A medicina ayurvédica tradicional está em alta na Índia, um país com mais de oito milhões de casos de contágio e mais de 120 mil mortes para uma população de 1,3 bilhão de habitantes
Sashi, uma dona de casa de Nova Délhi, derrama um pó “fortalecedor da imunidade” em uma jarra de água todas as manhãs para toda a família. Como muitos indianos, ela acredita nas virtudes da antiga medicina ayurvédica contra a pandemia.
A medicina ayurvédica tradicional está em alta na Índia, um país com mais de oito milhões de casos de contágio e mais de 120 mil mortes para uma população de 1,3 bilhão de habitantes.
Um “boom” que beneficia as empresas indianas modernas que vendem produtos tradicionais, como leite à base de cúrcuma, ou óleo de manjericão, muito bem empacotados. Esse mercado movimenta US$ 10 bilhões, segundo a Confederação da Indústria Indiana (CII).
Sashi, de 50 anos, conta ter visto anúncios na televisão promovendo uma infusão de ervas “que pode proteger minha família do coronavírus”, produzida por Baba Ramdev, um iogue que se enriqueceu com sua marca Patanjali.
“Achei que, como estava na televisão, devia ser bom”, acrescenta.
O doutor Bhaswati Bhattacharya, especialista em medicina ayurvédica, acredita que esse interesse se deve à desconfiança em relação à medicina moderna e também ao fato de ainda não haver vacina contra o coronavírus.
“O Ayurveda foi consolidado por escrito há 5.000 anos e, sem dúvida, existiu o dobro desse tempo”, disse ele à AFP. Este medicamento “sobreviveu à peste, varíola, pandemias e é por isso que as pessoas dizem: ‘Vamos ver se funciona.’
Com a pandemia, aumentou também a preocupação com o frágil sistema de saúde indiano. Vários especialistas consideram que os casos de contágio e as mortes por coronavírus excedem em muito os dados oficiais, devido à falta de testes e à subnotificação.
Ioga, Ayurveda e Unani
O interesse em Ayurveda – “ciência da vida”, em sânscrito – e em outros medicamentos holísticos é apoiado pelo Partido Bharatiya Janata (BJP), a sigla nacionalista hindu do primeiro-ministro Narendra Modi.
Em 2014, ele criou um ministério da medicina tradicional, agrupado sob a sigla AYUSH (Ayurveda, Ioga e naturopatia, Unani, Siddha, Sowa Rigpa e homeopatia).
Em janeiro, este ministério recomendou esses tratamentos contra o coronavírus. E, recentemente, o ministro da Saúde, Harsh Vardhan, publicou um “protocolo nacional de gestão clínica” para covid-19 baseado em Ayurveda e ioga para casos moderados e assintomáticos.
Nas farmácias, os produtos ayurvédicos rivalizam em pé de igualdade com os medicamentos convencionais.
O produtor de laticínios Mother Dairy destaca o sucesso “fenomenal” de seu novo leite “haldi” (de cúrcuma) para crianças.
“A demanda é muito, muito alta. Por isso, estamos aumentando a produção e a distribuição”, disse o diretor Sanjay Sharma à AFP.
“Os produtos de saúde e que promovem a imunidade são um fenômeno novo”, acrescenta. “É uma oportunidade (…) oferecer cuidados preventivos aos consumidores a um preço muito acessível”, completou.
Philipe Haydon, CEO da Himalaya Drug Company, pioneira indiana em remédios e cremes à base de ervas, estima que a demanda por produtos que reforçam a imunidade e o bem-estar aumentou dez vezes desde o início da pandemia.
Aproveitando o auge dos tratamentos alternativos, alguns afirmam terem encontrado uma maneira de “curar” a covid-19. Embora não haja evidências científicas, vários políticos do BJP têm defendido, por exemplo, o uso de urina, ou esterco, de vaca.
Em junho, o Ministério AYUSH pediu a Baba Ramdev que parasse de vender seu coronil à base de plantas como tratamento contra o coronavírus.
A Associação Médica Indiana – a principal organização que representa os médicos indianos – pediu ao ministro Vardhan, que é médico, uma prova da eficácia do Ayurveda e da ioga contra esta doença.
“Se são bons para a saúde, você pode usá-los. Mas nenhum deles fornece qualquer proteção particular contra a covid-19”, disse à AFP Anand Krishnan, professor especialista em saúde pública do All India Institute of Medical Sciences (AIIMS), de Nova Délhi.
“O principal é observar as medidas de distanciamento social, usar máscara e lavar as mãos”, frisou.