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A rejeição às vacinas, um problema moderno

Muito dessa rejeição se dá por conta de mitos que circulam em redes sociais. E todas essas lendas urbanas, embora sem fundamento, influenciam várias pessoas

Vacina: rejeição às vacinas tem levado a novos surtos de doenças (Diego Vara/Reuters)

Neste final de semana, uma reportagem da Folha de S. Paulo tinha a seguinte chamada: “89% dizem querer se vacinar contra covid-19 assim que houver opção, mostra Datafolha”. Este título me incomodou. A frase trazia uma mensagem subliminar – a de que onze por cento das pessoas não queriam se vacinar contra o coronavírus. Ao ler a matéria, vi que 3% não sabiam de queriam se vacinar ou não (como assim?) e que 8% não tinham essa intenção.

Vamos imaginar que uma parte deste grupo tenha rejeitado a ideia porque já tenha anticorpos. Mesmo assim, ainda teríamos um número significativo de indivíduos que não querem a vacina. Este percentual mais ou menos tem a ver com o que foi verificado em um estudo publicado pela Fundação Oswaldo Cruz no ano passado. A conclusão da pesquisa é impressionante: 16,5% dos pais ouvidos estavam hesitantes em vacinar os filhos e 4,5% nem consideravam a vacinação das crianças.

Muito dessa rejeição se dá por conta de mitos que circulam nas redes sociais: a composição química leva mercúrio, provoca autismo e a matéria-prima tem células de fetos abortados em sua estrutura. Muitas vacinas até usam uma forma de mercúrio como conservante, mas de uma variante totalmente inofensiva e sem efeitos colaterais. Todas essas lendas urbanas, embora totalmente sem fundamento, influenciam várias pessoas que, no final das contas, acabam dispensando a vacinação.

A princípio, pode parecer algo que só atinja ignorantes ou parte de uma camada mais pobre. Mas cerca de dez anos atrás, conheci um casal formado por um homem de 63 anos e a mulher com menos de trinta. Ele é uma pessoa conhecida internacionalmente e longe de ser alguém inculto. Mas a dupla recusava-se a vacinar o casal de filhos, alegando razões completamente bizarras.

Foi esse tipo de comportamento que gerou surtos de doenças que estavam totalmente erradicadas no Brasil, como o sarampo. Aqui vale uma nota pessoal: sou de uma geração que pegou algumas vacinas, mas não todas. A de sarampo, por exemplo, só viria a público depois que eu contraí a doença. Tinha sete anos e fiquei prostrado na cama por uma semana, mas confesso que perdi a noção do tempo. Foi uma sensação de mal estar tão grande que me lembro até hoje do alívio que foi acordar não sentir mais nada. Sentia uma dificuldade em abrir os olhos e qualquer lâmpada, por mais fraca que fosse, atingia minha visão como se fosse um holofote.

As lembranças que carrego dessas doenças infantis são terríveis – e não desejo algo semelhante para ninguém. Neste quesito, minha geração também é marcada por um trauma, o da poliomielite. Mais conhecida como paralisia infantil, essa moléstia atingiu alguns colegas. Na minha escola, havia três vítimas. A vacina era a única forma de prevenir algo assim. O pior é que esses colegas contraíram a doença antes de ser vacinados e tiveram de conviver com essa deficiência para o resto da vida. Num arroubo de idiotice, por exemplo, os diretores de onde estudava colocou uma amiga com aparelhos para estudar no andar de cima do prédio. Inúmeras vezes eu a ajudei a subir as escadas (no segundo semestre, se não me engano, os burocratas se mancaram e transferiram aquela classe para o térreo). Ela também era irmã de um colega de classe e vi de perto o que a falta de vacinação pode causar a uma pessoa.

Vírus como os da pólio, do sarampo e da rubéola não vão embora quando as pandemias são controladas. Pelo contrário, eles continuam a circular. O mesmo vale para o corona. Quem está imunizado, em tese, tem sua resistência. Mas os recém-nascidos enfrentam essas mesmas doenças se não forem imunizados. Por isso, este gesto é importantíssimo para os pequenos.

E, no caso dos adultos, quem não tiver sido contaminado precisa ser vacinado contra a Covid-19 assim que possível, especialmente porque os efeitos deste microrganismo varia de indivíduo para indivíduo. Ignorar os avanços da ciência em função de crendices e boatos é algo quase que criminoso. Quando se trata de alguém decidindo seu próprio destino, há apenas uma única vítima em potencial: a própria pessoa. Mas, quando o obscurantismo atinge crianças que não podem responder por seus atos por conta das fantasias de seus pais, estamos falando de algo hediondo, repugnante e torpe.

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