Bolsonaro revoga artigo da Medida Provisória 927 que previa a suspensão dos contratos de trabalho e de salários por quatro meses, que provocou uma enxurrada de críticas. Ministro da Economia, Paulo Guedes, cita mal-entendido e má redação do texto
A Medida Provisória 927 permitindo suspender os contratos de trabalho por quatro meses gerou uma enxurrada de críticas e fez o Palácio do Planalto retroceder, numa clara demonstração de que houve uma derrapada no Executivo. “Determinei a revogação do art.18 da MP 927 que permitia a suspensão do contrato de trabalho por até 4 meses sem salário”, escreveu o presidente Jair Bolsonaro no Twitter. À noite, o Diário Oficial da União, em edição extra, publicou a MP 928 que, entre outros pontos, traz a revogação do artigo.
Anteriormente, ao comentar a MP 927, editada na noite de domingo, o chefe do Executivo disse, também pela rede social, que o governo poderia prestar auxílio aos empregados. “Esclarecemos que a referida MP, ao contrário do que espalham, resguarda ajuda possível para os empregados. Ao invés (sic) de serem demitidos, o governo entra com ajuda nos próximos 4 meses, até a volta normal das atividades do estabelecimento, sem que exista a demissão do empregado”, afirmou. No entanto, ele não deixou claro como se daria o auxílio para os empregados atingidos pela medida.
Antes de anunciar a revogação do artigo, Bolsonaro disse, na saída da residência oficial, que a MP “flexibiliza a CLT”, numa referência à Consolidação das Leis do Trabalho. Ele apontou ainda uma outra medida, que permitiria colocar funcionários de férias. “É uma maneira de preservar empregos, diminui o tempo do aviso-prévio, permite que se entre em férias agora, que é melhor do que ser demitido. Basicamente, é por aí essa nossa medida.”
Já o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco, afirmou que houve “má interpretação” a respeito do tema. “O presidente da República pediu que nós suspendêssemos esse artigo porque houve uma má interpretação. Eu acho que o presidente da República está correto, e o motivo é muito simples. As pessoas estavam entendendo que não teria nenhuma contraprestação do empregador e não é isso que estava no texto”, ressaltou. “A ideia do texto era muito clara: haveria uma contraprestação por parte do empregador, um acordo entre empregados e empregadores para que, obviamente, o empregador pagasse os custos do empregado sempre respeitando a Constituição Federal, que garante o salário mínimo para todos.”
Segundo o secretário, um novo documento será editado com a previsão de uma “contraprestação por parte do Estado” aos funcionários que tiverem seus contratos suspensos. “Diante dessa interpretação equivocada e do descasamento das medidas, que houve por conta de uma medida não ser orçamentária e a outra ser orçamentária, o presidente entendeu por bem uma revogação desse dispositivo e que nós pensássemos na próxima MP em um novo dispositivo que, aí sim, trouxesse as duas coisas em conjunto: a possibilidade de suspensão e também a contraprestação por parte do Estado”, declarou.
De acordo com Bianco, Bolsonaro pediu pressa na preparação da nova MP. “O presidente determinou celeridade. Estamos trabalhando nessa questão, como já estávamos. Mas toda medida que envolve custo e gasto depende de responsabilidade fiscal”, destacou. “Essa segunda (MP) demora um pouco mais do que as outras, mas o presidente pediu pressa, e soltaremos o quanto antes.”
Guedes
Em entrevista à Agência Estado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, também bateu na tecla da má interpretação. “Houve um mal-entendido. Começou todo mundo a bater e dizer que estão tirando do trabalhador. O presidente virou e disse: ‘Tira isso daí, está dando mais confusão do que solução’. Ele ligou para mim e perguntou. ‘PG, o que está havendo?’ Eu falei que era uma coisa boa, mas não normatizou”, contou. “Eu disse, presidente, ainda não está redondo. Ele disse: ‘Vocês arredondam e depois mandam’. Politicamente, ele fez certo. Foi uma precipitação mandar sem estar definido. A gente está querendo é evitar o pior.”
Ao ser perguntado sobre o próximo passo do governo, Guedes afirmou que haveria a anulação do artigo, como de fato ocorreu. “Mas tinha um pedaço que foi mal redigido. A gente queria proteger os trabalhadores de demissão. Faltou colocar a suplementação salarial. A ideia é fazer o que estão fazendo lá fora. Você pega um trabalhador que ganha R$ 2 mil, e a empresa não aguenta pagar. Aí, reduz à metade (o salário), cai para R$ 1 mil. O governo paga 25%. Acaba o salário caindo para 75% (do que era originalmente). A empresa paga 50%, o governo 25% e todo mundo perde um pouquinho.”
A medida provisória
Confira os principais trechos da MP 927
Teletrabalho
» Empregador pode mudar regime de trabalho presencial por trabalho a distância, sem necessidade de acordos individuais ou coletivos, avisando ao empregado com antecedência de 48 horas;
» A responsabilidade pelos equipamentos necessários para que o empregado desempenhe a função em casa deve ficar firmada em contrato;
» Caso o empregado não tenha os equipamentos necessários, o empregador poderá fornecer, ou as horas de trabalho ficam computadas como tempo à disposição do patrão;
Férias
» Empregador pode antecipar as férias do empregado, avisando-o com antecedência de 48 horas;
» As férias não podem ser em período inferior a cinco dias;
» Empregado e empregador podem negociar antecipação de férias futuras;
» O empregador pode optar em pagar o adicional de um terço das férias depois da sua concessão, até dezembro;
» O pagamento da remuneração das férias concedidas pode ser efetuado até o quinto dia útil do mês seguinte ao das férias;
» Empregador pode suspender férias ou licenças “não remuneradas dos profissionais da área de saúde ou daqueles que desempenhem funções essenciais”;
» O empregador pode dar férias coletivas sem comunicar previamente ao Ministério da Economia e aos sindicatos;
Feriados
» Empregadores podem antecipar a folga de feriados não religiosos, desde que o empregado concorde;
» Os feriados podem ser utilizados como compensação do saldo em banco de horas;
Banco de horas
» Empregador pode interromper as atividades e constituir regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual, para a compensação no prazo de até 18 meses;
Segurança e saúde no trabalho
» Suspensa a obrigatoriedade de fazer exame ocupacional, exceto os demissionais;
» Exame demissional poderá ser dispensado caso o exame médico ocupacional mais recente tenha sido realizado há menos de 180 dias;
Direcionamento do trabalhador para qualificação (REVOGADO POR BOLSONARO)
» Contrato de trabalho poderá ser suspenso por até quatro meses, com suspensão de salário. Alteração será registrada na carteira de trabalho. A suspensão não dependerá de acordo ou convenção coletiva, podendo ser acordada individualmente;
» O patrão poderá dar ao empregado ajuda mensal durante o período;
» O empregado participará de curso ou programa de qualificação profissional não presencial oferecido pelo empregador;
» Se não houver curso ou programa de qualificação, ou o empregado permanecer trabalhando para o empregador, a suspensão ficará descaracterizada;
FGTS
» Empregadores não precisarão pagar FGTS dos meses de março a maio (com vencimento em abril, maio e junho de 2020);
» O recolhimento poderá ser feito a partir de julho, em até seis parcelas;
» Assim, os trabalhadores que poderiam fazer o resgate, não poderão nesse período.