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Após ‘Escola de Princesas’, SP terá oficina de feminismo e autodefesa para meninas

Filial de curso de etiqueta foi inaugurada em outubro em Moema. Incomodadas com ‘desserviço’, filósofa e jornalista oferecem aulas de ‘desprincesamento’ em São Caetano.

um casarão branco em Moema, bairro nobre da Zona Sul de São Paulo, que meninas de quatro a 15 anos recebem aulas de maquiagem, tarefas domésticas, costura, higiene e culinária desde o início de outubro. A bandeira rosa-choque fincada no muro avisa que a filial da “Escola de Princesas”, empreendimento criado há três anos em Minas Gerais, chegou à capital paulista.

Incomodadas com a proposta, a jornalista Mariana Desimone e a filósofa e pedagoga Larissa Gandolfo importaram do Chile uma oficina que, já anuncia o prefixo, se propõe a ser o antídoto: o curso de “desprincesamento” ocorrerá nos dias 4, 10 e 11 de dezembro, em São Caetano, na Grande São Paulo. O evento foi divulgado por elas nas redes sociais.

Página do evento criado por Larissa e Mariana no Facebook  (Foto: Reprodução/Facebook)
Página do evento criado por Larissa e Mariana no Facebook (Foto: Reprodução/Facebook)

Entrada da Escola de Princesas, em Moema, Zona Sul de São Paulo (Foto: Reprodução/Escola de Princesas )
Entrada da Escola de Princesas, em Moema, Zona Sul de São Paulo (Foto: Reprodução/Escola de Princesas )

Escola de Princesas tem unidade em quatro cidades. A de São Paulo fica em Moema, Zona Sul (Foto: Reprodução/ Francisco Cepeda)
Escola de Princesas tem unidade em quatro cidades. A de São Paulo fica em Moema, Zona Sul (Foto: Reprodução/ Francisco Cepeda)

Defesa pessoal X corte costura
Com os ambientes decorados em dourado e nas múltiplas variações de rosa, e acreditando no slogan-pressuposto de que “toda menina sonha em ser princesa”, a apresentadora Silvia Abravanel, filha de Silvio Santos, abriu o polêmico modelo de negócio há mais de um mês.

À frente de um programa infanto-juvenil, Silvia Abravanel diz ter notado certa “carência” em tal público, provocada, na avaliação dela, pela falta de tempo dos pais das crianças. Segundo Silvia, a proposta do espaço é resgatar “amabilidade, a gentileza e o amor ao próximo.”

A apresentadora ainda defende que a “Escola de Princesas” oferece “um conto de fadas e ajuda meninas a criarem bons hábitos e a acreditarem em si mesmas”.

Já o projeto de Mariana a Larissa é inspirado na “Escola de desprincesamento”, criada em Iquique, no norte do Chile, pelo Escritório de Proteção de Direitos da Infância. As duas tiveram aulas online com os idealizadores e adaptaram o curso à realidade brasileira.

Quinze meninas, de nove a 15 anos, terão aulas de feminismo e autodefesa, além de workshops sobre autoimagem e combate ao assédio. No último dia do curso, os pais poderão participar das atividades. “A ideia é dar continuidade aos temas trabalhados na oficina na casa dessas meninas”, explica Mariana.

Oficina de desprincesamento em Iquique, norte do Chile, oferece aulas de autodefesa (Foto: Reprodução/ Facebook)
Oficina de desprincesamento em Iquique, norte do Chile, oferece aulas de autodefesa (Foto: Reprodução/ Facebook)

Especialistas opinam
Em 2013, Michele Escoura, antropóloga da Universidade de São Paulo (USP), analisou a influência que as princesas tem na vida de 200 crianças, de escolas públicas e privadas, do interior do Estado de São Paulo.

A pesquisa revelou que tanto meninas quanto meninos acreditam que princesas só poderão receber esse status se tiverem cabelos lisos, forem ricas, bonitas e se esperarem por um príncipe encantado. A antropóloga concluiu, por fim, que as princesas da Disney reforçam divisões de gêneros.

“As princesas carregam consigo um conteúdo que funciona como uma restrição a ideia do que é ser mulher. É necessário garantir que a formação das crianças tenha também outros tipos de referenciais. A diversidade existe, e as crianças devem saber que não há apenas uma maneira de serem felizes, bonitas e aceitas”, defende Michele.

Na visão da antropóloga, a “Escola de Princesas” institucionaliza dogmas que as mulheres ouvem há muito tempo. “É mais uma instituição ditando o que as meninas devem ser. Porque os meninos também não podem aprender isso?”, questiona.

Para Teresa Schoen, psicóloga e pedagoga da Unifesp, habilidades sociais básicas – como cuidar da casa – não são mais ensinadas à nova geração de crianças. “As pessoas ficam horrorizadas quando se fala em aula de etiqueta. Etiqueta nada mais é do que respeito ao próximo. Ensinar uma criança a comer de boca fechada ou escovar os dentes são princípios básicos a serem ensinados.”

A psicóloga avalia que “mais do que escola para princesas, seria importante a criação de uma escola para príncipes, que ensinem educação sexual aos meninos.”

Teresa acredita que o avanço das mulheres no mercado de trabalho desvalorizou as tarefas domésticas que o modelo de negócio de Silvia pretende resgatar – mesmo que reforce conceitos sexistas. “Os pais também nunca assumiram este papel em casa. E aí, a Escola de Princesas cumpre esse vácuo”, afirma.

Na visão de Heloísa Buraque de Almeida, antropóloga da USP, reforçar a feminilidade das meninas é um retrocesso na luta dos direitos das mulheres e um reforço das desigualdades de gênero. “Os meninos também deveriam saber costurar e cozinhar”, diz Heloísa.

Para ela, a “Oficina de desprincesamento” funciona como um mecanismo de resistência em uma país onde a violência contra a mulher é tão presente.

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