesso utilizado nas próteses dentárias — o artista é dentista e pintor autodidata —, as esculturas são reproduções de criaturas que brotam na mente de Elias. Há coelhinhos, tótens, anêmonas, mãos, pernas, peixes e até coxinhas. E muita alusão ao universo da odontologia, como as raízes de dentes, presentes aqui e ali. Alguns toys industrializados também fazem parte das instalações.
São 10 nichos no total. Cada um reúne pinturas, esculturas e toys interligados por histórias nem sempre muito explícitas. “Esses nichos têm a ver com uma espécie de teatro, porque são montagens”, explica o artista. “E lá está qualquer coisa que me toca. Não faço as figuras, mas crio alguma coisa a partir delas. Não sigo escola ou tendências, faço o que quero e coloco o meu percurso de vida, então tem muita influência da ciência.” Elias também é professor do curso de odontologia da Universidade de Brasília (UnB) e a profissão sempre conviveu com a atividade da pintura, que o artista mantém há mais de três décadas.
Retomada
A pintura, aliás, estava de lado na rotina do artista desde os anos 1980. Nas décadas de 1990 e início do século 21, ele mergulhou na confecção de instalações. Agora, aos 65 anos, está de volta à tela e pincel. “Acho que é uma questão do momento de minha vida. Quando era jovem, era muito impetuoso. Hoje, estou numa fase de transição, estou aposentando e vou me dedicar apenas à arte”, avisa.
Os nichos também refletem a maneira como o artista trabalha. O processo de criação das obras é muito fragmentado e não há uma continuidade. Pedaços de imagens e cenas se enfileiram para ganhar forma em uma produção que não segue sequência ou passos. Elias pode parar de pintar um quadro no meio do processo para se dedicar a uma escultura porque, de repente, teve uma ideia. “Não consigo fazer tudo de uma vez. E acho que os nichos são uma consequência: como sou fragmentado, quebro as histórias”, avisa.
A curadora Renata Azambuja ficou muito surpresa quando descobriu os novos trabalhos de Elias. “Levei um susto, porque é algo muito diferente do que conhecia dele. Lembrava a pintura da década de 1980, mas diferente. É como se ele tivesse criado um tempo para ele. Na pintura, ele é muito preocupado com a questão técnica, mas nas esculturas, ele simplesmente vai fazendo”, analisa. Primeiro, Elias costuma fazer a tela para, em seguida, moldar os bichos no gesso. “E essas combinações são universos diferenciados que saem das pinturas”, garante Renata, que gosta identificar o trabalho de Elias como pós-pop.
Urômelos, coelhinhos e quimeras: trabalhos recentes de Antônio Carlos Elias
Curadoria: Renata Azambuja. Abertura No Museu dos Correios (Setor Comercial Sul Q. 4 Bloco A Edifício Apollo) . Visitação até 16 de setembro, de terça a sexta, das 10h às 19h, e sábados, domingos e feriados, das 14h às 18h.