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Endometriose: a doença que afeta 7 milhões de mulheres no Brasil

A doença é apontada por especialistas como a principal causa de infertilidade. Na luta por um diagnóstico, muitas de nós chegam a sofrer anos sem saber

Quando a advogada Cristiane Sampaio, 34 anos, de Salvador, desmaiou durante um expediente de trabalho, foi levada ao hospital e, devido às reclamações de dores no abdômen, foi submetida a um ultrassom. Logo depois, recebeu a notícia de que estava grávida. Mas ela sabia que havia algo errado naquele diagnóstico, pois seus únicos sintomas, além das dores, eram um inchaço incômodo no abdômen e TPM. Então insistiu que houvesse uma investigação mais aprofundada de sua condição.

Resultado: o “bebê” que os médicos acharam ter visto no ultrassom, na verdade, eram dois cistos na região do útero, um do tamanho de uma manga e outro de uma laranja. Já o desmaio foi provocado pela imensa dor. E foi assim que a advogada descobriu sofrer de endometriose.

A doença ocorre quando o endométrio, tecido que recobre a face interna do útero, aparece fora da cavidade uterina e pode se instalar na parte de trás do útero, nos ovários e no abdômen, causando cólicas fortes. “Em casos mais graves, é capaz ainda de afetar outros órgãos, como a bexiga ou o intestino”, afirma a ginecologista Rosa Neme, do Centro de Endometriose São Paulo. A endometriose afeta cerca de 7 milhões de mulheres em fase reprodutiva no Brasil e é apontada como a principal causa de in fertilidade no sexo feminino, segundo dados da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Contudo, pouco se fala sobre ela nos consultórios médicos.

SENTIR DORES NÃO É NORMAL

Cólicas menstruais incapacitantes, como as que Cristiane sentia desde sua menarca, são sinais de alerta. Mas não era isso que ela ouvia dos médicos quando buscava ajuda, desde a adolescência. Como consequência, precisou desmaiar de dor e lutar por um diagnóstico correto.

A demora enfrentada por Cristiane é mais comum do que deveria. Quando o assunto é endometriose, cada mulher pode ter experiências e tratamentos diferentes, mas há sempre um fator em comum: anos de sofrimento até descobrirem o que há de errado com elas. “O diagnóstico da doença pode levar até sete anos — e não porque os exames sejam lentos, mas porque o problema começa ainda nos consultórios”, afirma o ginecologista Patrick Bellelis, diretor executivo da Sociedade Brasileira de Endometriose (SBE) e membro do Conselho Nacional de Endometriose da Febrasgo.

ATENDIMENTO HUMANIZADO

Há um problema de desvalorização dos sintomas das pacientes, especialmente considerando que o principal deles são fortes dores no período menstrual, o que, culturalmente, acredita-se que as mulheres são predestinadas a tal fardo. “A endometriose é uma doença primeiramente descrita no começo do século passado, ou seja, de conhecimento recente. Então a cultura anterior a isso é de que as mulheres já tinham cólicas menstruais dolorosas e isso foi passado de geração para geração”, afirma Bellelis. Isso faz com que muitos médicos diminuam ou até ignorem as reclamações de suas pacientes.

A comerciante baiana Vandinalva Brandão, 38 anos, que o diga. Ela precisou abandonar o negócio que mantinha com a mãe, a venda de acarajé nas ruas de Salvador, por não resistir às dores. Contudo, ginecologistas com quem se consultava acreditavam que ela estava exagerando ou imaginando coisas. “Uma vez um médico me disse que eu tinha que aprender a viver com a dor. Cheguei a pensar que estava ficando louca”, diz. Muitas mulheres aceitam esse tipo de afirmação e deixam de insistir na investigação sobre suas dores, uma vez que já ouviram dos médicos que são “normais”. Outras têm esse sintoma mascarado pelo efeito de contraceptivos e seguem com o medicamento sem saber que têm a doença. Esses fatores também colaboram para o atraso do diagnóstico.

A atenção aos sintomas descritos pela mulher pode dar indicativos para a realização de exames específicos. “O mais preciso é a ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal, mas ele acaba sendo descartado por especialistas pela falta de profissionais em laboratórios e na rede pública de saúde aptos a buscar por focos de endometriose”, diz Rosa Neme. A solução é optar pela ressonância magnética. “Indicada principalmente às mulheres que nunca tiveram relações sexuais, é um exame usado em uma escala maior, pela facilidade de acesso”, completa a ginecologista. Ela defende que uma primeira consulta bem-feita pode ser determinante para o diagnóstico e que os médicos precisam pensar na hipótese de endometriose desde o início da investigação.

SEM CENSURA

Se o diagnóstico de Cristiane tivesse ocorrido mais cedo, boa parte de seu cansativo tratamento, que já acumula quatro cirurgias, poderia ter sido evitado. Agora, ela inicia uma nova jornada, desta vez para conseguir engravidar — o que envolve voltar a sentir dores e mais uma cirurgia. “Tive que suspender o anticoncepcional, que segurava as dores, para tentar engravidar naturalmente, mas não consegui. Então me preparo para a quinta cirurgia, cujo objetivo é remover os focos de endometriose nas trompas”, diz a advogada.

