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Alta de mortes por covid-19 pressiona sistema funerário do DF

Concessionária Campo da Esperança afirma que dois cemitérios estão próximos da capacidade total. Agentes funerários reclamam das más condições de trabalho

(crédito: Ed Alves/CB/D.A. Press)

O Distrito Federal vem batendo sucessivos recordes na média móvel de mortes por covid-19. Na quarta-feira (24/3), o valor chegou a 49,57 — o maior desde o início da pandemia. Os registros diários também têm sido cada vez mais altos. A Secretaria de Saúde contabilizou, na quarta, 50 novos óbitos. No dia anterior, foram 62, segundo maior número do ano, atrás apenas de 18 de março, quando foram computadas 68 mortes. Ao todo, o DF soma, 5.553 vidas perdidas para o novo coronavírus. Diante deste cenário, o sistema funerário também está à beira de um colapso com cemitérios lotados e precariedade no trabalho de agentes.

A concessionária Campo da Esperança, que administra seis cemitérios no DF, informou que os de Taguatinga e do Gama estão próximos da capacidade total. De acordo com a concessionária, há uma expectativa de mais cinco meses de escavações para a criação de jazigos em Taguatinga, e mais dez meses no Gama. Nesses dois casos, para aumentar o espaço disponível para novas sepulturas é feita a exumação dos jazigos antigos na área social. Os locais passíveis de exumação são divulgados em listas no Diário Oficial do DF com o nome dos sepultados. Todo o material exumado é devidamente identificado e realocado no columbário do próprio cemitério.

Nos demais cemitérios, a capacidade está alta, com 26 anos de escavação para a unidade de Sobradinho, 14 anos para o de Brazlândia, oito para o da Asa Sul e três anos em Planaltina. Segundo a Campo da Esperança, mesmo com o aumento do número de mortes em virtude da pandemia da covid-19, não houve em momento algum a falta de jazigos em Brasília ou a espera por jazigos em construção. O estoque de novas sepulturas é mantido sempre para, pelo menos, cinco meses de sepultamentos, conforme o que já era feito antes da pandemia.

Além dos espaços a serem construídos, há cerca de 107 mil gavetas não utilizadas em jazigos prontos e adquiridos pelas famílias. Essa reserva, já em posse dos respectivos proprietários, garante estoque para 8 anos. “Gavetas são espaços dentro dos jazigos que comportam um caixão e algumas urnas de exumação e de cremação. Cada jazigo pode ter até três gavetas”, informa a concessionária.

Apenas neste mês — até o dia 22 — a Campo da Esperança realizou 1.178 sepultamentos no Distrito Federal. Desse total, 424 eram de vítimas suspeitas e confirmadas da covid-19, número bem superior aos registrados em janeiro e fevereiro — 155 e 129, respectivamente. Entre os sepultamentos sociais, houve um aumento de 44% no ano passado, com 1.522 demandas. Em 2019, esse número foi de 1.054 e, em 2018, de 1.047. Nos primeiros meses deste ano, 306 famílias foram contempladas pelo enterro social.

Agentes funerários

O aumento das mortes também expôs os agentes funerários a condições precárias de trabalho. A presidente da Associação das Empresas Funerárias do Distrito Federal, Tania Batista da Silva, contou ao Correio que, muitas vezes, os profissionais encontram uma situação inadequada dos protocolos definidos para os casos de óbitos pelo novo coronavírus. “Temos casos de corpos sem a identificação da pessoa, tendo que abrir o saco mortuário para conferir se é a pessoa. E isso é todo dia”, ressalta.

Tania Batista relatou, ainda, uma situação grave que ocorreu no último sábado, no Hospital Regional de Ceilândia (HRC). “Recebi a denúncia de que um homem, obeso, estava enrolado em vários lençóis brancos, cheio de secreções, no corredor, por falta do saco mortuário adequado. A funerária não quis pegar, porque não tinha nenhuma condição de remover um caso de covid-19 nessa situação. Esse homem que faleceu no sábado, só foi retirado no domingo, às 15h, para ser sepultado às 16h, após a resolver a questão do envólucro”, afirma. De acordo com ela, o protocolo necessário para esse tipo de caso é de dois invólucros para ter maior segurança sanitária, mas muitas vezes vai só um, e dessa vez, nenhum.

