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Combate à varíola dos macacos não pode ter mesmo erro que na Aids, diz OMS

Os Estados Unidos e o Reino Unido já iniciaram campanhas de vacinação focadas em homens que fazem sexo com outros homens, grupo mais vulnerável à doença

Vacinas contra a varíola dos macacos (monkeypox). (Divulgação/Divulgação)

Com 35 anos de experiência trabalhando no combate ao HIV e a outras infecções sexualmente transmissíveis, o epidemiologista Fábio Mesquita confessa que a ciência está em um “debate intenso” sobre a necessidade de adquirir e distribuir mais vacinas nesse estágio do surto de varíola dos macacos (monkeypox).

“Pode ser a solução, mas isso ainda não é um consenso”, disse em entrevista ao Estadão. Alguns países, como Estados Unidos e Reino Unido, já iniciaram campanhas de vacinação focadas em homens que fazem sexo com outros homens, grupo mais vulnerável à doença.

Desde 2016, quando abandonou o comando do Departamento de Doenças de Transmissão Sexual, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, onde esteve por três anos, Mesquita integra o corpo técnico da Organização Mundial da Saúde (OMS). Hoje lotado em Mianmar, na Ásia, ele defende que o cuidado na comunicação sobre a varíola dos macacos está no “cerne da questão” para evitar que a doença aumente o estigma da população LGBT+.

“A forma de não cometermos o mesmo erro do passado é dizer que, nesse momento, a comunidade precisa ficar atenta, porque está disseminando o vírus de forma importante. Mas também precisamos afirmar que não há evidência científica de que o monkeypox ficará restrito a essas pessoas”, aponta.

Por ora, já há algo sobre os motivos pelos quais a doença está disseminada principalmente entre o público de “homens que se relacionam com homens (HSH)”?

Isso ainda está em investigação. Basicamente, tentamos descobrir se a varíola dos macacos (monkeypox) é uma DST (doença sexualmente transmissível) pelo contato penetrativo ou se apenas pelo contato físico, que é o mais provável. Embora 98% dos casos mundiais são na população HSH, ainda não foi comprovada a transmissão sexual. Mas está nítido que a pessoa infectada teve contato físico com quem teve a doença.

Sabemos, por exemplo, que não é uma transmissão aérea, mas sim pelo contato físico. O que não está nítido é o grau de intimidade necessário para transmitir o vírus no contato.

É possível traçar algum paralelo com o início da epidemia do HIV?

Nesse momento, a varíola dos macacos está se espalhando nesse segmento da população. Mas temos o cuidado de não tachar isso como uma nova “peste gay”, como chamaram no início da epidemia de HIV. Apesar da maior incidência, algumas mulheres já estão infectadas também. O HIV começou exatamente assim. Nossa hipótese, por enquanto, é que qualquer pessoa pode pegar a doença.

E como transmitir informações sobre a doença para essa população sem aumentar o estigma da comunidade?

Esse é o cerne das discussões internacionais, exatamente para não cometermos os mesmos erros do HIV. Naquela época, nossa ignorância era muito grande. Demoramos para entender a ciência, o que era e como transmitia. Olhamos só para o número de casos e como se ela fosse necessariamente associada a uma comunidade.

A forma de não cometermos o mesmo erro é dizer que, nesse momento, a comunidade precisa ficar atenta, porque está disseminando o vírus de forma importante. Mas também precisamos afirmar que não há evidência científica de que o monkeypox ficará restrito a ela. Ninguém está dizendo que é uma doença só dessa comunidade, mas, como já está entre ela, precisamos mandar mensagens importantes e específicas ao movimento gay e LGBT+, dizendo ao mesmo tempo que é muito cedo para afirmar que essa será uma doença específica.

No momento, não temos vacinas suficientes para a imunização em massa em nenhum lugar do mundo. Qual seria o melhor enfrentamento nesse estágio da doença?

Temos algumas polêmicas sobre esse assunto e as opiniões são divergentes sobre se a vacina vai segurar a disseminação nesse momento. Como vimos com a covid-19, precisamos de mais tempo pra ver o impacto e se vale a pena pensar em uma escala de produção global. Suponha que a imunização não tenha impacto na contenção do vírus – você estaria investindo em um campo que não sabe se é correto.

Os serviços de saúde mais avançados do CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças), nos Estados Unidos, e do Departamento de Saúde, do Reino Unido, estão fazendo tentativas, até pelo alto número de casos nesses países, para ver se as intervenções com a vacina vão ter algum efeito, mas ainda é cedo demais para afirmarmos algo. Até porque a vacina que temos não é específica do monkeypox. Na ciência, há um debate intenso sobre isso, não é um consenso ainda.

Mas então como evitaríamos que a doença se espalhe ainda mais?

Clinicamente, as pessoas têm evoluído bem. Não é algo desesperador, então precisamos de mais tempo para entender que medidas podem ajudar a conter essa disseminação. Por exemplo: está nítido que o contato de pele é importante. A observação das pessoas é crucial, se tem ferida ou algo assim em quem elas está se relacionando. Esse é um caminho. O problema é que, por exemplo, se a pessoa está numa balada e lá é escuro, você não vê nada. Não é algo simples.

Como avalia a resposta do Brasil à doença?

A vantagem do Brasil é o SUS (Sistema Único de Saúde) e a independência dos Estados.

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