Cristiane e Vandinalva estão entre as mais de 10 mil mulheres que procuram apoio no grupo “Endometriose sem Censura” no Facebook, um espaço seguro para compartilhar experiências, medos e anseios em torno da doença. Ele foi criado pela personal trainer Ariane Steffen Pellis, 43 anos, de Barueri (SP), após ser banida de outros grupos por falar abertamente sobre fluxo, sangue, dores para evacuar ou outros problemas que vêm com a doença. Nessa comunidade virtual, ela expõe todos os tipos de dúvida e lê as novas publicações, que chegam diariamente, uma a uma, para garantir a segurança das participantes e também que todas sejam respondidas.

Para Ariane, o recato ao falar sobre menstruação e endometriose é um problema cultural que pode se estender até às consultas médicas. “Muitas contam ali o que não têm coragem de falar aos médicos, principalmente quando são homens e menosprezam suas dores”, diz. A inibição vai embora uma vez que as mulheres encontram um espaço de normalização de seus problemas. Entre as conversas, encontram conselhos: “Sempre digo para elas não pararem de buscar o diagnóstico. Essa dor é real e não podemos desistir de nós mesmas”, diz Ariane.

O principal indicativo da doença no caso de Ariane era a dificuldade para engravidar. De acordo com Bellelis, 40% das pacientes com endometriose apresentam esse sintoma. Ela lutou quase três anos até conseguir gerar sua filha e, durante a cesariana, descobrir que tinha algo de errado em seu corpo. Mas era o fim dos anos 90 e os médicos ainda não tinham um nome para o problema. Alguns anos e muitas idas ao ginecologista depois, ela descobriu que não poderia ter outros filhos por causa de uma tal de endometriose. Hoje o cenário é mais positivo. “Os trabalhos científicos dos anos 90 e início dos anos 2000 mostravam uma taxa de recidiva de até 50%. No entanto, com a melhora da técnica cirúrgica e do material utilizado, essa probabilidade agora é de menos de 10%.”

NÃO HÁ CURA. MAS HÁ TRATAMENTO

Há dois tipos de tratamento para a endometriose: o clínico e o cirúrgico. O primeiro consiste em uma agenda multidisciplinar, que inclui um anticoncepcional, para ajudar com as dores, e  o envolvimento de médicos especialistas em outros órgãos, dependendo da especificidade do caso. “É muito complicado determinar um período ou padrão de tratamento, porque existem diversos cenários: se a paciente é muito jovem e não possui filhos, por exemplo, iniciaria com anticoncepcionais e, se controlar a dor e a doença não crescer, assim se manteria até que ela tenha desejo reprodutivo. Se a paciente já tiver filhos, o período de tratamento hormonal pode ser indefinido”, afirma Bellelis. Contudo, o foco inicial é livrar a mulher das dores e lhe devolver a qualidade de vida. Na média, o tempo mais adequado para esperar o efeito do tratamento é de até seis meses. Na falha do tratamento clínico, o ideal é passar para o cirúrgico.

Em casos mais graves, a cirurgia pode surgir como a primeira opção de tratamento e consiste na retirada direta de focos de endometriose que não possam ser tratados com medicamentos. A partir disso, é preciso voltar à opção do acompanhamento clínico por causa de um possível retorno da doença, ainda que as chances sejam pequenas. Seria a solução para o caso de Vandinalva, que descobriu da pior maneira que não estava louca. Uma crise a levou ao hospital para uma cirurgia de emergência, mas tudo o que os médicos fizeram foi medicar seus ovários inflamados e mandá-la para casa sem diagnóstico, como se o problema estivesse resolvido. Mas não estava. As dores dela só pioraram e, depois de mais idas ao hospital, uma ressonância revelou a endometriose. Mas Vandinalva não pode arcar com os custos da cirurgia — que pode chegar a custar 50 mil reais, dependendo do profissional e da extensão da doença.

Para ela, os dois filhos, resultado de duas gestações difíceis, já representam vitórias contra a endometriose. Antes mesmo de saber que portava a doença, perdeu o primeiro bebê e lutou para manter as duas gestações seguintes. Três anos depois do diagnóstico, ela ainda precisa lidar com cólicas dolorosas, pois depende das listas de espera do Sistema Único de Saúde (SUS) para dar continuidade ao tratamento. “Eu quero estar saudável, preciso estar saudável, por eles. Para cuidar da minha família”, afirma a comerciante.

Tratamentos trazem melhores expectativas sobre qualidade de vida e até o combate à infertilidade. Trata-se de uma doença crônica sem cura, que exige acompanhamento constante. “Mas isso não significa que não pode haver um controle. Em alguns casos, o tratamento pode até resultar em gravidez”, afirma Bellelis.

OS 6 D´S

Conheça os sintomas mais comuns da endometriose. Se seu corpo estiver sinalizando um ou mais destes problemas, procure um médico

  • Dismenorreia: cólicas menstruais
  • Dor pélvica crônica acíclica: dor que acontece fora do período menstrual
  • Dispareunia de profundidade: dor no ato sexual
  • Dificuldade para engravidar
  • Disúria e hematúria: dor ou sangramento ao urinar
  • Disquesia ou hematoquezia: dor ou sangue ao evacuar
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