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Alemanha tenta retomar “vida normal” pós-pandemia

A Bundesliga, série profissional de elite do esporte na Alemanha, voltará a ser disputada, ainda que com os estádios vazios

BERLIM: país começa a retomar a rotina após 177.000 casos de coronavírus (Fabrizio Bensch/Reuters)

Berlim – No Ocidente, a Alemanha foi líder não só na ação contra a pandemia, mas também depois, na reabertura gradual da vida pública. No início de maio, Angela Merkel transmitiu uma mensagem cheia de esperança ao país: o experimento estava funcionando.

E anunciou que o número de infecções não só tinha se estabilizado como era mais baixo do que o das duas semanas anteriores. “Alcançamos nosso objetivo, que era o de diminuir a velocidade de disseminação do vírus, evitando que nosso sistema de saúde fosse sobrecarregado e entrasse em colapso”, disse a chanceler em coletiva.

E completou: “A Alemanha agora está em condições de reabrir a maior parte dos aspectos da economia e da sociedade. Podemos nos permitir um pouco de audácia.”

A notícia foi boa não só para a Alemanha, mas para as outras nações, ansiosas por um sinal de que há vida após o vírus. Divulgada no dia em que a União Europeia anunciou que as economias da zona do euro enfrentarão forte recessão este ano, aumentou as esperanças de que um sucesso teutônico ajude a minimizar o estrago.

Sem dúvida, o avanço alemão mostra que uma combinação de liderança cautelosa, voltada para a ciência, e um esquema amplo de exames, rastreamento e distanciamento social, permite o gerenciamento de uma reabertura, mas também é um lembrete das diferenças drásticas entre os outros países ocidentais.

Nos EUA, por exemplo, alguns estados tentaram reabrir, mas enfrentam o caos e disputas com o governo federal, enquanto os números de casos e mortes continuam a subir.

A Espanha, que atualmente tem o maior número de casos de Covid-19 na Europa, desistiu de reabrir as escolas, adiando a iniciativa para setembro; na vizinha França, o presidente Emmanuel Macron vai suspender a quarentena, mas os cafés e bares continuarão fechados.

A Alemanha se fechou logo e vem testando sistematicamente a possibilidade de volta a algo que se assemelhe à normalidade, o que não implica dizer que a vida com o vírus voltará a ser a mesma de antes.

As máscaras faciais, já obrigatórias no comércio e no transporte público em todo o território nacional, rapidamente se tornam a nova normalidade, pois são vistas por toda parte, desde os protestos de rua até as vitrines. A socialização, mesmo com a permissão de reabertura de bares e restaurantes, será limitada a duas famílias, a dois metros de distância. Ainda assim, Merkel reinstaurou muitas liberdades que ficaram engavetadas há praticamente dois meses.

Todo o comércio poderá reabrir, inclusive restaurantes e hotéis, a tempo de se beneficiar dos dois fins de semana prolongados no fim de maio. Todos os alunos voltarão a ver a sala de aula antes das férias de verão; as creches vão começar a receber crianças, dando prioridade às famílias mais necessitadas. Os pacientes de asilos e casas de idosos poderão receber a visita de uma pessoa.

E um detalhe crucial em um país apaixonado por futebol: a Bundesliga, série profissional de elite do esporte na Alemanha, voltará a ser disputada, ainda que com os estádios vazios.

Merkel usou de seu tom sóbrio, tão característico, para avisar que as liberdades podem ser rapidamente suspensas se houver comportamento irresponsável. “Hoje podemos dizer que superamos a primeira fase da pandemia, mas é preciso também ter a consciência de que ainda estamos no início dela, e teremos de lidar com o vírus durante um longo tempo.”

Os detalhes de como e quando revogar as restrições individuais que vão desde a reabertura de cinemas até estúdios de tatuagem, passando por prostíbulos, agora ficam a cargo dos governadores dos 16 estados. Entretanto, não se sabe se a chanceler vai conseguir manter o clima político de união que tanto contribuiu para embasar a confiança dos cidadãos na forma como o governo lidou com a pandemia. “Toda a república federal está baseada na questão da confiança”, enfatizou Merkel após se reunir com os governadores por videoconferência.

Na semana passada, surgiram sinais de que essa conciliação pode estar se enfraquecendo, com vários líderes estaduais apressados em avaliar as medidas mais importantes para suas regiões antes da tal reunião.

Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, localizado no litoral, extremamente dependente do turismo e com baixos níveis de infecção, anunciou a reabertura dos restaurantes, seguida da dos hotéis, em 25 de maio.

A Baviera, com uma densidade maior de casos, anunciou que as cervejarias (“biergärten”) e restaurantes com terraço reabririam em meados deste mês, mas os hotéis continuarão fechados por mais duas semanas depois disso.

Dias antes, o estado oriental da Alta Saxônia aumentou formalmente o número de pessoas de famílias diferentes com permissão de se reunir em público de duas para cinco.

Houve quem recebesse bem a volta do debate político mais vibrante, alegando que não só a economia, mas a democracia também precisava ser revitalizada depois da restrição de liberdades fundamentais. Conforme a crise foi se transformando em gestão da pandemia em longo prazo, ficou claro que uma solução única não serviria a todos.

Merkel reconheceu que cada região do país tinha um nível de infecção próprio e deveria adequar as soluções, mas também anunciou um “mecanismo emergencial”, que exige que toda área cujo número diário de infecções exceda o de 50 por 100 mil habitantes durante sete dias reinstaure as restrições até que fique abaixo do limite. “Se a incidência for local, não esperaremos que se espalhe pelo país inteiro; é preciso agir na contenção”, completou.

A Alemanha realiza cerca de 142 mil exames por dia, e já começou a realizar também diversos testes de anticorpos aleatórios. As novas infecções diárias vêm caindo constantemente, ficando abaixo de mil pela primeira vez em mais de um mês e meio.

Enquanto o aplicativo de rastreamento não é introduzido, projeto que vale para todo o continente, mas agravado por atrasos e desentendimentos, centenas de médicos e enfermeiros recém-treinados estão apelando para o celular para rastrear e informar qualquer um que possa ter tido contato com um infectado para quebrar a cadeia de disseminação.

Segundo o Instituto Robert Koch, a versão local do Centro de Controle de Doenças, quatro em cada cinco dos 164.807 casos conhecidos de infecção na Alemanha se recuperaram, com menos de sete mil mortos, número bem mais baixo que o de muitos vizinhos.

“Juntos, conquistamos um grande sucesso. Se preservarmos essa conquista com cuidado, os números permanecerão baixos. Manter distância, sem dúvida, faz parte da nova realidade diária”, afirmou o presidente da instituição, Lothar Wieler.

Uma área cuja reabertura está bem longe por enquanto é a de grandes eventos públicos. Shows, atividades esportivas e festivais estão proibidos até pelo menos 31 de agosto.

Mas os especialistas alertam: até a Alemanha está arriscada a sofrer uma segunda onda de infecções. Isso porque o vírus tem um período de incubação de duas semanas e pode ser transmitido por assintomáticos, o que dificulta o monitoramento.

“O problema de afrouxar as medidas é que você só vê o efeito depois de duas semanas. E, quando age rápido demais, vê o vírus se reproduzindo rápido demais também. Aqui na Alemanha tivemos a vantagem de reduzir tanto os números da infecção que temos capacidade excedente nos hospitais. Ao contrário dos EUA, temos cacife para bancar o experimento”, afirma Thomas Hotz, matemático responsável pelo modelamento do número de reproduções do vírus.

 

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