Exposição de Carmen San Thiago transforma habitantes e pontos da cidade em narrativas delicadas da capital
A cidade ganha forma de objeto sagrado nas pinturas de Carmen San Thiago. Aos 56 anos, a capital dos traços modernos tem histórias para contar e é em forma de relicários que a artista, diretora de arte, designer e ilustradora decidiu explorar a narrativa brasiliense. É uma narrativa visual que leva para as telas e objetos de quatro cantos bem escolhidos de Brasília: um ponto de ônibus, o foguetinho do Parque Ana Lídia, uma tesourinha e uma passagem de pedestres. São lugares específicos nos quais a artista observou intervenções urbanas feitas por grafiteiros ou por pessoas que colam cartazes — detalhes que apontam a apropriação humana do espaço urbano. Esse conjunto de arquitetura associada à interferência dos habitantes rendeu Cidade Relicário, em cartaz a partir de amanhã no Academia Café.
Carmen sempre desenhou Brasília, mas boa parte dessa produção nunca esteve em uma exposição coesa e com a proposta de contar uma história. Em 2013, ela produziu uma série de aquarelas sobre o cotidiano e as paisagens da capital e realizou a mostra Tatus de Brasília. Em Relicário, pela segunda vez, Carmen incorpora Brasília em seus trabalhos. Os tatus, Carmen explica, são os habitantes, aqueles que fazem o espaço urbano ter uma história e se transformar em cidade. Agora, ela toma as intervenções em equipamentos urbanos como traços da história da cidade. “E dentro da Cidade Relicário, os tatus são os santos, somos nós, que contamos a cidade”, explica a artista. “Acabei transformando nós, moradores, em santos, cada um contando uma história dentro dos objetos.”
Afinidades
São, no total, 28 pinturas com interferências que fazem alusão aos detalhes observados pela artista, além de almofadas bordadas e algumas costuras que serão usadas em instalações. Carmen nasceu em Porto Velho (RO) e veio para Brasília há 22 anos. Chegou por aqui na época do impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. Aos 15 anos, sentiu dificuldade de encontrar amigos e formar um círculo de pessoas com as mesmas afinidades, mas quando conseguiu, acabou enveredando pela área da cultura. “Na época, a gente falava muito que a cultura de Brasília precisava acontecer mais”, conta. “Sempre andei muito pela cidade, sempre a pé, e sempre observei o trabalho dos artistas, dos grafiteiros. Era como se a cidade fosse minha galeria a céu aberto.”
A cidade, a artista acredita, se presta bem à observação. “Gosto muito de pintar Brasília, gosto da perspectiva que tem aqui, traz uma leveza para o trabalho. Tem muita vegetação integrada com arquitetura e gosto de trabalhar os traços da cidade. É diferente de Porto Velho, que tem muito prédio. A gente acha que tem vegetação, mas não”, avisa. Boa parte das pinturas e aquarelas são ocupadas pelo céu, um detalhe que denuncia o olhar da artista. “Minhas telas têm muito mais céu por causa desse horizonte maravilhoso”, admite Carmen
28
Número de pinturas da mostra
Cidade Relicário
Exposição de Carmen San Thiago. Abertura amanhã, às 19h, no Academia Café (SCLN 201, Bl A, Lj 67). Visitação até 15 de dezembro, de segunda a sexta, das 9h às 18h30.