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Decisões de Kassio explicam irritação de evangélicos com indicação ao STF

Indicação do desembargador Kassio Marques para uma cadeira no Supremo abre uma crise com os líderes religiosos com Bolsonaro por ser considerada um “retrocesso” em temas fundamentais para os cristãos. Presidente promete que próxima vaga será de um evangélico

(crédito: Ramon Pereira/Ascom-TRF1)

De um dia para o outro, o presidente Jair Bolsonaro viu mudar o prestígio entre os evangélicos. Tão bem quisto por esse grupo religioso, que o apoia desde as eleições de 2018, o presidente se tornou alvo de críticas e passou a ser chamado de “traidor” depois de ter indicado para o Supremo Tribunal Federal (STF) o desembargador Kassio Nunes Marques, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). O ataque foi uma reação ao fato de Bolsonaro não ter cumprido com a promessa de escolher um nome “terrivelmente evangélico” para ocupar uma cadeira na Suprema Corte, mas também representa um receio do segmento de que o presidente esteja deixando de lado temas fundamentais para os cristãos, dentre eles a defesa do conservadorismo e a criminalização do aborto.

Na visão de algumas lideranças evangélicas, a nomeação de Kassio significa um retrocesso para as questões que envolvem os interesses da religião. Desde que Bolsonaro anunciou a escolha pelo desembargador, o passado de Kassio foi minimamente analisado e, entre as descobertas, foi revelado que em sua tese de mestrado, cujo tema foi a Concretização judicial do direito à saúde, Kassio citou a legalização do aborto nos Estados Unidos e não fez ressalvas à prática. No mesmo documento acadêmico, o candidato ao STF defendeu que o Judiciário pode ser acionado para fazer frente a maioria conservadora.

Em outra publicação, desta vez em uma edição de 2014 da revista do TRF-1, o desembargador trata sobre o salário-maternidade às índias Maxakali, de Minas Gerais. Além de ser a favor que elas tenham direito ao benefício previdenciário antes dos 16 anos, Kassio não mostra objeções quanto à cultura do grupo indígena que defende uma precoce iniciação sexual das adolescentes Maxakali, a partir dos 13 anos, e que elas tenham relações com vários índios para facilitar a gestação.

Por mais que Bolsonaro tenha dito em alguns eventos públicos e em transmissões nas suas redes sociais que o escolhido para a Suprema Corte é contra o aborto e que ele defende a família, o posicionamento do presidente não tem sido o suficiente para acalmar a classe evangélica, que espera explicações e posicionamentos do próprio desembargador sobre esses assuntos. Kassio terá a oportunidade de se posicionar no próximo dia 21, quando será sabatinado pelo Senado.

Um dos principais líderes evangélicos do país, o pastor Silas Malafaia, presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, tem sido o maior crítico da indicação do magistrado ao STF. Nas últimas semanas, o pastor usou as suas páginas na internet quase que diariamente para reclamar de Bolsonaro e de Kassio.

Amigo do presidente, o religioso disse ser “aliado, mas não alienado do presidente”. Ele tem pedido que Bolsonaro reconsidere a indicação, e até entregou uma lista tríplice ao mandatário com os nomes de magistrados “terrivelmente evangélicos” que poderiam assumir a vaga de Celso de Mello: o ex-desembargador eleitoral Jackson di Domenico; o procurador de Justiça José Eduardo Sabo Paes; e o juiz federal William Douglas. “O senhor não pode errar em um cargo vitalício. O que está em jogo é aquilo que nós cremos”, ponderou Malafaia, em vídeo.

O fato de Kassio ter sido indicado ao TRF-1 pela ex-presidente Dilma Rousseff e o “aval” de rivais de Bolsonaro à nomeação dele para o Supremo, como o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, alimentaram ainda mais a insatisfação de Malafaia e de outros evangélicos, que taxaram o mandatário de “petista”. Além disso, as incongruências no currículo do desembargador, como a de que ele teria cometido plágio em sua tese de mestrado e a de que não teria concluído uma pós-graduação na Espanha — o que fez Kassio corrigir o título no currículo de “postgrado” para “curso” —, também revoltaram os apoiadores de Bolsonaro.

