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Como ser feliz? Cineasta busca por respostas em novo documentário

O fotógrafo e documentarista Yann Arthus Bertrand (Heitor Feitosa/VEJA.com)
O fotógrafo e documentarista Yann Arthus Bertrand (Heitor Feitosa/VEJA.com)

Famoso pelo filme “Terra”, de questões ambientais, o também ativista francês agora aborda os maiores dilemas do homem em “Humano – Uma viagem pela vida”

O fotógrafo, cineasta e ativista ambiental Yann Arthus-Bertrand falou a VEJA sobre o seu novo filme “Humano – Uma viagem pela vida”, que estreia, comercialmente, em 6 de outubro. Trata-se do primeiro longa-metragem da história a ter sido exibido no prestigiado Salão da Assembleia Geral das Nações Unidas – com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, na plateia. Nele, Yann e sua equipe procuraram por respostas para questões como amor, ódio e o sentido da vida em mais de 2 mil entrevistas realizadas em 60 países, incluindo com celebridades, chefes de Estado e bilionários (mas também com os mais pobres, moradores de favelas…). No longa, a ambição é enorme: chegar a uma fórmula que explique o que faz um indivíduo feliz.

O filme discursa sobre a busca pela felicidade, pelo sentido da vida, dentre outras questões essenciais ao ser humano, mas que seguem praticamente sem resoluções, de tão etéreas que são. Ao mesmo tempo, defende que as pessoas que parecem mais felizes são as que têm as respostas mais simples para tais perguntas. O senhor acha que nós tornamos a felicidade algo muito difícil de ser alcançado? A sua pergunta pode ser respondida pela fala do ex-presidente do Uruguai, José Mujica, que destaquei no filme. Ele reflete acerca da sociedade do consumo, dizendo que ou você é feliz com pouco, ou não consegue nada. Isso não é apologia da pobreza, mas de sobriedade. Quando você compra algo, não paga com dinheiro, mas com tempo de vida, segundo ele. E é engraçado porque todo mundo sabe que ele está certo, todo mundo diz isso, mas nós não mudamos. A sociedade é baseada em bens. Nós sempre queremos mais, mais e mais. É difícil alguém parar e dizer que já é suficientemente rico. Isso seria alcançar um tipo de felicidade.

Só que quando alguém abdica de tudo isso é visto como louco… Sim, porque seguir essa linha é negar a base desta sociedade. Muitos países têm muito, enquanto outros não têm o suficiente. Mesmo assim, a humanidade não consegue olhar para essa situação e dizer que não precisa consumir mais.

Sua concepção de felicidade mudou depois do filme? Eu amaria morrer com um sorriso. Talvez a resposta para a felicidade seja aceitar o que você fez, o que você é e ter fé nas suas convicções. Porém, na prática, muitos deixam de realizar algo assim por se ater a afirmar o quanto esse algo é difícil de ser alcançado. Eu, por exemplo, demorei 15 anos para me tornar vegetariano, mesmo sabendo, muito antes, que esse era o meu desejo. Por que não tomei essa decisão mais rápido? Não sei. Talvez por achar que era difícil tomar a decisão. Só a ideia da transformação acabava por me travar.

A humanidade caminha para um futuro de felicidade? Não quero ser pessimista, mas é a primeira vez que o nosso futuro é incerto. Antes sabíamos se seria bom ou ruim. Hoje, é um mistério. E o pior é que temos a ciência de que a Terra pode não sobreviver aos nossos impactos, como a incessante emissão de gases de efeito estufa pelo homem, mas não fazemos muito para mudar. Quando nasci, éramos 2 bilhões os seres humanos. Agora, somos 7 bilhões. Por um lado é incrível e isso só pôde acontecer porque avançamos em alguns sentidos, diminuindo a mortalidade, por exemplo. Por outro lado, ainda lutamos como na Idade Média. Veja a situação da Palestina e de Israel, ou a da Síria. E não é só o outro que está fazendo isso, sou eu mesmo. A humanidade é parte de todo esse sofrimento e eu fico tentando entender o porquê de tanto ódio.

Para entender isso é que o senhor entrevistou também terroristas, assim como com suas vítimas, no filme? É difícil de compreender o ódio quando você não o tem na sua vida. Eu sou sortudo, não o tenho. O ódio faz com que você não pense, com que feche seus olhos, seu cérebro e seu coração. Nesse caminho, todo mundo pode se tornar sua pior versão. Olhe para o que ocorreu na Alemanha, na Ruanda, no Camboja… de repente tudo muda e você pode estar matando seu vizinho. A humanidade tem que entender isso para compreender o outro. No filme, temos veteranos de guerra que falam que adoram matar. Assustado com isso? O fato é que há um sentimento assim dentro de todos nós.

