“Dependendo de como os EUA vão se organizar nesse sentido, podemos repetir o que aconteceu no início da última década, quando os EUA estavam muito preocupados com a questão do Oriente Médio e a caçada ao Osama bin Laden e houve um distanciamento entre as relações da América Latina com os EUA. Na época, a América Latina conseguiu se reorganizar de forma mais autônoma, com a CELAC [Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos] e outras frentes políticas”, relembrou.
Entretanto ele avalia que os EUA, “com essas mudanças, devem buscar exercer uma influência econômica na região, porque a questão militar está ficando para trás. E como os EUA não conseguem fazer isso, a China pode assumir o seu lugar como principal parceiro econômico da América Latina”. De fato, em termos comerciais o governo chinês ampliou a diferença em relação aos Estados Unidos em grandes áreas da América Latina.
Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que, fora o México, principal parceiro comercial dos Estados Unidos na América Latina, os fluxos comerciais totais — importações e exportações — entre a América Latina e a China atingiram quase US$ 247 bilhões (R$ 1,29 trilhão) no ano passado, bem acima dos US$ 174 bilhões (R$ 911,7 bilhões) com os Estados Unidos.
É notório também que os países do sul global estão se recusando a ser ditados em suas alianças e parceiros de desenvolvimento, sendo que sanções e ataques às reservas de moeda russa estão levando mais países a buscar alternativas ao comércio de dólares. Além disso, a recente Cúpula das Américas deflagrou a perda de influência dos EUA na região, pois o evento foi marcado por críticas e compromissos insuficientes.
Este cenário, inclusive, é alvo de preocupação do presidente Joe Biden. Nesta semana, ele revelou detalhes a respeito de plano de infraestrutura global de US$ 600 bilhões (R$ 3,14 trilhões) para conter a influência da economia chinesa no Ocidente. Denominada de Parceria para Infraestrutura e Investimentos Globais (PGII, na sigla em inglês), a estratégia anunciada durante a cúpula do G7, na Alemanha, pretende combater a iniciativa Um Cinturão, Uma Rota, programa de financiamento de infraestruturas mundial chinês.
O futuro da Colômbia é latino
Questionado sobre as perspectivas para o futuro da política na Colômbia, João Victor Motta explicou que o país provavelmente “viverá um processo de desmilitarização em sua vida política, sobretudo âmbito civil”. Ele entende que o poder que as Forças Armadas da Colômbia ganharam com a aproximação histórica com os EUA “deve ser reorganizado, abrindo caminho para uma maior democratização da vida política, principalmente reorganizando a vida partidária do país, calcada em projetos neoliberais”.
Antes da Colômbia, nos últimos anos, diversos governos de esquerda estiveram determinados a traçar um caminho independente de Washington na região, como na Argentina, México, Peru e Chile. Além disso, houve a vitória do povo boliviano sobre os responsáveis pelo golpe de 2019.
A questão sobre a Venezuela também merece atenção. Para além da fracassada tentativa de Washington de substituir o governo da Venezuela por um deputado de oposição, Petro também pode entrar em “conflito” com os EUA no esteio das recentes tensões com Caracas. Ele manifestou interesse em restabelecer relações com o governo de Nicolás Maduro, medida que provavelmente irritará republicanos e democratas e seus esforços para isolar o governo venezuelano.
Já Ana Prestes ressalta que a eleição de Petro é mais uma peça no recrudescimento de governos progressistas na América Latina. Ela duvida que haja alguma mudança na relação de Bogotá com Brasília, especialmente do ponto de vista econômico, pois a Colômbia possui importantes relações comerciais com o Brasil. Mas ela acredita que “as relações podem melhorar a partir de 2023, caso Lula seja eleito em outubro e se caminhe para uma maior integração sul americana”.