Pesquisa pode ser um primeiro passo importante no desenvolvimento de órgãos para transplante. Tema, contudo, levanta importantes questões éticas
Cientistas criaram pela primeira vez embriões que contém uma combinação de células-tronco de duas espécies grandes e muito diferentes – humanos e porcos –, o que poderia tornar mais próximo o desenvolvimento de órgãos para transplante, segundo um estudo publicado nesta quinta-feira na revista científica Cell.
O estudo, no entanto, ainda está em uma fase muito precoce e mostrou ser mais difícil do que o esperado, relataram os pesquisadores. “Este é um primeiro passo importante”, disse o autor principal, Juan Carlos Izpisua Belmonte, professor do laboratório de expressão genética do Instituto Salk para Pesquisas Biológicas, na Califórnia. “O objetivo final é desenvolver tecidos e órgãos funcionais e transplantáveis, mas estamos longe disso.”
Para fazer o experimento, os pesquisadores de universidades americanas implantaram células-tronco adultas humanas – conhecidas como células-tronco pluripotentes induzidas – em embriões de suíno, posteriormente introduzidos em úteros de porcas, permitindo seu crescimento por quatro semanas. Nesse período, as células se desenvolveram e se tornaram precursores de tecidos de coração, fígado e neurônios.
Mais de 150 embriões híbridos, batizados de “quimeras” – como a mistura humano-animal é conhecida, em referência à figura híbrida da mitologia grega –, foram desenvolvidos. Eles eram principalmente suínos, mas com um pequena contribuição humana. O trabalho envolveu cerca de 1.500 embriões de porcos ao todo e levou quatro anos, muito mais tempo do que inicialmente estimado, devido à natureza complicada das experiências.
Desafio ético
A ideia de criar misturas entre humanos e animais levanta questões éticas, particularmente porque os experimentos poderiam, ao menos teoricamente, levar à criação de animais com qualidades humanas e, possivelmente, inteligência. Mas segundo Jun Wu, cientista do Instituto Salk, o nível de contribuição humana para os embriões de porcos foi “baixo” e não incluiu precursores de células cerebrais.
Bruce Whitelaw, professor de biotecnologia animal da Universidade de Edimburgo, que não participou do estudo, descreveu-o como “emocionante” porque “abre caminho para avanços significativos”.
De acordo com Darren Griffin, professor de genética na Universidade de Kent, que também não esteve envolvido no estudo, o “trabalho também nos ajudará a entender melhor a evolução, o desenvolvimento e as doenças” e pode eventualmente levar a uma solução para a escassez de órgãos.
“Os autores seguiram as diretrizes legais e éticas existentes, permitindo que os embriões se desenvolvessem pelo tempo máximo permitido. É importante que qualquer pesquisa futura seja conduzida com total transparência, de modo a permitir a análise pública e o debate”, afirmou.
Essa foi a mistura mais bem sucedida de células humanas com outra espécie. Estudos com ratos e camundongos também já haviam sido conduzidos, mostrando ser possível o transplante de órgãos entre diferentes animais. Para se aproximar do corpo humano, os cientistas escolheram o porco, que tem órgãos e gestação semelhantes.
(Com Agence France-Presse)