“Os eleitores de Bolsonaro estavam esperando um camarada preparado juridicamente, mas, como o presidente gosta de citar, terrivelmente de direita. Agora, pasmem: o presidente virou cabo eleitoral e advogado de indicado do STF. Nem os presidentes petistas foram advogados de indicados. A biografia do indicado é que lhe defende. O presidente não pode descer esse nível, é ridículo. O cara que seja aprovado ou reprovado pela sua história, e não por defesas do presidente”, reclamou Malafaia.

Interesses pessoais

Os aliados do presidente já vinham inconformados com Bolsonaro desde que ele passou a se aproximar dos partidos do Centrão no Congresso em busca de uma maior sobrevivência política. Juntando isso e a indicação de Kassio ao STF, a avaliação é a de que o presidente quer livrar a própria pele e a da sua família, visto que ele é investigado por suposta interferência política na Polícia Federal e vê o nome do filho e senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) atrelado a um suposto esquema de corrupção quando era deputado estadual no Rio de Janeiro.

“É indefensável esta indicação, que tem as digitais, sim, do Centrão, que representa realmente essa política da troca de favores, de barganha, que está sempre ao lado do poder. Então, parece que outros interesses estão motivando isso tudo, não sei se para proteger familiares. Há alguma coisa nesse sentido. A esperança de todo um povo está sendo colocada de lado”, reclamou o senador Eduardo Girão (Podemos-CE).

Para o parlamentar, a escolha de Bolsonaro é uma afronta ao combate à corrupção e à prisão após condenação em segunda instância, visto que Kassio é tido como um magistrado “garantista”, que prioriza as garantias dos réus. “É uma frustração para os conservadores do Brasil e das pessoas que querem uma política com mais ética. As suas decisões (do Kassio), a sua vida não nos aponta com esperança de que nós vamos ter o início de um novo momento no STF. É um grande equívoco do presidente e nós vamos ter que passar 27 anos com essa decisão, que não poderia ser, jamais, negociada. Princípios e valores não se negociam”, acrescentou Girão.

Defesa

Apesar da pressão, alguns apoiadores do presidente adotaram uma linha mais moderada diante da nomeação de Kassio para o STF. O deputado Pastor Eurico (Patriota-PE) disse respeitar a indicação de Bolsonaro e comentou que ele tem “competência para saber o que está fazendo”. Para o parlamentar, as críticas que o presidente tem sofrido são injustas e algumas pessoas exageraram.

“O presidente merece respeito, consideração e credibilidade. Se eu discordar de alguma coisa, eu vou dizer diretamente ao presidente. Não vou sair jogando farpas à toa, não é por aí que se trabalha. Eu acho que devemos ter um pouco mais de cautela em nossos pronunciamentos. Estamos vivendo um momento muito intempestivo. O presidente apanha para dormir e acorda para apanhar”, comentou.

Vice-líder do governo no Congresso, o deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP) opinou que a escolha de Bolsonaro foi “a melhor para a sua administração e para a administração do país nesse momento”.

“Eu confio no presidente Bolsonaro. Por isso, confio também na escolha. Numa rápida olhada no seu currículo (de Kassio), nota-se o seu extenso trabalho junto ao Judiciário federal. O fato de ele ter sido nomeado desembargador para o TRF-1 por outro presidente não desabona. Se ele passar pelo crivo do Senado, estará apto a ser ministro do STF”, afirmou.

Aglomeração em praia no Guarujá

 (crédito: Reprodução)
crédito: Reprodução

No mesmo fim de semana em que o Brasil ultrapassou a marca de 150 mil mortes provocadas pela covid-19, o presidente Jair Bolsonaro provocou aglomeração, na manhã de ontem, em uma praia do Guarujá (SP), onde passa o feriado de Nossa Senhora Aparecida. Sem usar máscara e desrespeitando o isolamento social, o presidente foi cercado por dezenas de banhistas, que se juntaram para tirar selfies com ele. Bolsonaro também pegou uma criança no colo, conforme vídeo publicado em suas redes sociais. Os apoiadores também estavam sem máscara, embora o uso da proteção facial seja obrigatório no estado de São Paulo, desde maio, como medida de proteção contra o novo coronavírus. Usando um colete salva-vidas com a inscrição “presidente Bolsonaro” na parte de trás, o chefe do governo deixou o Forte dos Andradas, no Guarujá, de moto aquática para almoçar na Praia Grande. Mais cedo, o presidente postou uma foto usando uma camisa do Avaí ao lado da filha mais nova, Laura. Ele chegou a São Paulo na sexta-feira para passar o feriado, segundo informou o Palácio do Planalto.

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