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Atividade e independência são importantes para enfrentar a velhice

Na terceira e última reportagem da série sobre envelhecimento, especialistas falam sobre a necessidade de garantir um mercado de trabalho acessível para idosos. Quem passou dos 60 anos reconhece que ter serviços básicos é importante para a autonomia

A Universidade do Envelhecer (Uniser) é um projeto de extensão da UnB que orienta como encarar a velhice de maneira empoderada
(foto: Ana Rayssa/CB/D.A Press)
Ver a juventude escapando entre os dedos não é fácil. A saúde torna-se frágil, e, para isso, é necessário garantir o acolhimento dessa população, com o objetivo de promover uma vida saudável e feliz. Nações como Suíça, Noruega e Suécia são exemplos nessa área e figuram nos primeiros lugares do ranking que analisa os melhores países para se envelhecer.
No último levantamento, divulgado em 2015 pela organização não governamental HelpAge International, o Brasil figura em 56º lugar. Os critérios analisados levam em conta itens como saúde, segurança de renda, acessibilidade, ambiente e sociedade, além de previdência social. Nas unidades federativas brasileiras, as alegrias e dificuldades originadas pela velhice afetam pessoas de diferentes perfis socioeconômicos. No entanto, para quem vive em regiões com menos infraestrutura ou serviços básicos, essa fase pode trazer mais adversidades.
Mesmo diante de obstáculos, há perseverança em quem não se deixa abater. É o caso de  Ângela Maria da Silva, 69 anos. Conhecida por todos na Cidade Estrutural como tia Gal, ela é a dose de alegria dos moradores. Pioneira na cidade, nem ela própria sabe explicar a razão do apelido. “Achavam muito longo me chamar de Dona  Ângela. Aí, acabei virando tia de todo mundo”, brinca. “Sou uma das fundadoras da cidade. Quando cheguei aqui, em 1990, eram só três barracos”, relembra-se.
Tia Gal é vice-presidente da Associação da Melhor Idade Integração e Sociedade (Amis): oficinas de culinária e artesanato para ajudar a população carente
(foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Hoje, ela é vice-presidente da Associação da Melhor Idade Integração e Sociedade (Amis), que oferece oficinas de culinária e artesanato à população carente da cidade. Ali, Tia Gal tem a oportunidade de ensinar o ofício que aprendeu aos dez anos: crochê. “Via minha avó fazendo e tomei gosto”, diz. Entretanto, as mãos habilidosas com as agulhas não são mais como antes. Pelos braços, mais do que as manchas marrons da idade, estão as roxas, resultado de coágulos sanguíneos. Há oito anos ela descobriu uma doença renal crônica e, desde então, faz hemodiálise três vezes por semana, em Taguatinga.
Quando foi diagnosticada, estava prestes a ter um derrame. “Eu morri e vivi. Na primeira vez que passei pelo procedimento, tiraram 5 kg de água de mim”, conta. Para o tratamento, uma van da Secretaria de Saúde garante a ela o transporte. “Isso ajuda muito, mas nem sempre as coisas são tão boas”, avalia. “No ano passado, meu potássio subiu muito, e eu não parava de tremer. Passei três horas esperando a triagem no Hospital Regional do Guará. Depois, me colocaram num corredor e fiquei esperando até aparecer um leito para mim”, relata.
Para Ângela Maria, a saúde é o maior empecilho da velhice. “Dou graças a Deus de ainda estar viva e poder andar, mesmo que segurando uma bengala. Espero não precisar ficar em uma cadeira de rodas.” O auxílio-doença que ela recebe é a única fonte de renda dela e do marido. Os crochês, quando vende em feiras, também ajudam no sustento. Nada disso, contudo, é capaz de tirar o sorriso de Tia Gal. “O lado bom de chegar onde cheguei são as experiências que tive e saber que ainda há quem respeite o idoso”, destaca.