Em nota, a Secretaria de Saúde informou que não procede a informação de que o corpo tenha ficado por pelo menos 24h em um corredor do Hospital de Ceilândia. “Houve, sim, um atraso no procedimento em função do volume corporal e a indisponibilidade, naquele momento, de invólucro compatível com as dimensões do corpo, que foi transferido para a anatomia”, argumenta a pasta.

Uma outra denúncia diz respeito à colocação de vários corpos no chão à espera do serviço funerário. Sobre esse caso, a secretaria disse que os cadáveres estavam em um tablado de madeira, e não no chão. A situação ocorreu no Hospital Regional do Guará.

“Isso é muito triste. Penso nas famílias que têm seus entes queridos nessa situação. É lamentável que isso continue acontecendo, Nós estamos aí há um ano de pandemia, há um ano do protocolo. Não é falta de conhecimento. É muito triste o que está acontecendo”, pontua a presidente. De acordo com ela, cerca de 60 a 70 profissionais da categoria contraíram a doença desde o ano passado, e seis faleceram por complicações do vírus — incluindo os pais de Tania que administravam uma funerária no Distrito Federal e não resistiram à infecção.

Desde 26 de março de 2020, é obrigatória a recomendação dos protocolos de segurança sanitária em casos de mortes pelo novo coronavírus. Entre as normas estabelecidas, está a recomendação sobre como deve ser feita a transferência do corpo para o necrotério e, posteriormente, à urna mortuária das funerárias. A exigência é de se colocar em uma bolsa sanitária biodegradável e impermeável (sacos de remoção), que atenda às características técnicas sanitárias de resistência à pressão dos gases internos, estanqueidade e impermeabilidade. A introdução na bolsa deve ser feita dentro da própria sala de isolamento, pelo servidor da unidade hospitalar. Uma vez fechada, a bolsa não poderá mais ser aberta. Além disso, é necessário borrifar uma solução sanitizante em toda a área externa do saco para evitar contaminações de terceiros.

A Secretaria de Saúde ressaltou que segue todos os protocolos exigidos, e que, casos de denúncia serão apurados.

Três por dia

O Correio conversou com um colaborador da funerária Paraíso Eterno, que atende as regiões do Guará e de Sobradinho. De acordo com Diogo Borges Caixeta, 23 anos, neste mês de março houve um aumento nas demandas por falecidos pela covid-19. “No mês passado, tínhamos uma média de um caso por semana. Agora em março, estamos com três por dia”, relata. Para ele, apesar da alta, não houve um impacto nos serviços. “Tivemos um aumento por mortes de covid, mas houve também uma queda das mortes por outros fatores, o que equilibrou”, pondera. No ano passado, no momento de pico, a funerária chegou a lidar com dez vítimas de covid por dia.

Na avaliação de Diogo, a logística dentro da funerária não mudou muito. “O que foi reforçado foi a preocupação com a equipe, com os equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados. De preservar a saúde dos colaboradores. Fizemos um treinamento de como utilizar corretamente os EPIs e dos protocolos durante todo o processo do enterro”, relata. De acordo com ele, nenhum funcionário da empresa pegou o vírus. “Graças a Deus não tivemos nenhum caso.”

Representantes do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) e da Subsecretaria de Assuntos Funerários, da Secretaria de Justiça, se reuniram na terça para buscar ações preventivas para os problemas que podem surgir em decorrência do aumento de óbitos na capital federal. No encontro, o MP pediu que todos os envolvidos com trâmites funerários sigam rigorosamente os protocolos definidos para casos de morte por covid-19.

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