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Governo altera política de defesa e vê risco de conflito na América do Sul

Nova Política Nacional de Defesa destaca a possibilidade de “tensões e crises” no continente

Exército brasileiro: soberania e o desenvolvimento de ações de preservação da floresta amazônica estão entre as prioridades (Exército/Divulgação)

A América do Sul não é mais considerada uma “área livre” de conflitos. É o que diz a nova Política Nacional de Defesa (PND), que será encaminhada ao Congresso na próxima semana.

Numa atualização da diretriz preparada em 2016, o texto ao qual o Estadão teve acesso destaca a possibilidade de “tensões e crises” no continente, que podem levar o Brasil a mobilizar esforços na garantia de interesses nacionais na Amazônia ou mesmo ajudar na solução de problemas regionais.

Sem citar nominalmente a Venezuela, o trecho sobre política externa do documento avalia “possíveis desdobramentos” das crises nos países vizinhos. A reportagem apurou que o principal foco de tensão se refere a ações do regime chavista de Nicolás Maduro.

Em 21 páginas, a Política Nacional de Defesa traça cenários internacionais para o ambiente regional e assinala que é papel do País “aprofundar laços” no continente. Uma das novidades da nova versão do documento do Ministério da Defesa, porém, é justamente o alerta para as possibilidades de conflitos. “Não se pode desconsiderar tensões e crises no entorno estratégico, com possíveis desdobramentos para o Brasil, de modo que poderá ver-se motivado a contribuir para a solução de eventuais controvérsias ou mesmo para defender seus interesses”, diz o texto.

O documento pede, ainda, atenção especial ao Atlântico Sul, onde se concentram as reservas do pré-sal – entre o Brasil e a África Ocidental. Nesta região também houve, recentemente, derramamento de óleo por navio desconhecido que causou danos ambientais ao litoral brasileiro.

A chamada Amazônia Azul enfrenta impactos de ilícitos transnacionais, inclusive suspeitas de espionagem por navios estrangeiros, como divulgou o Estadão, em fevereiro, ao noticiar que a Marinha brasileira monitorou durante uma semana um navio russo de pesquisa e inteligência, acusado de espionagem por países da Europa e pelos Estados Unidos.

Além do Atlântico Sul, a política de Defesa mantém como prioridades regiões onde se concentram os poderes político e econômico – Brasília, Rio e São Paulo -, a faixa de fronteira com os vizinhos sul-americanos e a Amazônia.

Pela primeira vez, os tratados que compõem a Política Nacional de Defesa incluem no radar do governo desdobramentos das mudanças climáticas e de pandemias. O texto da proposta destaca que estes fenômenos poderão “acarretar consequências ambientais, sociais, econômicas e políticas pedindo pronta resposta do Estado”.

A pandemia do coronavírus, que atinge o País e o mundo desde março, tem exigido mobilização nacional de todos os segmentos, inclusive do Ministério da Defesa que, segundo a pasta, emprega diariamente 34 mil militares no combate à doença. O efetivo é maior que o da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Guerra Mundial, quando foram mobilizados 25.800 homens.

A soberania e o desenvolvimento de ações de preservação da floresta amazônica estão entre as prioridades dos documentos que compõem a nova versão da PND. “A Amazônia, assim como o Atlântico Sul, é uma área de interesse geoestratégico para o Brasil. A proteção da biodiversidade, dos recursos minerais, hídricos, além do potencial energético, no território brasileiro é prioridade para o País”, constata o documento, que também apresenta uma “resposta” aos “interesses estrangeiros” na Amazônia.

O texto recomenda, ainda, que a Marinha instale um complexo naval de uso múltiplo nas proximidades do delta do rio Amazonas, na região da Ilha do Marajó, no Pará, por ser uma área que merece “atenção especial”. O Pará é onde ocorrem, atualmente, as maiores queimadas no País e o governo enfrenta pressões de parceiros econômicos internacionais por causa da destruição da floresta.

A Lei 136 de 2010, sobre a organização das Forças Armadas, estabelece que a cada quatro anos sejam atualizados: o Livro Branco da Defesa, com informações públicas sobre como a estrutura militar do País é organizada; a Política Nacional de Defesa, com os oito objetivos do País para a área; e a Estratégia Nacional de Defesa, com as 18 diretrizes para alcance das metas.

Os documentos serão oficialmente apresentados ao Conselho de Defesa, em reunião no Palácio do Planalto, com a presença dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e, em seguida, enviados ao Congresso, no próximo dia 22.

Continuidade

A versão final foi submetida ao presidente Jair Bolsonaro, mas a participação do chefe do Executivo na redação é secundária. Por se tratar de políticas de Estado, a palavra de ordem nos comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica é promover apenas alterações pontuais nas versões anteriores, de modo a representar continuidade.

“Parece que estamos emitindo uma política e uma estratégia nova. Não é verdade. É uma atualização com pequenas coisas. A essência é completamente a mesma. Independe do governo”, afirmou o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. “(O presidente) tem plena confiança no nosso trabalho e até agora não pediu para incluir nem tirar nada. Ele sabe que são políticas de Estado”.

A preocupação com delitos nas chamadas Zonas de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (Zopacas) está expressa no capítulo referente à Marinha, com trechos incluídos inclusive por causa do desastre do derramamento de óleo no litoral brasileiro, que teve início em novembro de 2019.

“O poder naval deve dispor de meios capazes de detectar, identificar e neutralizar ações que representem ameaça nas águas jurisdicionais brasileiras”, afirma o texto. “A intensificação das ocorrências de atos ilícitos no mar (como exemplo a pirataria, tráfico de drogas e de pessoas, pesca ilegal, crimes ambientais, dentre outros) demanda a presença estatal nos termos do direito internacional com os quais o Brasil tenha se comprometido.”

 

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