Aprendizado

Para ajudar as pessoas a encarar o desafio da velhice de maneira saudável, a Universidade de Brasília (UnB) criou, há seis anos, um projeto de extensão dedicado a ressignificar o envelhecimento e otimizar a vida a partir da aposentadoria, como explica Margô Karnikowski, pesquisadora em gerontologia e criadora da Universidade do Envelhecer (UniSer).
Desde a fundação, mais de 300 alunos se formaram no curso, que tem duração de um ano e meio. Cada participante tem a oportunidade de integrar “vivências”, que nada mais são do que práticas de atividades como dança, artesanato e culinária. Os alunos ainda têm aulas de tecnologias da informação, ética, direito e cidadania. Após um ano e meio, eles saem formados como educadores sociais e políticos em gerontologia.
A iniciativa colabora com um processo importante para a vida dessa população, uma vez que é mais frequente que pessoas com 60 anos ou mais, após a aposentadoria ou não, saiam em busca de recolocação no mercado de trabalho, principalmente no meio informal. Mestre e doutoranda na área de previdência e de envelhecimento, Thayane Duarte Queiroz afirma que se trata de uma tendência, principalmente diante da necessidade de cada vez mais idosos garantirem a própria subsistência e manterem a família. “Gastos com saúde, alimentação e remédios se ampliam nessa fase. Há um aumento das despesas e diminuição da renda devido à aposentadoria”, explica.
Thayane acrescenta que esse movimento tem gerado uma precarização do acesso ao emprego por parte de pessoas com mais de 60 anos, pois não tem havido uma adequação dos ambientes de trabalho para receber essa população. “Apesar de o Estatuto do Idoso preconizar uma série de medidas de incentivo à reinserção profissional deles, há um estigma muito grande das empresas e da população em geral, como se eles não tivessem algum valor no mercado”, critica.
A pesquisadora destaca a importância de os governos atuarem de modo a incentivar esse movimento. “Caso a pessoa tenha condições e opte por isso, o governo deve garantir mecanismos e políticas que possibilitem a inserção dela no mercado profissional. Os direitos da população idosa, de forma geral, devem ser assegurados, seja com acesso à renda, para aqueles que não têm mais condições de se manter, seja com proteção para aqueles que quiserem continuar trabalhando”, completa Thayane.

Ocupação

Cansada da rotina monótona, a diarista aposentada Vera Santiago de Assis, 89 anos, ingressou no projeto UniSer há cinco meses. “Uma filha minha fez e me indicou. Achei bom, porque, assim, eu tenho uma atividade. A pessoa idosa, quando parada, é muito triste”, pondera. A mineira chegou em Brasília ainda nos anos 1960, acompanhando o marido que veio trabalhar na construção.
Por cerca de 20 anos, ela viveu em Ceilândia, mas, depois de viúva, passou a morar em Águas Claras, com um dos 11 filhos. Com colesterol alto, osteoporose e gastrite, a senhora de cabelos brancos depende de uma série de medicamentos. Para que ela não esqueça nenhum, os filhos anotam em um caderninho os horários de cada comprimido. No entanto, a saúde não é o que mais incomoda Vera. “Ser dependente é o maior obstáculo. Para tudo o que vou fazer, preciso estar com alguém. Não me deixam sair sozinha de jeito nenhum. É difícil”, reclama.
Aos 89 anos, a diarista aposentada Vera Santiago de Assis ingressou no projeto UniSer para ter uma atividade
(foto: Ana Rayssa/CB/D.A Press)
Apesar da semelhança das idades, Maria Izá Uhl Sidrm, 90, vive uma realidade diferente. Moradora da 711 Sul desde 1960, ela veio para Brasília com o marido — à época, funcionário da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) —, e conta que, sempre que pode, faz tudo que consegue por conta própria. Fluminense de Niterói, ela é mãe de cinco filhos, avó de 10 netos e bisavó de um casal de crianças.
A vida ativa de Maria Izá é típica de alguém ainda na flor da idade. Ao longo da semana, ela se dedica às saídas com amigos e parentes, além das atividades de costura e de bordado que executa durante as oficinas do bazar anual da Casa Espírita Recanto de Maria (Rema), no Lago Sul. Com saúde, vigor e bom humor, Maria Izá conta que a fórmula mágica para a longevidade com saúde e uma boa memória é o “amor pela vida”. “E o trabalho também. Ele é muito importante. O corpo humano é como uma máquina. Se parar, enferruja. Então, não paro. Faço muito serviço de casa e trabalho muito na oficina do Rema. Também gosto de ler, fazer palavras-cruzadas e de tirar um cochilo depois do almoço”, comenta, animada.
Maria Izá não abre mão da independência, nem dos cuidados com a saúde. Mesmo sem ter restrições alimentares, ela faz acompanhamentos periódicos com um geriatra e um fisioterapeuta. Outra solução para a vida exemplar que leva são as viagens anuais, em janeiro e fevereiro, quando aproveita para curtir a praia. “Eu adoro viajar para ver o mar e tomar sol. E estou ótima. Acho que a vida é muito boa e não tenho pressa de ir embora”, garante.

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