O país compete por cargas de gás natural liquefeito com potências industriais como o Reino Unido e o Japão
A Argentina tem uma das maiores reservas de gás do mundo, mas se prepara para um impensável racionamento do combustível.
Embora seus depósitos de gás de xisto sejam equiparáveis aos da região de Appalachia, que fizeram dos EUA um grande exportador, a Argentina durante anos investiu pouco na produção e não atende sequer à demanda doméstica.
Agora, o país compete por cargas de gás natural liquefeito com potências industriais como o Reino Unido e o Japão. O momento não poderia ser pior, diante da escalada dos preços. A invasão da Ucrânia pela Rússia provocou caos nos mercados de energia e commodities, agravando a escassez, os gargalos nas cadeias de suprimentos e a oscilação de preços que já abalavam a economia mundial desde a chegada da pandemia.
O país tenta encomendar cargas para maio e junho para enfrentar o inverno. Com o aumento dos preços nas últimas semanas, talvez não consiga pagar por todo o GNL de que necessita.
“A Argentina planejava importar de 60 a 65 carregamentos de GNL, mas esses preços forçam um ajuste da estratégia original”, disse Marcos Bulgheroni, CEO da Pan American Energy, uma das maiores exploradoras de gás do país, durante uma conferência realizada na semana passada em Buenos Aires.
Para representantes do governo e do setor de processamento de gás, que pediram anonimato porque o assunto é politicamente sensível, o país está perto de precisar limitar o fornecimento de energia a consumidores industriais.
“Vai ser um inverno difícil em termos de abastecimento de combustível por causa do acesso a moeda forte na Argentina”, disse Agustín Gerez, comandante da estatal de energia Ieasa, que organiza as licitações de GNL do país. A esperança dele é que o inverno seja ameno e contenha a demanda.
O problema vem se formando há muito tempo. O ambiente de negócios cronicamente ruim não atraiu investimentos suficientes para o depósito de xisto de Vaca Muerta e atrasou a construção dos gasodutos necessários para trazer gás da Patagônia para polos industriais e centros urbanos. Em vez de se tornar uma potência em xisto, a Argentina se tornou grande importadora de GNL. Essas importações acontecem principalmente no mercado global à vista, que é bastante volátil. EUA e Catar são seus principais fornecedores, segundo dados compilados pela Bloomberg.
Para piorar a situação, as negociações para trazer mais gás da vizinha Bolívia estagnaram. A Argentina compete por suprimentos com o Brasil, que leva a maior parte do combustível disponível.
A Argentina importa atualmente 7,5 milhões de metros cúbicos por dia da Bolívia, mas precisa de aproximadamente o dobro disso entre maio e setembro, quando o clima está frio. Não está claro se é possível garantir um acordo desse tamanho enquanto os suprimentos da Bolívia estão diminuindo, disse Álvaro Rios, que já foi ministro de petróleo e gás da Bolívia e hoje comanda a consultoria Gas Energy Latin America. A produção boliviana caiu 17% nos últimos quatro anos porque os investimentos no setor recuaram após a nacionalização de campos de gás.