Das 50 cidades mais violentas em todo o mundo, 41 estão na América Latina. Embora esse dado prove o panorama sombrio em que vive a população dessa região onde a desigualdade social e a pobreza são as regras, um fenômeno positivo vem sendo observado: há locais que estão conseguindo reduzir os seus índices de violência.
É o que mostra uma abrangente pesquisa sobre violência urbana e segurança na América Latina conduzida por pesquisadores do Instituto Igarapé, organização independente dedicada ao estudo desses temas.
A pesquisa observou políticas públicas de toda a América Latina e encontrou exemplos de ações que trouxeram resultados impressionantes que comprovam que o desenvolvimento social está intimamente ligado à redução da violência.
Entre os casos de sucesso, estão dois locais conhecidos mundialmente pela periculosidade das suas ruas: Medellín, na Colômbia, e Ciudad Juarez, no México, onde os índices de homicídios caíram 85% e 93,6% nos últimos 15 anos.
Evidentemente, esses números e conquistas dizem respeito a esses locais e não são um retrato fiel da situação interna de cada um desses países. No entanto, não deixam dúvidas de que as estratégias adotadas têm trazido avanços que podem ser aplicados em outras localidades.
Mas como isso foi possível? Segundo Robert Mugah, diretor do Igarapé, há alguns fatores que podem ser vistos como “ingredientes de sucesso” na estratégia dos municípios de combate aos crimes violentos. E isso envolve o foco nas áreas e atores mais problemáticos, a liderança sustentável entre os ciclos eleitorais e investimentos em melhoras efetivas nas condições de vida das áreas mais pobres.
“A chave é a cooperação entre governos, iniciativa privada e sociedade civil no desenvolvimento de um plano no qual se manterão firmes”, explica. “Esses resultados não são obtidos apenas reforçando policiamento, aumentando as punições ou construindo mais prisões, mas com ações preventivas”, pontua.
Medellín
Localizada na Colômbia, a cidade de Medellín conta com quase 4 milhões de habitantes e ganhou fama mundial por ter dado origem a um dos carteis de drogas mais poderosos da história, o Cartel de Medellín, e lar de um dos traficantes mais violentos, Pablo Escobar.
As mudanças no perfil da violência notadas não apenas em Medellín, mas na Colômbia como um todo, começaram a surgir no início da década de 90, quando poderes municipais passaram a ter papeis mais fortes de monitoramento das atividades policiais.
Essas reformas, aliadas a medidas incorporadas a partir dos anos 2000, foram determinantes para que Medellín conseguisse superar os altos índices de violência e incluíram ações de transparência e programa de tolerância zero com a corrupção polícia. Em 1994, por exemplo, 7 mil policiais envolvidos em casos de corrupção e abusos foram demitidos.
Mas tudo isso foi ainda combinado com uma estratégia chamada “arquitetura social”, que envolveu investimentos na recuperação de espaços públicos, especialmente nos bairros mais pobres, e a construção de escolas e bibliotecas por toda a cidade. Do lado da polícia, foi preciso apostar na mudança na forma como oficiais interagiam com a população.
Como resultado, o país hoje tem a menor taxa de homicídios registrada nos últimos 12 anos (22,8 para cada 100 mil habitantes) e Medellín conta com uma taxa de 19 para cada 100 mil habitantes. Em 2002, esse número era de 177 para cada 100 mil.
Ciudad Juarez
Outra cidade que trouxe melhoras expressivas é a mexicana Ciudad Juarez, que em 2010 ocupou o posto de cidade mais violenta do mundo e hoje sequer consta entre as primeiras 50 colocadas. É, inclusive, mais segura que cidades americanas como St. Louis e Baltimore.
Em um país como o México, onde 73% das mortes violentas estão relacionadas com o tráfico de drogas, a conquista de Juarez é impressionante. A virada, explica a pesquisa, começou em 2010, e teve como inspiração os esforços feitos anos antes em Medellín.
A iniciativa “Todo Somos Juarez” contou com a cooperação entre o governo federal, estadual e municipal e focou em diferentes pilares, do crescimento econômico ao desenvolvimento social. A sociedade civil também teve a sua participação, especialmente monitorando a implementação do programa por meio de conselhos formados para esse fim.
Após um diagnóstico social do estado da cidade, foi fixado que a prioridade do programa seria a construção de escolas, uma universidade e na recuperação dos espaços públicos. Ao todo, 74% do orçamento do programa foi destinado para áreas da saúde, educação e cultura. O restante foi usado na promoção dasegurança.
Uma desvantagem desse programa, lembra a pesquisa, é o seu alto custo. Foram gastos 180 milhões de pesos mexicanos na sua implementação, o que dificultaria a replicação desse modelo em cidades com orçamentos mais modestos, mas há inovações que podem ser observadas e adaptadas em outros contextos.
O programa teve ainda um momento de sorte: enquanto começava a ser aplicado, uma grave disputa entre o Cartel de Sinaloa, do perigoso traficante El Chapo, e o Cartel de Juarez se desenrolou, um fator que ajudou a desestabilizar a organização baseada em Ciudad Juarez.
Resultado? A taxa de mortes violentas em Ciudad Juarez caiu de 271 para 19 a cada 100 mil habitantes em apenas cinco anos.
Pior cenário
A pesquisa nota casos de sucesso em toda a América Latina. Contudo, ainda há muito o que ser feito, especialmente na região central, onde estão os países mais que enfrentam os maiores desafios como El Salvador, Guatemala e Nicarágua.
El Salvador, por exemplo, observou 6.656 homicídios intencionais só em 2015 e isso significa quase 116 mortes para cada 100 mil habitantes. Essa taxa é 17 vezes maior que a média global e mostra que o país é mais violento hoje que durante foi durante a guerra civil (1981 até 1989), quando os conflitos registravam 113 mortes para cada 100 mil habitantes.
“Por muito tempo, a América Central respondeu as instabilidades políticas e a criminalidade com ações militares e regimes penais rigorosos”, explica o pesquisador. O objetivo dessa tática era o de usar as forças de segurança na luta contra o crime. Entretanto, essas medidas repressivas falharam. “ Elas são parte do problema e não da solução”, lamenta Mugah.