O Estado está com 92,3% de ocupação em UTI, taxa que é de 92,7% na Grande São Paulo, segundo balanço da Secretaria da Saúde. Em enfermaria, a média é de 81,8% e 86,9%, respectivamente
A fase emergencial completou duas semanas nesta segunda-feira, 29, em São Paulo, com taxas ainda elevadas de óbitos, casos e ocupação de leitos. A média móvel de novas internações diárias relacionadas à covid-19 caiu pela primeira vez desde 16 de fevereiro neste fim de semana, mas ainda é mais do que o dobro do registrado na primeira quinzena do mês passado e quatro vezes maior do que no início de novembro.
Diante dos números ainda altos, os registros frequentes de aglomerações, o índice de isolamento mediano e o tempo estimado entre o contágio e o início dos sintomas, especialistas ouvidos pelo Estadão consideram que o período de duas semanas ainda é curto para avaliar os resultados da fase emergencial. Eles também defendem que a tomada de novas restrições deve ser discutida caso não ocorra redução nos índices do novo coronavírus nos próximos dias.
O Estado está com 92,3% de ocupação em UTI, taxa que é de 92,7% na Grande São Paulo, segundo balanço da Secretaria da Saúde. Em enfermaria, a média é de 81,8% e 86,9%, respectivamente. Há fila de espera por leitos, especialmente de UTI, enquanto municípios enfrentam escassez de medicamentos para intubação e oxigênio gasoso.
Por enquanto, as medidas de restrição tiveram impacto reduzido no índice de isolamento, de acordo com dados da Fundação Seade. Enquanto o índice era de 42% em 8 de março, passou a 43% nas duas segundas-feiras seguintes, quando a fase emergencial vigorava. No último sábado, por exemplo, a taxa foi de 46% de isolamento, ante os 47% do sábado anterior e os 46% dos dois que precederam o período de mais restrições.
As médias móveis (calculadas com base nos últimos sete dias) de domingo bateram os recordes de toda a pandemia em óbitos (668) e casos (16.317). Em novas internações, a alta foi ininterrupta de 16 fevereiro, quando era de 1.445 hospitalizações, até sexta-feira, quando chegou a 3.399, ainda segundo dados da Seade. Nos últimos três dias, houve leve queda, para 3.346, taxa que ainda é quatro vezes maior do que a registrada no início de novembro.
Um dos diretores da Sociedade Brasileira de Imunizações, o infectologista Renato Kfouri explica que são necessárias ao menos duas semanas para os efeitos de restrições impactarem no número de casos, por causa do intervalo entre o tempo de exposição, a manifestação dos sintomas e a confirmação do diagnóstico. No caso de internações, estima ao menos três semanas, pelo tempo até o quadro do paciente se agravar, média que chega a ao menos um mês para os óbitos.
Presidente da Sociedade Paulista de Infectologia e professor da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu, Carlos Magno Fortaleza cita como exemplo o município de Araraquara (SP), que teve resultados mais expressivos na redução das taxas após quase um mês de lockdown. “Os dados de São Paulo continuam subindo. Há quem veja uma desaceleração, eu ainda vejo uma subida clara”, destaca.
Também integrante do Centro de Contingência Contra a Covid-19 do Estado, o infectologista comenta que um dos desafios é a dificuldade de conscientizar a população para manter o distanciamento social. Ele traz como exemplo o deslocamento de turistas da região metropolitana da capital ao litoral por causa do mega feriado antecipado.
“Não acho que é o caso de demonizar a população, mas é uma sabotagem deliberada das medidas de isolamento. Demonstra uma falta de exercício de cidadania, o que só é possível quando se tem exemplos”, comenta ao se referir ao presidente Jair Bolsonaro e a alguns prefeitos que têm criticado medidas de restrição. “São líderes políticos, formadores de opinião, vendendo falsas ilusões.”
Embora costume ser contra medidas duras, Fortaleza destaca que o momento exige a manutenção de restrições. “Não estamos dando conta”, declara, ao abordar a dificuldade de abastecimento de medicamentos e de transferência de pacientes para leitos de UTI em algumas partes do Estado. “Estamos tendo até falta de tubo para colher sangue”, lamenta.
“Nós já sabemos que tem paciente que não tem covid que está morrendo por déficit no atendimento. E isso só tende a piorar”, reitera. “Como pesquisador que trabalha com epidemiologia, que tem experiência de 20 anos em controle de epidemias, se nós não desaceleramos a pandemia com o que estamos fazendo, precisaremos de medidas mais duras.”
Questionado sobre a possibilidade de adoção de um lockdown, ele explica que o termo foi utilizado em países que não seguiram as medidas tradicionais desse tipo de procedimento. Ele cita Araraquara e Portugal como exemplos de gestões que adotaram lockdowns reais, com restrição de mobilidade, e obtiveram resultados.
“É uma forma de restrição ativa da mobilidade populacional, não passiva, que ocorre com a diminuição da oferta de serviços (como ocorre em São Paulo)”, compara. “O lockdown é o último remédio. Se as pessoas continuarem boicotando medidas restritivas mais leves, serão necessárias mais duras.
Ex-presidente da Anvisa e professor de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e da FGVSaúde, Gonzalo Vecina defende que o Estado adote novas restrições por meia da reclassificação de serviços considerados essenciais. “A construção civil não parou, tem que restringir mais setores, fazer uma nova filtragem.”
Ele também aponta que é preciso haver maior unidade nas medidas regionais e estaduais, para evitar que medidas que considera “bem intencionadas”, como o mega feriado na região metropolitana impactem outros municípios negativamente. Por isso, defende maior articulação entre as diferentes esferas e os municípios.
Já, para Kfouri, dois pontos precisam ter o foco do governo. Um deles é o auxílio aos trabalhadores autônomos, que necessitam da renda diária para se manter e, portanto, não conseguem praticar o isolamento social. “Não adianta pedir para a população ficar em casa e não dar condições”, ressalta.
O outro ponto é a tomada de medidas mais duras contra festas e outros eventos que promovam aglomerações clandestinas. Pelo risco de espalhamento do vírus nesse tipo de situação, ele defende que os frequentadores também sejam punidos, e não apenas os organizadores, a exemplo do que já ocorre no caso do desrespeito ao uso de máscaras. “Com penalização condizente ao que foi causado.”
O infectologista considera, ainda, que, caso a adesão não seja maior e as taxas não recuam, medidas mais “endurecidas” precisarão ser tomadas. Em paralelo, ressalta, é necessário uma intensificação da campanha de imunização dos grupos mais vulneráveis “o quanto antes”.