A descoberta, se comprovada, pode representar a primeira detecção de matéria escura por outros meios além de seus efeitos gravitacionais
Um grupo de astrônomos acaba de detectar sinais de luz das primeiras estrelas do Universo, que se formaram 180 milhões de anos após o Big Bang. Essas detecções extremamente sutis representam as “impressões digitais” deixadas na radiação de fundo por átomos de hidrogênio que absorveram a luz dos primeiros astros. A descoberta foi anunciada em um estudo publicado nesta quarta-feira na revista Nature.
As evidências sugerem que o gás que compunha o Universo em sua fase inicial era bem mais frio do que os cientistas acreditavam. Isso, segundo os astrofísicos, pode ser um possível sinal de influência da matéria escura. Se a tese for confirmada, a descoberta representa a primeira vez na história que a matéria escura foi detectada por outro meio além de seus efeitos gravitacionais.
“Esta é a primeira vez que vemos qualquer sinal de um período tão inicial do Universo”, além da radiação cósmica do Big Bang, disse a astrônoma e líder do estudo Judd Bowman, da Universidade Estadual do Arizona, nos Estados Unidos, em publicação da Nature. A descoberta ainda tem de ser validada por outros estudiosos, que tentarão reproduzir os resultados.
As primeiras estrelas
Os astrofísicos estimam que o Big Bang tenha ocorrido 13,8 bilhões de anos atrás. Por mais de 400.000 anos, o Universo ficou imerso em uma escuridão completa, sem galáxias ou estrelas, composto apenas por átomos neutros de hidrogênio formados a partir do plasma ionizado que se resfriava. Isso até que a gravidade começasse a atrair as regiões mais densas de gás uma em direção a outra – processo que ocorreria pelos próximos 50 milhões ou 100 milhões de anos –, juntando-as e fazendo-as colapsar até dar origem às primeiras estrelas. Esta transição ficou conhecida como o “amanhecer cósmico”.
A luz desses primeiros astros é tão fraca, hoje em dia, que enxergá-la a partir de telescópios instalados na Terra era um feito considerado praticamente impossível. Mas detectá-las indiretamente, não: se os astrônomos estivessem corretos, a luz teria alterado o comportamento do hidrogênio que, um dia, preencheu o espaço entre as estrelas. Essa mudança permitiria que o gás absorvesse radiação cósmica de fundo em micro-ondas (CMB, na sigla em inglês – nome que os cientistas dão para um tipo específico de radiação eletromagnética, que é um “fóssil” da primeira luz do Universo) a um comprimento de onda característico de 21 centímetros.
Bowman e sua equipe utilizaram, então, um radiotelescópio com base no Observatório de Radio-Astronomia de Murchison, na Austrália Ocidental, para procurar o sinal. O problema é que, para isso, os cientistas deveriam filtrar alguns elementos “poluentes” que poderiam atrapalhar e confundir a detecção, como as ondas que nossa própria galáxia emite e até aquelas geradas pelo rádio FM. Surpreendentemente, a equipe conseguiu encontrar o sinal previsto, e confirmaram que ele possuía a frequência esperada. E, apesar de apresentar uma queda insignificante de 0,1% na radiação, a magnitude ainda era o dobro da prevista.
A surpresa pelo achado foi tão grande que os pesquisadores passaram os dois anos seguintes verificando se a detecção não poderia ser um efeito instrumental ou ter a interferência de algum ruído. Bowman conta que eles até criaram uma segunda antena e fizeram testes apontando seus instrumentos para diferentes manchas de céu em momentos diferentes. “Depois de dois anos, passamos todos esses testes e não conseguimos encontrar nenhuma explicação alternativa”, diz a astrônoma. “Nesse ponto, começamos a sentir a emoção.”
Matéria escura
Apesar de aparecer com uma frequência esperada, a força do sinal era bem maior do que o previsto, segundo Rennan Barkana, cosmólogo da Universidade de Tel Aviv, em Israel, que publicou um artigo relacionado, também na revista Nature. Ele diz que isso leva a duas possíveis explicações: ou houve mais radiação do que o esperado no amanhecer cósmico, ou o gás estava mais frio do que o previsto.
Para Barkana, a única explicação que faz sentido é a última – e, se ela estiver correta, algo deve ter provocado o resfriamento desse gás. A matéria escura, então aparece como a principal candidata, uma vez que outras teorias já sugeriam que ela era muito fria na época em que ocorreu o amanhecer cósmico.
Se isso for confirmado, é possível, também, que a matéria escura seja mais leve do que as teorias indicam. Isso poderia ajudar a explicar por que físicos falharam em observar a matéria escura diretamente ao longo de todas essas décadas.