Vivemos em um cenário político complicado no Brasil e as opiniões estão bastante polarizadas. O senhor acredita que a nossa sociedade, como um todo, está desenvolvendo opiniões cada vez mais radicais? Isso é um impedimento na busca pela felicidade? Acontece a mesma coisa na França. A democracia traz o melhor e o pior de uma sociedade. Nós temos o governo que merecemos. Essa política que odiamos é um reflexo de nós mesmos. Aceitamos a corrupção e tantas outras coisas erradas. Contudo, não lidamos com quem pensa de forma diferente. Em relação ao Brasil, admito que fiquei muito surpreso com a Dilma envolvida nesses escândalos porque sempre a julguei como uma boa pessoa. E todo esse processo de tirar um presidente não é nada bom para um país.

O que o senhor acha do rumo que a política está trilhando no mundo? Tenho 70 anos e preciso aceitar algumas coisas com as quais não concordo. Afinal, a realidade é que já não possuo muito tempo para curtir esse mundo e continuar no combate. Entretanto, minha mensagem é a de que precisamos de jovens na política, de pessoas com convicção e idealismo e, principalmente, com ética para nos representar.

O senhor menciona que teve que fazer algumas escolhas políticas no filme. Quais foram elas? Inevitável. Quando se fala sobre temas como pobreza, é necessário explicar o porquê dela existir, o porquê de hoje 70% das pessoas mais pobres serem agricultores, o porquê dessa lacuna entre ricos e pobres. Ou por que existe homofobia. Eu não poderia deixar de abordar essas e outras questões que são, fundamentalmente, políticas.

A entrevista com o José Mujica tem algo a ver com essa escolha política? Eu o conheço há muito tempo e queria que ele participasse do filme. Também queria o Bill Gates e consegui, mas não foi tão bom para o que eu pretendia. Eu acho incrível o que ele, o Gates, faz, de dar todo esse dinheiro para causas sociais, mas é muito difícil para essas pessoas públicas dizerem algo do coração. Com o Ban Ki-moon foi a mesma coisa. Eu admiro muito os dois, mas eles raramente falam algo realmente sincero em entrevistas. Com o Mujica é diferente, o discurso dele é muito forte e verdadeiro. Ele continua vivendo em uma pequena fazenda, tem um carro barato… isso nos faz acreditar nesse cara. É incrível encontrar pessoas assim e poder usá-las no filme.

O documentário aborda ainda a crise dos refugiados. Como o senhor avalia a forma como o mundo está lidando com isso? Quem vive no Sudão, na Eritreia e na Etiópia, não tem escolha. Eles não têm trabalho, educação e nem futuro. Essa crise vai mudar completamente a nossa civilização, principalmente na Europa. É impossível pará-la, já que a causa está no país de origem dessas pessoas. Eu não tenho a solução, mas acho que a decisão da Merkel (Angela Merkel, chanceler alemã) de abrir as portas de seu país foi incrível. Mesmo que isso venha a ter custos para os locais.

Por que o senhor optou por realizar a maior parte das imagens pelo ponto de vista aéreo? Quando se sobrevoa um país, entende-se melhor sua distribuição, como onde se localizam as áreas pobres e as ricas. Trata-se de uma maneira de visualizar as reais disparidades de uma nação. Além disso, amo admirar a geografia, as cores, as construções. Quis transmitir isso ao espectador.

É para alimentar o ego, também, que o senhor faz esse tipo de trabalho? É uma mistura de ego com vontade de deixar algo relevante para o mundo. Nas últimas cenas do filme tem um garoto do Congo que vive nas ruas da capital de Kinshasa e diz algo muito bonito. Perguntamos a ele qual é o sentido da vida. A resposta: ele tem certeza que Deus reservou uma missão a ele, só faltava encontrá-la. Esse era o sentido da vida para o menino. E acho que ele está completamente certo. Todos temos uma missão no planeta, que se resume a melhorar o planeta em que vivemos. Você pode fazer isso sendo um arquiteto, um motorista de táxi… o importante é que se essa é a sua missão, faça-a bem e com felicidade. Talvez a minha seja criar filmes. Sou muito sortudo por ter esse trabalho.

É assim que se alcança a felicidade, tornando-se parte de algo importante para a humanidade? Estamos todos procurando a tal felicidade. Eu amaria ser feliz com o que tenho e com o que construí, mas não posso dizer que sou o tempo todo alegre. E tenho que aceitar isso. Acho que procurar pela felicidade e acreditar que ela existe é o que nos faz seguir em frente.

O filme fala muito sobre o amor. Não é clichê recorrer ao amor como a ferramenta que salvará o mundo? A realidade é que é difícil para o ser humano aceitar que tem que amar o diferente. Mesmo que isso seja óbvio. Temos que colocar o bem da humanidade acima dos nossos medos de perder, por exemplo, o emprego e o conforto. As pessoas mais felizes que entrevistei eram as mais pobres, aquelas que tinham pouco e não tinham medo de perder o que tinham e, por isso, dividiam o que conseguiram. A felicidade realmente parece vir das coisas mais simples, a meu ver.

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