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Após falhas, Secretaria de Saúde fraciona medicamentos da rede pública

Após órgãos apontarem falhas e prejuízos, secretaria muda o protocolo para distribuição de medicamentos. Agora, em vez de caixas, os pacientes vão receber pequenos kits, com a quantidade exata prescrita pelo médico

Jeane Schneider está há dois meses sem tomar o medicamento: “O remédio falta e ninguém responde por isso” (foto: Minervino Junior/CB/D.A Press)

 

Falhas no recebimento, armazenamento e distribuição de medicamentos na rede pública da capital federal se tornaram corriqueiras. Remédios vencidos ou desviados, estoques em condições inadequadas e atraso nas compras são um problema crônico. Órgãos de controle e a Polícia Civil alertam a Secretaria de Saúde para a necessidade de melhorar a gestão desses insumos. Agora, a pasta vai fracionar os medicamentos a serem distribuídos para evitar fraudes. Em vez de caixas, os pacientes vão receber as quantidades exatas prescritas por um médico.

A Secretaria de Saúde anunciou a medida 20 dias após a deflagração da Operação Medlecy (leia Memória), que apura o desvio de remédios de alto custo da rede pública para revenda em hospitais particulares de São Paulo. “Estamos implantando a dose individualizada em todos os hospitais, com a dispensação sendo feita na dose específica, apenas com o necessário para o tratamento diário do paciente”, explicou a pasta, em nota, sem informar quando a decisão entra em vigor.

A medida, contudo, não basta para resolver os problemas do setor. Os erros na logística de compra e distribuição de medicamentos dividem pacientes e servidores públicos em grupos antagônicos: enquanto os doentes enfrentam o desabastecimento contumaz, os servidores têm que driblar a falta de estrutura que garante a qualidade e a distribuição dos remédios. Só os oferecidos na Farmácia de Alto Custo representam um gasto de quase R$ 300 milhões anuais.

Uma equipe na Secretaria de Saúde é responsável pelo recebimento, armazenamento e distribuição. A principal ferramenta de monitoramento é o registro do lote dos remédios. Não é o suficiente. “O armazenamento é sanitariamente inadequado, com iluminação, refrigeração e organização precárias. Toda a estrutura é vulnerável”, conta um servidor que pediu para não ter o nome divulgado.

Nos últimos dois anos, a gestão de medicamentos na Secretaria de Saúde foi alvo de duas operações do Ministério Público  (MPDFT). A Promotoria de Justiça de Defesa de Saúde (Prosus), apura desperdícios. A Controladoria-Geral da União (CGU) apontou irregularidades em três dos seis locais de armazenamento. No ano passado, 41 mil comprimidos sumiram e um incêndio atingiu a Farmácia de Alto Custo da Asa Sul.

O Correio questionou à Secretaria de Saúde se os estoques da pasta contam com vigilantes e câmeras de segurança. A pasta respondeu apenas que o acesso a esses locais é restrito e que a distribuição é feita mediante a apresentação de prescrição médica. “São realizados inventários periódicos para a checagem do estoque físico, confrontando com as receitas arquivadas”, ressaltou, em nota.

Reforma

O Hospital de Base reunia todos os problemas na gestão de medicamentos na rede pública. Insumos que custam mais de R$ 3 mil ficavam guardados em caixas nos corredores da maior unidade do DF. Perdas eram inevitáveis e impossíveis de serem apuradas. Para mudar a situação, a nova administração, que assumiu o hospital há pouco mais de um mês, investiu R$ 2,5 milhões na reforma de um galpão de 500m² e na compra de remédios e mobiliário.

Agora, os remédios são monitorados por câmeras de segurança e três salas abrigam os itens mais caros e de uso restrito. Cinquenta farmacêuticos vão ser contratados para o controle de recebimento e entrega dos insumos. “Deixávamos as caixas nos corredores. Não era possível garantir a qualidade e a segurança dos remédios”, conta o coordenador da Farmácia do Hospital de Base, Jansem Rodrigues. Seis refrigeradores e 180 remédios foram comprados para a reformulação do serviço.

As modificações atendem o que os usuários cobram do Executivo local: controle. A professora Jeane Gudim Schneider, 45 anos, tem uma doença que reduz a quantidade de plaquetas no sangue. O remédio custa R$  2,6 mil e dura só 14 dias, mas ela precisa fazer uso contínuo. Se não se tratar, a moradora do Núcleo Bandeirante pode morrer. “O remédio falta e ninguém responde por isso. Esse exemplo mostra que falta gestão na compra de medicamentos”, reclama. Ontem, ela voltou para casa sem a droga. Há dois meses não toma o remédio.

O administrador aeroportuário aposentado Gilberto Marques, 57 anos, cobra auditorias. “É preciso explicar por que falta, por que some, por que não é bem guardado. Não se pode deixar largado. A população paga com a vida esse descontrole”, ressalta. Ontem, faltavam 40 remédios na Farmácia de Alto Custo da Asa Sul, 47 na de Ceilândia e 42 na do Gama.

Memória

Empresas de fachada
As investigações da Operação Medlecy começaram em abril de 2015, em Bauru (SP). Um grupo criminoso conseguia remédios de alto custo por meio de furto, roubo e desvio de órgãos públicos, para,  por meio de empresas de fachada, vendê-los a clínicas e hospitais.

O grupo movimentou R$ 16,5 milhões entre setembro de 2014 e maio de 2016. Os presos serão acusados de prática de organização criminosa e crime contra a saúde pública. Integrantes da máfia são investigados em São Paulo, Goiás, Espírito Santo e no DF. Um morador de Ceilândia foi preso com R$ 138 mil em medicamentos contra câncer.

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