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Coronavírus: estudo avalia uso precoce de hidroxicloroquina e azitromicina

O experimento, conduzido pela Prevent Senior, indica uma redução no número de internações por coronavírus. Mas cientistas criticam a qualidade da pesquisa

A hidroxicloroquina está gerando furor na mídia. (Foto: Dercilio/SAÚDE é Vital)

Há tempos, a Prevent Senior anunciou que realizaria uma pesquisa sobre o uso conjunto dos remédios hidroxicloroquina e azitromicina nos primeiros dias de sintomas após a infecção do novo coronavírus (Sars-CoV-2). Os resultados acabaram de sair e indicam uma redução na necessidade de internações após esse tratamento.

Mas a metodologia do estudo recebeu duras críticas de dois cientistas ouvidos por SAÚDE. De acordo com ambos, os resultados apontados não são confiáveis e não devem ser utilizados como argumento para utilizar essa combinação contra a Covid-19.

Um resumo do estudo em si

Pacientes atendidos pela Prevent Senior que estavam em casa, mas apresentavam há mais de três dias sintomas suspeitos da Covid-19, a doença causada pelo coronavírus, foram convidados a participar do experimento. No total, 636 voluntários, com média de 62 anos de idade, aceitaram.

O combo hidroxicloroquina e azitromicina foi oferecido a todos: 412 toparam receber o tratamento em casa, enquanto 224 se recusaram. Todos foram acompanhados diariamente por telemedicina.

Resultado: 1,9% do grupo que tomou os comprimidos necessitou de internação, contra 5,4% do que não os engoliu (um número 2,8 vezes maior). Os benefícios seriam maiores quando os participantes iniciavam o tratamento antes do sétimo dia do surgimento dos sintomas.

“Nesse primeiro momento, nos concentramos no efeito sobre a taxa de hospitalização por entendermos que esse é um grande problema do coronavírus. Isso porque ele leva um número considerável de pessoas ao hospital, o que pode sobrecarregar os sistemas de saúde”, defende o médico Pedro Benedito Batista Junior, diretor-executivo da Prevent Senior. “Um tratamento que reduza esse índice ajudaria muito no combate à pandemia”, arremata.

O estudo ainda não foi publicado em um periódico científico. Isso significa que não passou por uma avaliação técnica de outros especialistas, que poderiam apontar limitações, erros e ajustes.

Durante a pandemia atual, está se tornando mais comum ver a divulgação de pesquisas antes dessa sabatina científica, assim por dizer. Daí porque pedimos a dois pesquisadores independentes avaliarem o artigo publicado pelo time da Prevent Senior.

A questão do diagnóstico de coronavírus

Os voluntários recrutados, por mais que apresentassem sintomas como tosse, febre e cansaço, não foram submetidos a exames moleculares que confirmam a presença do Sars-CoV-2. “Atamento dividem aleatoriamente os participantes entre o grupo submetidos aos medicamentos e os que servem de controle. Já na investigação da Prevent Senior, os próprios voluntários escolheram o grupo em que desejavam estar.

“Isso gera um viés. A pessoa pode ter escolhido tomar o remédio porque acredita muito nele. E o efeito placebo tem poder”, afirma Natalia. Ela ainda lembra que a repercussão na mídia sobre a hidroxicloroquina e a azitromicina é enorme, o que contribuiria para o efeito placebo.

Além disso, o voluntário talvez tenha aceitado receber o tratamento por apresentar sintomas um pouco mais intensos ou prolongados — ele estaria mais disposto a testar um fármaco sem comprovação científica para evitar uma internação.

“Mas a presença de mais sintomas poderia significar que o coronavírus tenha infectado esse indivíduo há mais tempo e, portanto, estaria mais perto de ser eliminado pelo seu organismo”, complementa. Se fosse o caso, ele teria uma chance maior de não ser internado, porque seu corpo já haveria passado a fase crítica da infecção.

Em outras palavras, a forma de recrutamento dos voluntários e o fato de eles escolherem qual estratégia seguir levantam dúvidas sobre a confiabilidade do resultado da pesquisa.

De acordo com Natalia, seria possível resolver essas limitações fazendo uma divisão aleatória entre os grupos e oferecendo um tratamento placebo para uma turma, sem que nenhum voluntário saiba o que está tomando e nenhum médico saiba quem recebeu e quem não recebeu a hidroxicloroquina e a azitromicina.

Há trabalhos assim sendo feitos nesse momento. “Mas nós queremos oferecer respostas mais rápidas à população com esse artigo”, argumenta Rodrigo Barbosa Esper, médico que liderou a pesquisa da Prevent Senior. Ele afirma que o seu próprio time está participando de levantamentos mais robustos.

O virologista Paulo Brandão também criticou a grande diferença no número de pessoas em cada grupo — 65% dos voluntários receberam a medicação. “Imensas discrepâncias nesse sentido diminuem a confiança nos testes”, aponta.

Esper responde: “Nós não queríamos excluir do estudo as pessoas que tomaram o tratamento por uma questão metodológica e para não sermos criticados por selecionar ativamente os escolhidos”.

De acordo com Natalia, uma solução seria sortear, entre os tratados, quem seria considerado e quem não seria considerado para a pesquisa. Isso eliminaria a necessidade de uma escolha ativa dos pesquisadores, ao mesmo tempo em que equipararia o número de participantes em cada turma.

A questão do benefício decorrente do tratamento

O trabalho indica uma redução no número de internações em pessoas com suspeita de infecção pelo coronavírus. “Mas não sabemos o que acontece dali em diante”, ressalta Natalia. Em outras palavras, a pessoa pode ter entrado em um dia no hospital e saído no outro. Ou ter sido entubada. Ou, infelizmente, morrido. Conhecer essas informações ajudaria a verificar o real efeito de tomar hidroxicloroquina e azitromicina.

A presidente do Instituto Questão de Ciência afirma também que, como os médicos sabiam quem recebia as medicações, poderiam tender a acreditar que esses indivíduos estariam mais protegidos das complicações da Covid-19. E, com isso, solicitariam menos internações. Virando o lado da mesma moeda, os profissionais também poderiam pedir mais hospitalizações ao grupo que não ingeriu as drogas.

“Nós temos uma indicação clara para quando internar os pacientes”, defende-se Esper. No artigo, são citados dois critérios: saturação de oxigênio abaixo de 90% e piora geral da condição de saúde (não há mais detalhes sobre esse critério).

Já Paulo Brandão discordou do trecho em que o artigo da Prevent Senior alega que não foram encontrados efeitos colaterais sérios. “Em 16,5% dos casos tratados, observou-se diarreia. Idosos debilitados com esse problema podem desidratar rapidamente”, aponta.

A hidroxicloroquina, em comparação com a cloroquina, de fato apresenta menos reações adversas no uso prolongado. Daí porque pessoas com doenças crônicas, como lúpus, recorrem e ela, e não à cloroquina. “Mas mesmo a hidroxicloroquina pode gerar arritmias cardíacas, o que deve ser considerado”, complementa Natalia.

Além dessa pesquisa, outras tantas vêm sendo conduzidas para testar a efetividade e a segurança de vários tratamentos tidos como promissores contra o coronavírus. Ainda não há um estudo que comprove o potencial da hidroxicloroquina e da azitromicina, seja em pacientes que estão começando a apresentar sintomas ou naqueles com casos graves. O próprio artigo da Prevent Senior conclui: “Ainda não há estudos randomizados, duplo-cegos e com controle de placebo que provam a efetividade dessas drogas no tratamento da Covid-19”.

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